quarta-feira, 26 de outubro de 2011

“As Crónicas de Gelo e Fogo”, de George R. R. Martin


Primeiro foi a febre do feiticeiro adolescente com fita-cola nos óculos. Depois veio a febre dos vampiros fluorescentes contra os lobisomens depilados. E agora? Agora a febre que anda a varrer a literatura mundial chama-se “As Crónicas de Gelo e Fogo”, também conhecidas por “A Guerra dos Tronos”.
Esta saga de literatura fantástica insere-se na herança deixada pelo inigualável “O Senhor dos Anéis”. Ou seja, cavaleiros, donzelas, feiticeiros e dragões. Felizmente, ao contrário de 90% do lixo que anda por aí a ser publicado dentro da temática da fantasia medieval, existem razões válidas para ter atenção a esta obra.
George R. R. Martin é alguém muito experiente no que toca a escrever. Tem uma longa carreira na televisão e no cinema como argumentista, e graças a isso adquiriu uma considerável experiência que lhe permitiu ter uma base muito sólida antes de se lançar na escrita d’A Guerra dos Tronos. E esse é um dos argumentos – quiçá o mais forte – para justificar uma cuidada atenção à obra. A escrita de Martin é notavelmente profissional, e em nada elaborada. Percebe-se que ele não passa muito tempo à procura das frases bonitas e que soam bem. Ele pega na caneta e escreve de rajada. Talvez por isso é que os livros da saga tenham perto de 700 páginas cada um…
Comecei a descobrir, por acaso, A Guerra dos Tronos antes de esta se tornar um fenómeno global. Tinha comprado o primeiro volume há muitos anos, quando a editora Saída de Emergência o lançou em Português, e tive-o guardado durante uns bons aninhos. Foi preciso eu começar a lê-lo para de um dia para o outro o mundo inteiro se lembrar de pegar nos livros e torná-los na nova moda da literatura global.
Mas vamos ao que interessa. O primeiro volume da saga, que se chama precisamente “A Guerra dos Tronos”, é uma obra-prima da literatura fantástica. Um daqueles livros para os quais nada nos pode preparar. Frio, directo, emocionante, genuíno, apaixonante em toda a sua dimensão. Há muito tempo que não virava as folhas tão avidamente. As personagens são moldadas por camadas atrás de camadas de densidade. Não há super-homens, somente personagens cheias de falhas, medos, hesitações, coragem, inveja, soberba. A caracterização é a chave do sucesso da saga, quase tudo o resto é mera decoração. Nota-se a experiência de Martin na dimensão de personagens como Tyrion Lannister, Tywin Lannister, Catelyn Stark ou John Snow.
A acção decorre num mundo imaginário onde o reino principal está estruturado por várias famílias nobres. É precisamente uma dessas famílias o enfoque da história: a Família Stark. Lorde Eddard Stark é o Senhor do castelo de Winterfell, onde habita com a sua esposa, os seus cinco filhos legítimos e um filho bastardo. Tudo muda quando o Rei Robert Baratheon visita Winterfell. Pelo meio, há uma muralha gigante na terra do gelo, que tem algo que espreita por trás de si, há um perigo que espera do outro lado do mar, e há uma série de famílias vassalas dispostas a trair os seus patronos.
Isto não é uma obra imaculada ao bom estilo Arturiano. Isto é uma escrita rude, básica, que não poupa nas palavras vernaculares, nas atitudes grosseiras, no asco do ambiente medieval.
Há duas maneiras de ler A Guerra dos Tronos: adquirindo os originais, ou a versão Portuguesa. Certo e sabido é que os originais são sempre superiores às traduções. Mas eu gosto de ler em Português, e estes livros até nem são daqueles que necessitam ser lidos no original. O trabalho da Saída da Emergência está bastante bom, embora algumas opções da tradução sejam controversas. O tradutor, Jorge Candeias, coloca uma “nota” no primeiro volume onde explica as suas opções, que o levam a traduzir alguns termos, e a deixar outros no original. Assim, convive-se com Winterfell, Harrenhall, e Rochedo Casterly, Correrio. Se me agrada? Não muito. Chega para me incomodar? Nem por isso. Incomoda-me mais o facto de a edição Portuguesa dividir cada livro em dois, e colocar cada um à venda por € 19. É absurdo. Em qualquer país do mundo os leitores podem escolher se querem uma edição compacta ou uma edição de luxo. Em Portugal, não. Temos que comprar os calhamaços caros, de capa semi-rígida, a € 19. Até somos um país rico, e tudo… Cheios de poder de compra.
Mas voltemos ao fenómeno. A história começou este ano a ser adaptada a série televisiva, em mais uma produção magistral da HBO. O casting está perfeito, a adaptação muito boa, e o tema do genérico é divino (Ramin Diawadi).
Está declarada a intenção de adaptar um livro por ano, o que vai levantar uma série de problemas. Desde logo, George R. R. Martin tem o condão de fomentar a ira dos fãs pelo tempo que demora a lançar cada livro. Anos, numa saga que ainda vai no 5º livro, embora cada um tenha em média 700-800 páginas. Mas eu creio que esta era a intenção original de Martin, criar o primeiro épico colossal que cria um mundo inteiro imaginário, dando palco a todas as personagens, onde até o mais imperceptível figurante tem direito a um nome e uma história. Literalmente. Ora, se isto inicialmente até parece uma abordagem nova e interessante, rapidamente se esgota. Aliás, após o primeiro livro – absolutamente fascinante – torna-se difícil perceber a razão de continuar a história, já que o autor parece deliciar-se a escrever palha, enfiando capítulos atrás de capítulos onde nada acontece na história. Eu vou de momento no 5º livro da edição Portuguesa (o terceiro da original), e ao fim de 300 páginas nada ocorreu. Há personagens que estão exactamente no mesmo ponto onde estavam no final do livro anterior.
Há uma série de “falhas” (se é que eu tenho autoridade para criticar uma obra desta envergadura) que a meu ver acabam por diminuir o interesse da história com o tempo. A quantidade de personagens secundárias que roubam tempo à narrativa é agonizante. Por vezes, há personagens que desaparecem durante tempos infinitos, enquanto a história vai engonhando a passo de caracol. Se isto resulta numa série de televisão, numa série de livros tenho as maiores dúvidas. George R. R. Martin usou inteligentemente o seu “know-how” adquirido para dar vida a um grande épico de fantasia, mas temo que a filosofia de “fazer render o peixe” venha a diminuir consideravelmente a longevidade do mediatismo e sucesso d’A Guerra dos Tronos.
A título de curiosidade, descobri recentemente que Martin foi um dos argumentistas por trás de uma série da minha infância, de que muitos certamente se recordarão: A Bela e o Monstro. A série, de 1987, fazia uma adaptação da história popular à Nova Iorque dos dias de então. Teve algum sucesso, muito graças à interpretação do “Monstro”, Vincent, pelo extraordinário Ron Perlman. Se bem que durante muito tempo tive dúvidas se a Linda Hamilton fazia de Bela ou de Monstro…
Enfim, concluindo… Quando um escritor pensa numa história, e decide qual é o seu princípio, o seu meio, e o seu fim, a obra resulta bem. Quando um escritor começa a escrever, e vai escrevendo, escrevendo, escrevendo, enquanto a coisa render… a obra perde-se a meio do caminho.
George R. R. Martin tem uma capacidade extraordinária como escritor, conseguiu criar algo muito superior numa temática que tem passado a última década a ser inundada de lixo para consumo rápido, mas parece-me que está a cair no pecado da gula e aos poucos a deixar fenecer a sua criação.
Pode ser que eu me engane. Esperemos que sim, e que no fim o Tyrion seja rei…
Para quem tiver ficado interessado, a Saída de Emergência disponibiliza gratuitamente 100 páginas do primeiro livro neste link.


quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A Derrota do Humanismo



Humanidade. Sociedade. Civismo. Assim mesmo, por ordem decrescente. E cada vez mais decrescente. Vivemos cada vez mais em sociedade, e estamos cada vez menos humanos.
Dizem os sociólogos e os antropólogos que os seres humanos “estão formatados” para viver em comunidade, e que tal é parte da nossa evolução natural. Resta a pergunta: o que significa isso ao certo na mentalidade dos dias de hoje?
Já vinha há uns tempos a pensar escrever sobre disto, mas duas notícias destes últimos dias levaram-me a fazê-lo sem mais demoras. Já todos devem ter visto a notícia de uma menina de dois anos que foi atropelada num mercado na China, e pela qual passaram várias pessoas que simplesmente ignoraram. Durante quase 15 minutos. A menina chegou a ser atropelada por duas carrinhas. Mesmo para quem tem estômago de ferro as imagens são perturbadoras.
Depois disto, no jornal Público, vejo uma notícia que dá conta de um rapaz de 19 anos que foi morto à facada na zona de Sintra por tentar impedir que um bando roubasse um boné a um miúdo. A notícia pode ser vista aqui.
Muitos poderão ler isto e dizer: ora, isso são dois casos isolados, em nada espelham o que a sociedade é. Pois, o problema é quando se sucedem casos como estes. Recentemente vi uma reportagem (julgo que da BBC) referente a uma experiência que fizeram, e que passava por uma pessoa dar sinais de estar cheia de dores e cair nas escadas da mais movimentada estação ferroviária de Londres. Dezenas de pessoas passaram, desviando o olhar, pura e simplesmente ignorando a situação, sem sequer um simples “está a sentir-se bem?”.
Há também pouco tempo surgiram imagens de Nova Iorque onde um sem-abrigo impede um assalto, é esfaqueado, cai ao chão, e fica a esvair-se em sangue até morrer durante horas, sem que uma única pessoa o venha ajudar. Houve quem parasse para lhe tirar fotografias.
Em que ponto é que começámos a perder o nosso civismo e a abdicar da nossa humanidade? Inúmeros são os casos de pessoas que desviam a cara quando vêem alguém a precisar de ajuda no meio da rua.
Estes são exemplos extremos, mas o nosso quotidiano está cheio de situações destas. Ao entrarmos nesta “mentalidade de manada” tornamo-nos cúmplices. Quem cala, consente.
Esta degradação vem instalando-se aos poucos, ao longo dos últimos anos. A educação tornou-se algo tão escasso como os combustíveis fósseis. Começou com o simples acto de as pessoas deixarem de dar os “bons dias”. Há uns anos trabalhava num desses modernaços parque tecnológicos, cheios de empresas de informação e tecnologia. Quando passava num corredor e dizia “Bom Dia”, fazia-se silêncio, ficavam a olhar para mim em estado de choque. No tempo do meu avô os homens de bem davam os bons dias, tiravam o chapéu, e faziam uma ligeira vénia. Hoje, muitas vezes, olha-se com incredulidade para quem diz “Bom Dia!”.
Quando andava na escola, respeitávamos os professores. Hoje os alunos berram – quando não agridem – com os professores por estes os mandarem largar os telemóveis no meio da aula.
Pode parecer dramatismo, mas é precisamente aqui que se começa a destruir uma sociedade. Quando nos tornamos complacentes com a ausência da educação básica. A passividade boçal com que a maioria das pessoas urbanas/modernas/citadinas/desenvolvidas(?) exibe um sorrisinho amarelo do “não é nada comigo”.
Cada vez que tomamos conscientemente a decisão de nos afastarmos, não ter trabalhos, não nos incomodarmos, não arranjar chatices, seguir a corrente, contribuímos activamente para destruir um pouco mais aquilo que demorámos vários milhões de anos a evoluir.
Quando vemos um velho a pedir no meio da rua desviamos o olhar e dizemos “agora não tenho nada”. Meia hora depois estamos numa esplanada a comer um Magnum Amêndoas. À noite, dormimos na nossa casa com o aquecimento ligado nos 23ºC. O velho dorme num cartão no meio da rua – o mesmo que nos faz atravessar a rua para o outro lado quando “não o vemos”. Quando passamos por uma campanha de recolha de alimentos do Banco Alimentar entregamos um saco com duas latas de salsichas “porque os tempos estão difíceis e temos todos que poupar”. À noite, deitamos metade do jantar fora porque “já estamos cheios”. Graças ao Banco Alimentar, nessa mesma noite, há pessoas que podem ter o luxo de comer um iogurte.
Um homem caído no meio da rua nem sempre é um bêbedo. E mesmo que o seja, continua a ser tão humano como nós. Por vezes até mais.

 

On the turning away
From the pale and downtrodden
And the words they say
Which we won't understand
"Don't accept that what's happening
Is just a case of others' suffering
Or you'll find that you're joining in
The turning away"
It's a sin that somehow
Light is changing to shadow
And casting it's shroud
Over all we have known
Unaware how the ranks have grown
Driven on by a heart of stone
We could find that we're all alone
In the dream of the proud
On the wings of the night
As the daytime is stirring
Where the speechless unite
In a silent accord
Using words you will find are strange
And mesmerized as they light the flame
Feel the new wind of change
On the wings of the night
No more turning away
From the weak and the weary
No more turning away
From the coldness inside
Just a world that we all must share
It's not enough just to stand and stare
Is it only a dream that there'll be
No more turning away?

“On the Turning Away”, Pink Floyd, 1987


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Aurea


Há alguns dias falei por alto de Aurea, uma das revelações recentes na música nacional. Pouco depois disso decidi-me a comprar o seu álbum de estreia. Tenho andado fascinado com a miúda desde então!
Certo, ser toda gira ajuda imenso, mas para o caso falo da sua voz e da sua música. Com excepção do seu single de estreia “Busy for me” as principais rádios Portuguesas têm-lhe dado pouca atenção (continuo diariamente a ser bombardeado com Lady Gagada e uns tantos DJ supostamente da moda). Típico.
Todo o álbum é de uma qualidade surpreendente. Não é só a voz linda que ela tem, é também a variedade, a qualidade da música e até de algumas letras. A canção que – de longe – mais me apaixonou é uma daquelas que nunca vai ser conhecida, pois é demasiado arrojada. Chama-se “The Witch Song”.

A produção é deslumbrante, a capacidade vocal surpreendente, e eu quero casar-me com esta mulher! Quem lhe criou a canção (o CD diz: Ricardo Ferreira, João Pedro Matos e Rui Ribeiro) merece um prémio Nobel. Faz-me recordar algo do “The Wall” dos Pink Floyd misturado com algumas bandas sonoras de filmes da Disney compostas pelo Alan Menken.
Pois bem, a moça acaba de vencer o “Best Portuguese Act” da MTV Portugal e vai concorrer ao “Worlwide Act” dos MTV Europe Awards (seja lá isso o que for). Não me admirava que lhe acontecesse o mesmo que à Mariza: só depois de ganhar um prémio internacional é que cá dentro vão reparar nela.
Posto isto, quem anda por aí a ouvir Lady Gagada e ainda não conhece Aurea está a partir deste momento autorizado a cortar os pulsos com uma colher de pau.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

“O Homem do Castelo Alto”, de Philip K. Dick


Philip K. Dick é considerado o principal escritor de ficção-científica de todos os tempos. Para esse título terá muito provavelmente contribuído o facto de ter escrito a obra que esteve na base do maior filme da História da HumanidadeBlade Runner –, bem como outras histórias que se traduziram em filmes de sucesso como o “Relatório Minoritário” do Spielberg.
 “O Homem do Castelo Alto”, escrito em 1962, dá a sensação de mais parecer um guião para uma espécie de filme noir psicológico em ambiente de ficção-científica. É um livro muito bem escrito, e de certa forma “intelectual”. Lida com uma premissa deveras simples: o que teria acontecido se os nazis tivessem ganho a guerra? Apresenta-nos um mundo governado pelo Reich e pelos seus aliados nipónicos. O que à primeira vista parece um ponto de partida muito interessante acaba por se revelar numa história sem grande “uau”. Muito do que se passa no livro acaba por ser uma espécie de dia-a-dia de um conjunto de personagens que pouco (ou nalguns casos, nada) têm a ver umas com as outras, numa sociedade que parece até certo ponto obcecada com o I Ching, o Livro das Mudanças. É complicado fazer uma análise crítica a este livro passados 50 anos, e estando desenquadrado da altura.
Há uma atenção especial num lote de personagens que centra as suas atenções na comercialização de artigos Históricos dos EUA, alguns deles provenientes da Guerra Civil, e depois um outro lote de personagens que filosofa em redor de uma obra de ficção chamada “O Gafanhoto Pousa Com Força”, escrita por aquele que é, precisamente, o homem do castelo alto. E o principal ponto de interesse é precisamente este: um livro de ficção, onde os nazis ganharam a guerra, onde o centro da história é um livro de ficção onde os nazis perderam a guerra. Mas tirando isto, e o facto de estar realmente muito bem escrito, pouco mais há a dizer do livro.
Comprei-o numa colecção que o jornal “Público” lançou este ano, intitulada “Não Nobel”. Uma ideia muito gira, de lançar uma colecção de grandes escritores que nunca receberam o prémio Nobel, mas que se assumiram como “colossos da literatura”. Falamos de nomes como F. Scott Fitzgerald, Mark Twain, Tchékov, Tolstói, Kafka, entre outros.
O que é vergonhoso, e inadmissível, é a qualidade paupérrima que o livro apresenta. A tradução, embora boa, foi feita claramente à pressa, e o livro não foi alvo da mais básica revisão. Os erros ortográficos sucedem-se a uma velocidade agonizante. De meio do livro para a frente então é um fartote. Torna-se um desafio encontrar uma página que não tenha pelo menos dois ou três. Depois, há algumas opções verdadeiramente duvidosas, como o facto de haver frases inteiras em alemão que não são alvo de tradução. Não sei como funciona a “convenção das traduções”, se o tradutor traduz o que lhe apetece, ou se o escritor dá algum tipo de indicações para não traduzir algumas coisas, mas é um bocado absurdo. Mais, se as frases em japonês são traduzidas, porque raio não são as frases em alemão? A menos que seja alguma forma de “ambientar o leitor a um mundo em que os alemães mandam” (para isso já nos chega a realidade, obrigado). Até gostaria de deitar uma vista de olhos ao original para verificar se de facto é impressão minha ou o tradutor traduziu “comic book” por “revista cómica”. Eu espero que haja uma “explicação científica” para isto, e que eu a desconheça, pois a haver outra explicação, é tão horrendo que só dá vontade de atirar o homem para uma cela cheia de zombies – aqueles saídos directamente das revistas cómicas. Enfim, darei o benefício da dúvida…
Em suma, todas estas faltas de qualidade já seriam merecedoras de um “torcer do nariz” se o livro fosse oferta, mas num livro pelo qual paguei 7 Euros… é vergonhoso! Depois queixem-se da pirataria… Assim se estraga o que foi uma excelente ideia.
A bem da justiça devo dizer que a minha opinião a respeito do livro difere muito da opinião generalizada. Basta uma pesquisa rápida na net para se encontrarem várias críticas que classificam o livro como a obra-prima de K. Dick, numa abordagem brilhante à distopia que a história apresenta. Assumo que talvez eu não tenha interiorizado “O Homem do Castelo Alto” a 100%, mas também não sou pessoa de alinhar na carneirada de dizer que é genial só porque os outros o dizem.


segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A Música Portuguesa Recente


Durante os últimos 10 anos (ou mais) a Música Portuguesa definhou às mãos de uma série de “artistas” medíocres (alguns que ainda por aí andam). Longe iam os tempos dos anos 90 em que bandas como os Resistência ou os Xutos & Pontapés nos brindavam com temas inesquecíveis.
Muita gente criticou o público Português, catalogando-nos como uma espécie de ingratos que apenas ouviam o que vinha lá de fora. Os anos recentes provaram que afinal o público Português é muito mais inteligente e exigente, e não “absorve” qualquer lixo que as editoras lhe tentam impingir.
Após este longo período de marasmo, onde apenas alguns “dos velhotes” nos brindaram com canções dignas do repertório nacional (Rui Veloso, Xutos e mais um ou dois estiveram sempre presentes), eis que nos últimos dois anos surgiram uma série de artistas que aos poucos estão a reconciliar o público Português com a sua música.
Bandas como “Deolinda”, “Virgem Suta” ou aquela que ouço enquanto escrevo estas linhas, “Amor Electro” estão a encabeçar um movimento que faz prova de uma qualidade verdadeiramente assombrosa. Neste momento, temos artistas que foram recuperar as raízes da sonoridade popular Portuguesa. Os Deolinda têm um génio a escrever as letras, e uma Ana Bacalhau com uma voz apaixonante. Os Virgem Suta, num estilo mais boémio, e com uma identidade muito própria da cultura Portuguesa. Os Amor Electro apresentam uma qualidade de produção fascinante, associada à voz deslumbrante de Marisa Liz. “A Máquina (acordou)” é a prova do potencial da qualidade nacional.
Outro fenómeno curioso passou pelo renascimento de alguns estilos que se pensavam mortos, nomeadamente o Fado. Confesso que não me conto entre os grandes apreciadores de Fado. Adoro algumas coisas da Amália, algumas do Carlos do Carmo, e não passo muito disso. Mas ouvir Mariza (com Z), precisamente uma das responsáveis pelo renascer do Fado, é um prazer único. Não deixa igualmente de ser interessante ver artistas novos a recuperar canções da Amália e a actualizá-las para o público contemporâneo. Os “Amália Hoje” fizeram a canção perfeita ao pegar n’A Gaivota e colocar a voz da Sónia Tavares ao lado da música do Nuno Gonçalves. Não espanta, sendo ambos dos “The Gift”, uma das poucas bandas que foi sobrevivendo e dando cartas entre o tal período de marasmo. Que me perdoem os fanáticos da Amália Rodrigues, mas “A Gaivota” era uma música deslumbrante nas suas mãos, mas nas dos Amália Hoje tornou-se a canção perfeita.
E depois deste paleio todo chegamos “à revelação”: Aurea. Tem passado semi-despercebida nesta verde terra, o que é constrangedor. Lá fora, esta mulher estaria a discutir os tops com a Adele. Tem uma voz poderosíssima, um estilo deslumbrante, para além de ser linda de morrer e toda boa!

Sim, É PORTUGUESA!
Nota: eu não falo dos “Moonspell”, que muita gente aponta como a banda mais bem-sucedida do país, porque abomino o estilo de música deles, e é raro aguentá-la mais do que vinte segundos.
E por fim tivemos nos anos mais recentes o regresso de alguns veteranos, como o Jorge Palma que lançou o brilhante “Encosta-te a mim”. Não há muitas palavras para descrever uma canção com uma letra e uma música como esta. Divina. E o videoclip (podem vê-lo no Youtube) é um testemunho digno daquilo que é “a vida” aos olhos do Jorge Palma (que eu não conheço assim tão bem, mas que aos poucos tenho tentando descobrir).
É também justo fazer uma menção honrosa ao David Fonseca, que tem feito coisas extraordinárias.
Longe vão os tempos dos “Madredeus” e dos “Resistência”, esquecidos por mais de uma década de trampa medíocre, muita dela obscenamente promovida pelos objectivos comerciais das “novelas juvenis” e pelos programas de televisão de “gente talentosa”, que a troco das audiências causaram danos irreparáveis à música Portuguesa.
É um facto que gostos não se discutem, e que a uma série de artistas de que eu gosto muita gente torce o nariz (e vice-versa), mas fico satisfeito por ver que estamos numa altura em que “o que é nosso” tem qualidade, não nos envergonha, e até por vezes nos emociona.
Obrigado a todos os músicos Portugueses a quem “o engenho e a arte” ajudaram a erguer muito acima da comum mediocridade.

Obrigado “Xutos & Pontapés”, por mais de 30 anos a mostrar o quão bom pode ser o Rock cantado em Português. “Os Contentores”, “Não Sou o Único”, “Para Ti Maria”.
Obrigado “Rui Veloso”, por seres um Senhor, e mostrares a versatilidade de um artista que não se deixou envaidecer pelo título de “Pai do Rock Português”, e nos teres oferecido temas como “Nunca me esqueci de ti”, “A Paixão” e “Todo o Tempo do Mundo”.
Obrigado “Pedro Abrunhosa”, pois apesar de teres feito muito lixo – e de eu achar que se não procurasses tanto o mediatismo poderes ser um artista muito melhor – conseguiste coisas inesquecíveis como “Quem me leva os meus fantasmas”, “Momento” e “Se Eu Fosse Um Dia o Teu Olhar”.
Obrigado “Madredeus” e “Pedro Ayres de Magalhães”, pois a música erudita, apesar de passar “por outros circuitos”, é também o que faz elevar o nosso orgulho.
E quanto a todos os “mais novos”… Se não se estragarem pelo caminho, agradeço-vos daqui por mais uma década. Combinado?

P.S. Se alguém estava à espera que eu falasse do Tony Carreira… está claramente a ler o blogue errado.
P.P.S. A todos os piratas que por aí andam: não pirateiem a Música Portuguesa. Não é pelo que custam os CD (comprei Deolinda por 6 Euros), e os nossos artistas merecem o nosso apoio, a menos que tenham saído das infames novelas juvenis e afins. Nesse caso merecem somente os nossos tomates podres, untados com água de demolhar bacalhau!