quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O Cavaleiro das Trevas Renasce


 Sentar-me para escrever uma crítica a “O Cavaleiro das Trevas Renasce” é um exercício penoso para mim. Mas é um demónio que necessita ser esconjurado…
Sou um apaixonado por cinema desde muito novo, e os anos recentes têm-me deixado com “azia no estômago” pois o cinema está cada vez mais como a música: 99% é esterco. Christopher Nolan é um prodígio do cinema nos dias que correm. Um génio, indiscutível. O homem que fez “Memento”, “The Prestige”, “Batman Begins”, “The Dark Knight” e “Inception” é alguém que está num campeonato à parte do resto do mundo. Todos estes filmes têm lugar em qualquer lista dos 100 melhores filmes de sempre. Alguns deles até têm lugar na lista dos 10 melhores filmes da história do cinema. O toque de Nolan era ouro. E é precisamente aqui que chegamos a “O Cavaleiro das Trevas Renasce”.
Recuemos precisamente quatro anos no tempo. Quando em 2008 saí do cinema ao ver “The Dark Knight”, vinha a tremer. Não acreditava no que acabara de ver. O filme era demasiado intenso, o argumento demasiado brilhante, a realização demasiado perfeita, a banda sonora para lá de perfeita, e o desempenho de Heath Ledger como Joker marcou um novo patamar no campo da interpretação. Onde muitos viam apenas um bom filme de acção, eu via uma obra que redefinia o cinema.
“O Cavaleiro das Trevas Renasce” é o filme que vem encerrar esta trilogia, que começou com o muito bom “Batman: O Ínicio”, continuou com “O Cavaleiro das Trevas”, e agora procurava o seu final épico. Vamos então à exorcização do demónio: “O Cavaleiro das Trevas Renasce” é provavelmente a maior desilusão da história do cinema.
Nem acredito que estou mesmo a escrever isto, mas faça-o de plena consciência, e de cabeça fria, dois dias depois de ter saído do cinema. Era expectável que o filme não chegasse ao nível do antecessor, a fasquia era impossivelmente alta, mas nunca me passaria pela cabeça que eu saísse do cinema a compará-lo com os filmes do Michael Bay ou do Roland Emmerich.
Os pontos mais fortes do 2º filme eram o argumento e os diálogos. São precisamente os pontos mais fracos deste 3º filme. O argumento não parece ter sido escrito pelos irmãos Nolan, mas sim por um iniciado a quem deram 24 horas para escrever um guião. É pobre, cheio de erros (não são buracos, são crateras), do mais previsível e idiótico possível, e chega a ser constrangedor. Quase tudo neste filme falha. A história não tem ponta por onde se lhe pegue, as personagens passam duas horas e meia sem saber o que estão a fazer no ecrã (isso nota-se nos actores), e a sensação que dá é que aquilo é uma amálgama de algo que alguém se esforçou demasiado para tornar épico, mas acabou por arranjar tantos “twists” disparatados que criou um holocausto cinematográfico.
Analisar este filme vai ser uma das coisas mais controversas nos dias que correm. Boa parte das pessoas não vai ter coragem de lhe apontar as falhas, porque pouca gente nos dias que correm ousa ir contra a corrente, e muita gente vai achá-lo genial, da mesma forma que acha que a música que se faz hoje em dia é genial, e que o “Twilight” é uma obra ímpar. Sim, já estamos no ponto em que falo do “Twilight” numa análise crítica ao novo Batman.
Há duas coisas que safam este descarrilamento do alfa-pendular: Hans Zimmer, que tem o defeito de ser o maior génio musical do mundo (e que se tivesse nascido há 200 anos chamar-se-ia Beethoven), e a surpresa que é Anne Hathaway como Catwoman. Fui dos que torceram o nariz quando o nome dela foi anunciado, e sou dos que lhe tiram o chapéu pela surpresa que foi.
SPOILER ALERT
Daqui para a frente vou fazer referência a muitas das coisas que se passam no filme, e portanto quem ainda não o viu, deve pura e simplesmente baixar as expectativas e parar de ler por aqui.
A história é uma aberração. Ao ponto de ser exactamente o inverso do filme anterior. No Dark Knight o Joker passava o tempo todo a tentar provar que as pessoas eram egoístas, e que conseguia despoletar a anarquia, e no final o Batman prova-lhe que afinal existe o Bem no coração das pessoas, e que o Joker está errado. O que é que acontece neste filme? O Bane explode meia-dúzia de bombas e a anarquia irrompe por todo o lado. Chegamos ao ponto de ver os bagageiros dos hotéis de luxo a escorraçar os clientes ao pontapé… aí uns cinco minutos depois do ataque do Bane. Ataque esse que, diga-se, também é de génio. Corta todas as saídas da cidade (repetindo o que fez no filme anterior), ameaça matar quem tentar sair da cidade (repetindo o que fez no filme anterior), e lê uma carta aos jornalistas a dizer que o Comissário da polícia mentiu. Portanto, já chegámos ao nível intelectual em termos de cinema onde se acha razoável que um louco faça explodir meia-dúzia de bombas, apareça na televisão a ler um papel que ele diz ser da autoria do Comissário, e imediatamente toda a gente acredita nele e desata a lançar a anarquia pelas ruas. Hum… para começo de conversa estamos no bom caminho.
Depois temos as gralhas (“plot holes”) que se sucedem. Bane diz que dá cinco meses até que a bomba expluda, e nada se passa nesse tempo, voltando à cena apenas a meia-dúzia de horas do fim. Só há uma maneira de desactivar a bomba, e os vilões – em cinco meses – não destroem a forma de o fazer (que basicamente passa por destruir o mecanismo de acoplamento da mesma). O Bruce Wayne quando sai do carro tem um “gadget” que provoca um pulso electromagnético que desliga todos os aparelhos eléctricos, tem uma coisa que faz o mesmo na mota, mas em cinco meses ninguém é capaz de atirar com um mecanismo desses contra o camião que anda a passear a bomba. O arsenal do Batman é super secreto, só o Fox tem conhecimento da sua existência, mas no final dois técnicos da empresa informam-no que fizeram um upgrade no software da nave “há seis meses”. Um miúdo órfão diz-lhe: “Eu vi-te uma vez quando tinha cinco anos, mas olhei para os teus olhos e sabia que eras o Batman”. ??? !!! ??? A sério, isto foi escrito pelas mesmas duas pessoas que escreveram o argumento do “Inception”? Este pormenor então é de se lhe tirar o chapéu, pois toda a gente no filme sabe a identidade secreta do Batman, exceptuando quem? O Jim Gordon, precisamente o Comissário da polícia que trabalha com ele há pontapés de anos. Há também a cena de génio onde ele entra em ruptura com o Alfred. Portanto, tu és a pessoa mais próxima que eu tenho na vida, conheces-me desde que nasci, fizeste tudo por mim… mas agora acho que me estás a mentir e não quero mais ser teu amigo, por isso vai-te embora. Permitam-me novamente: ??? !!! ??? Até tenho dúvidas que o Michael Bay conseguisse algo tão estúpido (e não é por falta de tentar).
E depois temos os clichés, que são tantos, tão óbvios, e tão mal construídos, que causam dor. O que é que a Catwoman faz? Basicamente tem jeito para assaltar cofres e roubar colares de pérolas, mas o Batman necessita inequivocamente dela para enfrentar o exército do Bane. Os gajos que são mandados para o exílio têm que caminhar sobre o gelo, que parte-se de imediato e os engole, mas de repente temos 10 polícias a andar em cima do gelo, que já de si não se parte, e de repente encontram o Batman em cima do gelo (que com o fato e todo o arsenal só deve pesar uns 200 quilos)… E terminamos com o “momento em que o vilão tenta consumar a sua vingança enquanto morre”, quando temos aquela cena divina da Talia (que em si mesma é um cliché) que está a morrer no camião, falta um minuto para a bomba explodir, e de repente lembra-se de contar aos heróis como está satisfeita por cumprir o sonho do paizinho, e temos o Batman, a Catwoman, e o Gordon, os três parados, de cabeça levemente inclinada, a ouvir placidamente a historinha toda.
Penso que é melhor parar por aqui, mas em verdade devo dizer que teria muito – mas, infelizmente, mesmo MUITO – para continuar a enunciar a estupidez incessante que apenas 2h30 de filme conseguem demonstrar.
Em suma, estou triste por ver este desfecho verdadeiramente vergonhoso, onde até Gotham subitamente se transforma numa cidade luminosa, e com um solzinho caloroso, e onde mesmo estando preparado para que o filme não correspondesse às expectativas, nunca me passou pela cabeça que fosse tamanho descalabro. Não chega a entreter, porque é enfadonho, não chega a desenvolver as personagens, porque há demasiada coisa sem sentido a ser martelada, e é tão insípido que leva uma pessoa a fechar os olhos a meio do filme e a pensar “isto é alguma brincadeira de carnaval?”. Fosse este filme feito por outro realizador, e noutro contexto, e provavelmente a minha crítica não seria tão arrasadora. Mas há que ter noção das coisas. Uma coisa é o Benfica perder 5-0 com o Barcelona, outra coisa é perder 5-0 com os Pescadores da Costa da Caparica. Nolan é um génio, continuará a sê-lo, continuarei a idolatrar o homem, e este filme ficará como a única nódoa na sua carreira. Não é algo que me preocupe em demasia, até porque daqui por 10 anos ainda se falará do “The Dark Knight”, mas daqui por 10 meses já ninguém falará deste “The Dark Kight Rises”.


Pelo Pior:
O argumento próprio para mentecaptos, que faz Nolan descer ao campeonato do “cinemazinho blockbuster”. A voz de Bane, que onde se pretendia um vilão que instigasse medo, acaba por soar a uma interpretação do Sean Connery num dia de alergia com o nariz entupido.

Pelo Melhor:
Hans Zimmer. SEMPRE. Nunca me cansarei de o dizer. Não há prémios na Humanidade para louvar este homem. O coro que fez para tema do Bane é extraordinário (pesquisem no Google a história por trás da sua concepção), bem como todo o resto da banda sonora. Michael Caine, que mantém a sobriedade e a classe. E Anne Hathaway, que pelo esforço merecia algo melhor.