segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O Hobbit: Uma Viagem Inesperada



Peter Jackson colocou o cinema num novo patamar quando realizou a maravilhosa trilogia “O Senhor dos Anéis”. Até Hollywood se rendeu, ao atribuir 11 Oscars ao 3º filme, e fazendo dele o maior vencedor de sempre, em ex aequo com “Ben-Hur” e “Titanic”. Uma década mais tarde, e com muitos avanços e recuos na produção, o realizador lança uma nova trilogia dedicada ao prelúdio da obra maior de Tolkien.
Jackson deu todas as provas que necessitava dar com a trilogia anterior, mas confesso que me causou bastante estranheza tantas alterações anunciadas durante a fase de produção. Primeiro não ia ser um filme, iam ser dois. Depois, já a meio deste ano, afinal não vão ser dois, vão ser três. Bom, tento em conta que o livro “O Hobbit” tem metade da extensão de qualquer um dos três volumes do Senhor dos Anéis, isto é no mínimo estranho. Mas veremos. Tal como disse, o homem já deu todas as provas que tinha a dar.
Li O Hobbit pela primeira vez há já uns quantos anos, no início da faculdade, e voltei a lê-lo no ano passado, precisamente por o querer fazer antes de chegar ao cinema. É um livro para crianças, onde os anões são descritos como tipos joviais que vestem calças amarelas, botas azuis, e gorros verdes. Portanto, bastante distante do Senhor dos Anéis, e ainda mais distante da abordagem de Jackson no cinema. Se Jackson tivesse seguido por este caminho corria o risco de ser arrasado pelos fãs, à semelhança do que aconteceu com George Lucas quando lançou a segunda trilogia de A Guerra das Estrelas. Mas nada disso. Jackson mantém o mesmo estilo, e faz uma coisa interessante: acrescenta história. Não é muito fácil analisar este primeiro filme do Hobbit, pois para o fazer é necessário perceber qual foi a opção do realizador. Em vez de pegar no livro e adaptá-lo, a equipa liderada por Peter Jackson fez um trabalho hercúleo de enaltecer todo universo Tolkienesco. À história original foram adicionadas inúmeras cenas que provêm dos muitos apêndices que Tolkien deixou na sua obra, e onde explica muito do mythos de Middle Earth. Estes filmes são um trabalho de devoção. Muito mais do que uma obra cinematográfica épica, trata-se de dar vida à enorme obra de Tolkien em imagem real. A dedicação é considerável, e só por isso o realizador merece uma vénia. Este é um trabalho demorado, porventura penoso, e que pode ser lido como a forma de Jackson venerar uma das maiores criações literárias de sempre. Mas este é, também, a meu ver, um dos pontos menos bons do filme, pois leva à existência de cenas que se arrastam por demasiado tempo, quebras constantes no ritmo do filme, e chega a dar a sensação de ter faltado ali uma segunda “triagem” para melhorar o produto final.
Dito isto, tomara 99% do cinema que se faz mundialmente estar ao nível deste primeiro Hobbit. Os cenários absolutamente de sonho voltam a deixar-nos embevecidos. Ninguém consegue criar cenários mais deslumbrantes do que estes tipos. Ponto final. Toda a sequência inicial que mostra a queda de Erebor é divina. A atenção ao pormenor, e o cariz épico de cada imagem, não tem paralelo.
Inevitavelmente, O Hobbit é inferior ao Senhor dos Anéis. Já o era em livro, e continua a sê-lo em filme. Em parte isso deve-se à mudança de protagonistas. Se na trilogia inicial tínhamos um conjunto fabuloso de actores, e um Elijah Wood que – sendo um actor com muito low-profile – conseguiu criar um Frodo que nos cativou com a sua inocência, neste Hobbit há uma quebra visível. Martin Freeman não me convenceu minimamente como Bilbo. Não cria qualquer empatia com o espectador. Sendo a personagem principal da história, acaba por ser quem mais passa despercebido nela. Não aquece, nem arrefece. É totalmente insípido, chegando ao ponto de nem se perceber muito bem o que anda ali a fazer. Felizmente, Richard Armitage faz um Thorin Oakenshield muito bom, e tem a sorte de se fazer acompanhar por actores poucos conhecidos, mas que criam uma companhia de anões extraordinária, com destaque para Ken Stott (Balin) e Graham McTavish (Dwalin), que ficam muito próximos do insuperável John Rhys-Davies, na pele de Gimli na trilogia inicial. Ian McKellen é Ian McKellen, e mais não é preciso dizer.
Howard Shore tinha composto as melhores bandas sonoras de todos os tempos para a trilogia inicial. São obras musicais que ultrapassam tudo e todos e que não podem ser sequer comparadas ao resto dos comuns mortais. Nem John Williams ou Hans Zimmer, por mais geniais que sejam, chegam sequer ao nível daqueles três álbuns. Mas, para O Hobbit, fiquei com a sensação que Shore seguiu o caminho da preguiça, limitando-se a usar os temas icónicos do Senhor dos Anéis. Pouca coisa nova consegui identificar no filme, destacando obviamente a canção dos anões, que é inclusive um dos momentos mais bonitos e marcantes do filme. Dá-me a sensação que podia ter ousado algo mais. Mas não quero ser injusto, e enquanto não ouvir o álbum “com olhos de ver”, dou o benefício da dúvida.
E de resto há “bonecada digital”, que se nos filmes anteriores surpreendiam pelo avanço tecnológico, actualmente já me fazem olhar para eles com alguma indiferença. O excesso de digital e abuso de coloração em algumas coisas tornam-nas demasiado exageradas. E quando a isso se junta o excesso de cenas com goblins e wargs, que parecem estar ali apenas para agitar um bocadinho as cenas mais serenas… acho que aqui faltava a tal triagem que referi anteriormente.
Quem ler esta crítica é capaz de ficar com a sensação de eu estar a dizer mal do filme. Nada disso. O Hobbit é um filme de excelência, fruto de um trabalho extraordinário de dedicação ao culto de Tokien. Nem tudo no filme é perfeito, e mantenho que o acho inferior a qualquer um da trilogia anterior, pelas razões enunciadas. Mas tomara eu que todos os filmes que eu pago para ver no cinema chegassem aos calcanhares deste.
Posto isto, fico com o bichinho para ver o que nos espera nos dois próximos filmes, até porque cerca de 70% da história já foi “despachada” neste primeiro filme, o que faz antever que Jackson vai dar ainda mais ênfase aos elementos externos à história original.

Pelo Melhor:
A caracterização dos anões. A dedicação apaixonante de Peter Jackson a dar vida ao universo Tokienesco. A oportunidade de ter fantasia de elevadíssima qualidade em cinema. A música “Misty Mountains” cantada pelos anões.

Pelo Pior:
Martin Freeman que pouco mais aparenta ser do que um pãozinho sem sal, e que relega o protagonista da história para um mero apontamento de rodapé. E pelas mesmas razões, os dois anões mais novos que mais parecem adolescentes americanos numa fila para a Loja Apple à espera do novo i-phone, e que têm tanto de anões como eu tenho de elfo. E toda a gente sabe que odeio elfos.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O Nobel da União Europeia



Se me perguntassem há 10 anos, responderia sem hesitações que era um europeísta convicto. Desde muito novo guardo memórias do deslumbramento que sentia com o facto de pertencermos à CEE, que posteriormente evoluiu (não necessariamente de forma positiva) para a União Europeia (UE). Os valores que esta União defendia eram tudo aquilo em que eu acreditava enquanto cidadão. Um conjunto de países diferentes, todos com uma rica e extraordinária História, unidos para partilhar conhecimento e responsabilidades comuns. Cooperarem a nível científico, em termos de cidadania, na defesa do território Comunitário. A Europa era o espaço de excelência do mundo. Éramos a vanguarda de tudo o que era “bom”.
Igualmente, sentia um interesse particular pela atribuição dos Prémios Nobel. Toda a gente olhava com respeito e expectativa para, pelo menos, dois deles. Aqueles que, provavelmente, mais diziam do ponto de vista social: o Nobel da Paz e o Nobel da Literatura. As outras categorias, mais científicas, sempre foram um pouco mais alienígenas ao conhecimento geral.
Se por um lado o Nobel da Literatura é sempre mais ou menos pacífico – gostos pessoais à parte, pois felizmente o que não falta no mundo são escritores cheios de talento – já o Nobel da Paz, de quando em vez, reserva-nos alguns narizes torcidos. Cada Prémio Nobel é atribuído por uma entidade diferente. Já ficaram a saber uma coisa nova só por lerem este artigo, gente sortuda! No caso do Nobel da Paz, a responsabilidade cai num comité eleito pelo Parlamento Norueguês. Há que reconhecer (e congratular) que este comité está sempre bastante atento aos temas da actualidade mundial, o que leva muitas vezes ao risco de gerar grandes controvérsias aquando da atribuição do prémio.
Recordo-me quando, há uns anos, a distinção foi atribuída a Al Gore e, genericamente, aos cientistas que trabalhavam o tema das Alterações Climáticas. Muita gente achou a ideia absurda, mas poucos têm a noção das razões – mais do que lógicas e sérias – por trás desta atitude. Esta era uma forma de o Prémio Nobel se associar a um tema da maior importância, que infelizmente tem sido alvo de muita incúria e demagogia reles. Já associar o nome de Al Gore à questão, confesso que me causou alguma comichão. Ele foi de facto um motor importante para a mediatização do tema, mas também houve uma banalização provocada por isso. Lembro-me de quando ele andou em périplos por vários países do mundo, nas suas célebres conferências, onde certamente era bem pago para dizer coisas sobre as quais qualquer professor universitário sabia muito mais do que ele. Cá em Lisboa também houve uma dessas célebres conferências, no Museu da Electricidade, para onde correu toda a fantocharia política. Não houve um “intelectual” do nosso Parlamento que não tivesse ido a correr para se associar ao evento, e aparecer na televisão. Uma histeria idiota, para mais num país que tem pessoas da área da ciência que são referências em termos do estudo das alterações climáticas, nomeadamente da FCT. Nem de propósito, no jornal Público vem um artigo do Professor Filipe Duarte Santos (link).
Seguiu-se o “estranho caso” de Barack Obama, que ainda nem tinha aquecido o assento da cadeira presidencial e já era galardoado com o prémio. Percebeu-se a “mensagem política”, mas pergunto eu: um prémio não é algo que se atribuiu a alguém pelo mérito de um trabalho feito? Atribuir o Prémio Nobel da Paz ao presidente de um país que estava envolvido em várias guerras por esse mundo fora, e cujo orçamento anual gasto na indústria militar daria para sustentar dezenas de países… só como gesto de sarcasmo. E são este tipo de atitudes que minam por completo a credibilidade de algo tão importante como um Prémio Nobel da Paz. Não pode ser encarado como uma espécie de “Recomendação da Assembleia da República”, onde os deputados aconselham o governo a legislar sobre um assunto, ou a tomar atenção a uma matéria. Um prémio é o reconhecimento por algum feito alcançado. Banalizá-lo é coloca-lo ao nível de uma cerimónia estilo “Miss Praia da Nazaré 2012”.
Chegamos por fim ao Nobel atribuído este ano à União Europeia. A meu ver, a UE é um dos maiores feitos da Humanidade. Em teoria, pelo menos, já que prática há demasiadas questões para que uma afirmação destas seja feita de ânimo leve. Aqui se fez a Paz, derrubaram-se barreiras, partilharam-se culturas, misturaram-se populações, desfizeram-se fobias, trabalhou-se no sentido de garantir prosperidade, dignidade, e saber, a mais de 500 milhões de seres humanos. Aqui se decidiu adoptar o “Hino à Alegria”, versão instrumental, como hino comunitário. E, portanto, atribuir este prémio na altura em que boa parte de tudo isto se está a destruir é, novamente, caricato.
Em pouco mais de um ano, boa parte dos líderes europeus foram varridos pelos seus povos. Os países mais fortes mostram um total desprezo pelos mais fracos, dando-se ao luxo de mandar bocas na comunicação social. Ver ministros das finanças de uns países a insultar o povo do país vizinho não é propriamente normal na Europa. Ou ver o Presidente do Parlamento Europeu, que foi um dos “três estarolas” que recebeu o prémio nas mãos, a atacar Portugal por ter negócios com Angola. Testemunhámos, inclusive, aquela bonita atitude “nós não somos a Grécia”, seguido de “nós não somos Portugal”, “nós não somos a Irlanda”, “não somos a Espanha”… A xenofobia corre livre. Na Grécia, os neonazis ocupam 20 lugares no parlamento, enquanto a BBC revela notícias de “raides” nocturnos que os mesmos fazem, em conivência com a polícia, para atacar imigrantes, e em alguns casos torturá-los violentamente.
É esta a Europa do Prémio Nobel da Paz? Onde milhares de pessoas passam fome? Onde centenas de pessoas cometeram suicídio por perderem as suas casas, perante a passividade das autoridades? Onde os cidadãos são alvo de violentas cargas policiais por manifestarem o seu descontentamento pela destruição de parte daquilo por que lutaram os seus pais e avós? Onde meia-dúzia de “senadores” se acham no direito de humilhar os povos dos países vizinhos, tratando-os como se fossem gente pestilenta e sem quaisquer direitos? Onde se queimam bandeiras da Alemanha, e da própria UE, em manifestações de rua?
E, como cereja no topo do bolo, temos Barroso, Rompuy e Schulz a receberem o prémio em nome dos 27. Faz sentido, são o espelho perfeito da inépcia total e absoluta a que estão entregues os destinos da Europa presentemente, onde se fazem duas dezenas de cimeiras para, em cada uma delas, se anular tudo o que foi decidido na anterior, e alvitrar novas directrizes, que geralmente duram 48 horas até caírem por terra.
Novamente, percebe-se a mensagem por detrás da atribuição do prémio neste momento, mas como “proposta de reflexão” termino questionando: estamos a colocar estas pessoas na mesma lista de Nelson Mandela?

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Cloud Atlas



Em 1999 os irmãos Wachowski revolucionaram a História do cinema com o deslumbrante Matrix. Goste-se ou não do género, certo é que Matrix foi um daqueles filmes que empurraram o cinema para uma nova fase, nem que fosse somente pelos inovadores e irreverentes efeitos especiais, aliados ao estilo e visual do ambiente que foi posteriormente copiado até à exaustão.
Nos 10 anos que se seguiram, os Wachowski desapareceram praticamente de cena. Em 2012 regressam com “Cloud Atlas”. Em boa hora o fizeram. É uma das maiores obras-primas, a todos os níveis, desde que outros irmãos (franceses) inventaram a Sétima Arte.
Cloud Atlas não é um filme. É um prodígio do cinema.
Há muito poucos filmes que partilham o panteão em que Cloud Atlas se inclui (é o caso de “2001, Uma Odisseia no Espaço”).
São seis filmes dentro de um. Seis histórias, todas elas magníficas: uma viagem a bordo de um navio no século XIX; um jovem compositor que luta para compor uma sinfonia entre as duas Guerras Mundiais; um thriller em redor de uma investigação nos anos 70 em torno de uma central nuclear; um velho editor que em 2012 se vê aprisionado num lar para idosos; uma luta pelos direitos humanos no século XXII; e um cenário pós-apocalíptico onde duas sociedades humanas distintas encontram uma inesperada simbiose. E depois, o “toque”: todas as histórias estão interligadas, e as personagens de cada uma dessas histórias são interpretadas pelo mesmo conjunto de nove actores. Cada história é uma ode à tolerância, à coragem, à resiliência, à quebra do preconceito.
Comecemos pelos actores. Nunca uma direcção de actores foi tão longe. Tom Hanks, Hugh Grant, Halle Berry, Hugo Weaving, Jim Broadbent, Jim Sturgess, Doona Bae, James D’Arcy e Ben Whishaw. Todos eles magistrais. A plasticidade de Tom Hanks é, como já nos habituámos, tremenda. Hugo Weaving arrisca um pouco mais neste filme do que é habitual, em particular com a personagem “Old Georgie”. Weaving é particularmente reconhecido pela sua voz fabulosa, associada a uma dicção notável. Mas aqui demonstra – para quem ainda tinha dúvidas – que quando é necessário brilhar na interpretação, ele está à altura. Não vou falar de todos os actores, mas quero focar-me em Jim Broadbent. É porventura o menos conhecido do elenco, e é surpreendente ao ponto de me pôr a desejar que lhe atribuam um Oscar (algo a que ligo muito pouco). Broadbent cria as personagens mais marcantes do filme: o velho compositor rezingão e mesquinho, e o apaixonante e aluado editor que se vê encarcerado num lar para idosos. Extraordinário. Ambos comoventes na reflexão sobre a condição humana.
Cloud Atlas é um filme de emoções. Há já muito tempo que não me ria tanto num filme. Há momentos de comicidade de génio absoluto. Em igual quantidade há momentos de drama, que nos deixam com o olhar tenso. E há momentos épicos, inspiradores, que nos põem literalmente nas nuvens. Alguns dos diálogos são fortíssimos.
Depois temos os cenários, a caracterização, a fotografia… Tudo perfeito. Não há uma cena em três horas de filme que não seja magnífica. A caracterização ultrapassa qualquer coisa até hoje vista. Alguns dos vários papéis que os diversos actores interpretam só são reconhecidos no genérico final, quando nos é revelado quem faz de quem ao longo do filme. E nesse momento é ver a audiência a fazer “aaah!”, uns atrás dos outros.
Do que me falta falar? Da música. Igualmente divina, e dos aspectos a que geralmente tomo mais atenção nos filmes. Não vem das mãos de nenhum dos “pesos pesados” de Hollywoood, mas é curioso verificar que um dos temas mais tocados ao longo do filme é visivelmente inspirado no “Dark Knight” de Hans Zimmer (que se tornou uma das bandas sonoras mais influentes do cinema contemporâneo). A obra, como um todo, é deslumbrante. Basta pesquisar “Cloud Atlas Sextet” no Youtube. A dimensão da música assenta que nem uma luva no ambiente do filme. E quando chegamos ao “All Boundaries Are Conventions”, o mundo desmorona ao nosso redor.
Em suma, estamos perante a perfeição cinematográfica. Um daqueles raros filmes que muita gente vai criticar por nem sequer ter a capacidade intelectual para perceber o que tem perante si. A realização dos Wachowski e de Tom Tykwer é excelente, a adaptação do argumento não tem falhas, em momento algum o espectador se sente perdido em qualquer uma das seis histórias que se desenrolam simultaneamente. O conjunto de actores, e os diversos desempenhos que alcançaram, é ímpar. A música é intimista, bonita, simples, profundamente adequada. Cloud Atlas é, como disse, um prodígio do cinema, mas acima disso, um hino ao Ser Humano.
Enternecedor. Épico. Memorável. Profundo. Complexo. Inesquecível. Três horas absolutamente imperdíveis que conto repetir ainda antes de o filme sair das salas de cinema.

Pelo Melhor:
O argumento. A realização. As interpretações. A música. A caracterização. O guarda-roupa. A fotografia. A montagem. Os efeitos especiais. A direcção artística. O som.

Pelo Pior:
A decisão imperdoável de terem feito um filme de três horas, em vez de um filme de seis ou sete…


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Uma aventura do Psy no Banco Alimentar

Não, tenham calma, não se trata de mais um livro da popular série juvenil co-escrita pela antiga Ministra da Educação. Trata-se, isso sim, de um breve relato na primeira pessoa de um dia como voluntário no Banco Alimentar Contra a Fome.
Ora, tudo começou quando uma criatura astróloga me convidou para participar na campanha de recolha de alimentos. Sendo eu uma pessoa cuja generosidade (e humildade) extravasa por todo o lado, aceitei o convite.
Não vou utilizar este espaço para descrever todo o processo, pois acho que já toda a gente sabe mais ou menos como funciona. Vou antes aproveitar para partilhar alguns “momentos de ouro”, daqueles que vale a pena testemunhar e que são fortes candidatos ao Prémio Nobel da Estupidez Humana.
Toda a gente sabe qual o trabalho que os milhares de voluntários (só nesta campanha foram mais de 38.000) que colaboram com o BA fazem, e para o que serve. Igualmente, todos sabem que a gentinha mesquinha que nada faz, nunca fez, e jamais fará, arranja sempre maneira de criticar e deitar abaixo o trabalho dos outros. É impressionante ver a natureza Humana a funcionar em termos de consciência social e ajuda ao próximo. Se por um lado há aquelas pessoas pobres e humildes, que vivem com os tostões contados, mas que mesmo assim colocam uma lata de atum dentro do saco, e ainda pedem desculpa por não poderem dar mais, por outro lado temos aquelas pessoazinhas de coração grande que desafiam a própria criatividade ao evitar a todo o custo, ao bom estilo esperteza saloia, contribuir com o que quer que seja. Posto isto, tive o distinto prazer de testemunhar algumas das “pérolas”…
“Já dei ontem, já dei ontem!”
Portanto, presumo que haja uma larga quantidade de pessoas que tem como passatempo ir ao hipermercado dois dias seguidos. Compreendo a excitação! Eu também fico deslumbrado cada vez que conduzo o carrinho do supermercado pelos vários corredores! Todas aquelas luzes, aquelas cores, aquelas… coisas! Assim que saio dou por mim a pensar “tenho que cá voltar, e já amanhã! Ou ainda hoje mesmo!!!”
“Ah, eu vou só buscar uma coisa!”
Aqui eu compreendo. É importante não perturbar o raciocínio mono-sináptico destas pessoas. Devem ter passado a semana toda a concentrar-se. “No domingo vou ao hipermercado comprar… UM ANANÁS! Mas só posso pensar no ananás! Não posso olhar sequer para o lado! É melhor fazer uma lista onde escrevo dez vezes «trazer O ananás»! Só um! Apenas um! Se forem dois já fico todo baralhado! E isso não pode acontecer!”
E como tal, compreende-se que a pessoa não possa trazer um pacote de arroz para colocar no carrinho da recolha. Quer dizer, sejamos compreensivos… a pessoa agarrava no ananás com uma mão, agarrava no pacote de arroz com a outra… e depois como é que pagava? Precisaria de um terceiro braço!
“Grrrrrrrrr!!”
Hum… aqui não tenho nada a dizer. Dado que não fala canídeo. Algumas pessoas rosnam! É interessante.
- Bom dia, pode colaborar com a campanha de recolha de alimentos?
- Grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr!
- É só colocar o que puder dar. Arroz, massa, leite…
- GRRRRRRRRRRRRRRRRRR!!!!!
- Mas… desculpe, desculpe… era só… Hum…. Desculpe?
- GRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR RRRRR RRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR RRRRRRR #&@#@@###!!!
Nestes casos os veterinários municipais aconselham a não insistir e/ou perturbar as espécies endémicas transeuntes.
“Para quê? Para ficar a apodrecer num armazém? Isso é que era bom!”
Nem mais. Estas pessoas são visionárias. Mereciam um lugar de destaque como comentadores televisivos. Daqueles que nos bafejam com a sua sapiência diariamente nos canais de televisão. Porque obviamente, toda esta campanha do BA é apenas um gigantesco jogo de paródia! A malta passa meses a preparar uma gigantesca operação de recolha de alimentos, mobilizando trinta e tal mil pessoas que não têm nada melhor que fazer a um fim-de-semana do que acartar sacos, para depois colocar as três toneladas de comida num armazém daqueles muito grandes… e pronto! É só isso! O verdadeiro objectivo disto tudo é apenas encher um barracão com latas de feijão para as formigas irem degustando ao longo da estação seguinte. De onde é que vocês pensam que vem a fábula da cigarra e da formiga? Nem mais!
Abençoadas pessoas visionárias!

E posto isto, chegamos ao “Prémio IgNobel” do ano. A concorrência não teve qualquer hipótese. Até mesmo os cordatos senhores do “GRRRRRRRRRRRRRRRRRRR!!!” ficaram a anos-luz de distância. Eu guardo a vencedora deste prémio num lugarzinho especial do meu coração… chuif, chuif… desculpem este meu momento de fraqueza, pois até fico emocionado a relembrar o episódio. Foi logo à chegada, para começar bem o dia. Mal estacionamos a carrinha vem uma das voluntárias falar connosco. Conversa puxa conversa e questionamos como está a correr. “Epá, está a correr muito bem. Já temos ali uns carrinhos cheios de sacos. Elas há bocado até estavam a falar que estavam com medo por causa daquela entrevista da Isabel Jonet… eu não vi, mas dizem que ela deu um tiro no pé!” E neste momento passa junto a nós uma senhora toda finória, assim com estilo Cinha Jardim, que comenta para o ar: “Um tiro, e de que maneira… Da minha parte não leva nem um tostão!”. Ficamos assim um pouco constrangidos, mas optamos por não responder. Mas o melhor estava ainda para vir. Esta muy distinta cidadã entra no seu BMW Série 3 Coupé, cuja matrícula indicava ter menos seis meses, e arranca…
Latinha de atum… BMW Série 3 Coupé…
Trinta cêntimos versus trinta mil euros…
Esta senhora inspirou-me. De tal maneira que não resisto a fazer-lhe uma dedicatória. Assim estilo “carta aberta”, ou algo que o valha.

Prezado Estupor,
Venho pela presente apresentar-lhe os meus mais sinceros votos de que um bandalho qualquer lhe rasgue os quatro pneus do carro em simultâneo. E que nesse dia não tenha bateria no(s) seu(s) telemóvel(eis). E ainda que esteja a chover a potes. Por último, espero que quando esse dia chegar coincida com uma ida de Vexa. a um restaurante indiano, onde o cozinheiro tenha usado e abusado da condimentação, de modo a dar-lhe a caganeira da sua vida. Daquelas em que se desfaça em cocó liquefeito.
O meu amigo “astrólogo” diz que eu sou uma péssima pessoa, mau como as cobras, vingativo e isso tudo. Defeitos de ser escorpião. Mas eu acredito que tenho um coração generoso, e por isso, para juntar aos votos prévios, espero que no dia D (sendo D de diarreia) esteja a usar as suas botas Prada de cano alto, daquelas em que dá para entalar os jeans. Assim a caganeira ficará devidamente acondicionada, não lhe causando transtorno adicional.

P.S. Bardamerda para si e para a gentalha como Vexa. que devia ser proibida de respirar o mesmo ar do que eu. Mas sabe que mais? Felizmente este mundo é maioritariamente composto por pessoas melhores que Vexa., sendo isso inclusive visível no facto de algumas pessoas colocarem nos sacos com as ofertas de comida, outros artigos como fraldas de bebé, e produtos de higiene pessoal, demonstrando que entre nós há quem tenha consciência social, e perceba que mais importante do que o mediatismo de sarjeta que a nossa imprestável comunicação social tanto promove, é o objectivo final de todo este trabalho, onde se procura algo tão «irrelevante» como dar comida a quem não a tem. Num dos sacos houve inclusive quem tenha colocado uma caixa de bombons. Estes gestos são bonitos, e é desta massa que é feita a maioria dos cidadãos Lusos.
Para terminar, enquanto Vexa. andava a passear a sua cloaca nos seus estofos finórios, isto foi o que nós fizemos:


FELIZ NATAL!