quinta-feira, 7 de março de 2013

A Odisseia de Bruno Nogueira e Gonçalo Waddington

"Nunca te esqueças de mim..."


“Odisseia”, assim se chama o novo programa que a RTP apresenta com Bruno Nogueira e Gonçalo Waddington como “cabeças de cartaz”. Inicialmente nem lhe prestei qualquer atenção – confesso que os “programas de humor” da televisão Portuguesa são na maior parte das vezes uma ode à estupidez sem talento – mas depois de uma amiga mo ter sugerido decidi dar uma espreitadela. Em boa hora o fiz. O programa é um trabalho magnífico que mistura dramatismo, comédia, e o absurdo total e inexplicável, aliado a muito talento.
A história de “Odisseia” desenrola-se em redor da viagem de dois amigos “por esse Portugal profundo”. Ou nem tanto, dado que até agora ainda não saíram do Alentejo. A viagem é despoletada por uma tentativa de suicídio de Bruno. Daí para a frente é acompanhar, episódio a episódio, um sem-fim de acontecimentos que nos brincam com as emoções. Pois “Odisseia” não é só comédia. É também dramatismo, misturado subtilmente com doses generosas de cultura. E falo de cultura séria e inteligente, e não de porcaria pop mastiga-deita-fora.
Comecei a ver a série no 6º episódio, onde os amigos descobrem, algures perdidos no Alentejo, um grupo de “totós espirituais” que têm como guru António Variações. A forma perfeitamente inteligente como satirizam as seitas, e os seus gurus é de ir às lágrimas. Imaginem António Variações a citar as letras das suas canções, com ar sério, pois está a partilhar uma mensagem espiritual, enquanto despeja um frasco de laca no cabelo dos discípulos. É de ir às lágrimas!
Não tardei muito a ir a correr à página da RTP para ver todos os outros episódios. Curiosamente, o primeiro episódio, que costuma ser o piloto, e aquele revestido de maior importância pois é o que tem a responsabilidade de agarrar o público, é o pior de todos. Quem não faz ideia ao que vai, vê aquilo e não fica com muita vontade de continuar a acompanhar a série. É importante para “entrar na cabeça das personagens”, mas parece-me um sério risco para o lançamento de uma série que tem na comédia o seu ponto central. Mas rapidamente a coisa muda de figura, e a história começa a entranhar-se. As peripécias são divinas. E aqui há que destacar o papel de Nuno Lopes. O tipo é brilhante. Bruno Nogueira e Gonçalo Waddington fazem uma dupla muito boa, mas a partir do momento em que Nuno Lopes entra em cena… esqueçam tudo o resto! É um actor fabuloso. No 7º episódio, quando decide entrar na personagem de um gorila… é de chorar por mais.
A série vive muito do “nonsense” ao estilo Monty Python, embora por vezes haja partes demasiado más. Talvez um dos atractivos seja mesmo esse, a alternância entre o absolutamente mau e o extraordinariamente genial. Mas convém salientar que não é só dos “três estarolas” que a série vive. Há muito mais. Como a participação fabulosa de Miguel Borges no papel de Oráculo (para quem não reconhece o nome, é o tipo rouco dos anúncios da Vodafone), ou as participações especiais de muitos outros actores em alguns episódios.
Inclusive a nível técnico esta Odisseia é surpreendentemente boa, desde a soberba realização de Tiago Guedes, à fotografia, produção, etc. É muito bom ver tanto talento reunido para criar algo de tanta qualidade em Portugal. Até as cenas em “stop motion” são fenomenalmente conseguidas, como a própria Sequência de Introdução de cada episódio, e onde – para os mais atentos – toda a série é mostrada.
A única coisa que merece nota absolutamente negativa é a total inabilidade da RTP em promover a própria série. Tem passado quase despercebida. Das duas, uma: ou o “departamento de marketing” está a dormir, ou então quem decide no interior da RTP nem tem capacidade para perceber a qualidade do produto que tem entre mãos. São tão eficazes a promover os concursozinhos e os programinhas de variedades constrangedores, e depois não sabem dar visibilidade à galinha dos ovos de ouro. Mas enfim, fica essa falha colmatada por este artigo, dado que este blogue é visto diariamente por 7 milhões de pessoas em todo o mundo.
Criatividade, boa capacidade de escrita, excelentes profissionais, o talento de saber aproveitar uma ideia sem necessariamente ter de recorrer a elevados recursos e meios de produção e afins. É isto que se anda a fazer em Portugal, onde infelizmente se prefere dar destaque aos reality shows de/para gente acéfala, e aos infindáveis programas sobre futebol com “comentadores altamente especializados que têm muita coisa irrelevante para dizer”. Há muitos anos que uma série “made in Portugal” não me agarrava desta forma, deixando-me salivante para que chegue Sábado às 21h00.
Obrigado Bruno. Obrigado Gonçalo. Obrigado Tiago. E que venha rapidamente a “Odisseia 2”.
Os episódios podem ser vistos em: http://www.rtp.pt/play/p1039/odisseia