segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A Gata Telma e os Telminhos (2)

Ora bem, ainda estão todos recordados da prodigiosa Gata Telma? Aquela rafeira vagabunda tresmalhada sem-vergonha que me aparece em casa a pedir comida?
 
E recordam-se de há pouco mais de 2 meses ter falado dos 2 Telminhos que ela – estupor parasita – trouxe atrás para me cravar ainda mais comida?
Pois bem, eu já andava há uns tempos a notar que a barrigona da nossa amiga vadia estava cada vez maior. Ora, não sendo ela accionista da EDP nem da GALP, era óbvio que só podia haver mais uma razão para a engorda.
Ei-la!
 
Sim, sim, fresquinho(a) e acabadinho(a) de apanhar este fim-de-semana. Nem pensem em baptizá-lo(a) de Merkel, senão sou eu próprio quem vos esgatanha o focinho!
E se pensam que “é só mais um, ou dois”… façam lá bem as contas!
 
Cinco, contei eu na única altura em que apanhei a safardana fora do “ninho”. Um clone da nossa amiga (na foto acima), um tigre amarelo, um branco com pintas castanhas, um clone do “Telminho Preto-e-Branco”, e outro todo preto. Este estupor é pior que os Ucranianos! Traz logo meia-dúzia atrás! E continua sem me pagar renda!

Posto isto, estão abertas as submissões de propostas de nomes para este bando de “okupas” que me decidiu invadir a propriedade. Será que posso processar o Estado por isto? Lançar uma petição na Net, a reclamar… qualquer coisa, assim tipo um RSI felino, com direito a abono por serem uma família numerosa? Humm, ainda acabo a ganhar uns trocos à conta disto…

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A Gaiola Dourada


Hum? Então o gajo que só vê filmes de robots e dragões vem aqui falar de um drama/comédia luso-francês? O que é que há de errado com este filme? Ora, respondendo à letra: rien de rien!
Declaração de interesses #1: Eu não gosto de cinema Português. Já tentei ver dezenas de filmes, mas raros foram aqueles em que consegui passar dos 20 minutos. Acho-os parados, cinzentos, amorfos, desprovidos que qualquer interesse, com actores muito fracos, e uma produção paupérrima. Haverá, porventura, excepções, mas estou em crer que serão somente aquelas que confirmam a regra.
Declaração de interesses #2: Eu não gosto da Rita Blanco. Bem sei que é uma das artistas mais elogiadas em Portugal, mas sempre a vi no papel de sonsinha-enjoada que não passa daquilo.
Feitas estas duas declarações, o filme é soberbo, e a Rita Blanco é magistral. Que tal para começo de conversa?
Quando o filme foi anunciado, ignorei-o por completo. Uma comédia Portuguesa sobre emigrantes em França…? Ah, oui, oui, guardem-me o lugar na sala de cinema que – como cantam os Deolinda – vão sem mim, que eu vou lá ter! Só lhe comecei a dar atenção quando nas notícias começou a “empolar”. 450.000 espectadores. E, por mero acaso, vejo o trailer na televisão. E penso: será que…?
Pois bem, lá acabo por resolver ir ao cinema. Na primeira meia-hora não podia ter uma reacção mais negativa! Ah… então basicamente é um filme onde a cada 2 minutos as pessoas se riem porque alguém diz merda ou caralho… Começo a perceber o porquê de tanto sucesso. Mas aos poucos o filme vai-se desenrolando, e a atenção do espectador começa a ficar sequestrada. Na realidade, isto é um drama de uma intensidade tremenda disfarçado de comédia. Tem momentos hilariantes, sem dúvida (quando os gémeos decidem falar Português!), mas é o pano de fundo que lentamente vai surgindo. O argumento é de uma sagacidade luminosa. Simples, mas de uma consistência bela, e tão Humana que arrepia. Ruben Alves, 33 anos, luso-descendente, primeira longa-metragem da sua carreira, deixou-me rendido. Se é certo que ter toda a cavalaria pesada da produção Francesa atrás de si é meio-caminho andado, não é menos certo que a impressão digital do autor é o que sobressai nesta obra de excelência. A atenção ao detalhe é uma delícia. As personagens são ímpares. A porteira Portuguesa e o trolha que é fã do Benfica. O bacalhau. A fotografia dos três pastorinhos (quase imperceptível). A inteligência de conseguir satirizar os usos e costumes tão Portugueses, que fazem deste um dos povos mais genuínos e Humanos do mundo. É tudo comovente. Como é que por detrás dos merda! e dos foda-se! se consegue cinzelar um hino ao ser Português, tão tocante, tão arrepiante, tão sentido. Engana-se redondamente quem julga que isto é uma comédia. Isto, ó gente da minha terra, é um trabalho de amor à matriz Portuguesa. É o carinho profundo de quem sabe rir de si próprio, da sua inocência, dos seus infindáveis defeitos, somente superados pela sua inesgotável paixão, por um coração que deu novos mundos ao mundo. É a ternura profunda de um rapaz, que não tendo nascido em Portugal, trabalhou numa obra-prima para dedicar aos seus pais, e às suas raízes.
Tantas vezes me tenho lamentado aqui no blogue pela pasmaceira em que o cinema se afundou. Estava bem longe de pensar que seria um filme semi-Português a fazer-me renascer a devoção ao cinema. Muita gente estúpida vai achar que gosta do filme porque “é uma cena a gozar com os parolos dos emigrantes”, mas o mundo está cheio de gente estúpida, e nada há que possamos fazer, a não ser ignorá-los. Esta é uma das obras que mais reflecte sobre o que é este povo, numa introspecção fortíssima que começa por levar a coisa na brincadeira, e aos poucos vai relevando as várias camadas da cebola, prendendo o inocente espectador ao ecrã, apaixonando-se loucamente pelas personagens, querendo fazer parte desta família – sem se perceber que, na realidade, faz mais parte dela do que julga. Rita Blanco e Joaquim de Almeida têm ambos prestações magníficas, num diálogo perfeito que quase salta para fora da tela.
A música está nas mãos de Rodrigo Leão, um daqueles prodígios que a música Portuguesa possui. É difícil “sentir” a música ao longo do filme, pois há muitas músicas tradicionais Portuguesas que passam, intercalando com as peças originais do compositor. É preciso ver o filme uma segunda vez para se conseguir apurar. Mas enfim, é Rodrigo Leão, e portanto não deve oferecer muitas dúvidas quanto à qualidade. Não nos esqueçamos que este senhor, ao lado do “Adamastor” de nome Pedro Ayres de Magalhães, era um dos motores dos Madredeus.
Guarda-se o melhor para o fim, não é verdade? Falemos então da sequência que tem um fado cantado numa casa de fados. É o clímax do filme. É o momento em que cedemos, colapsamos, esquecemos a comédia, esquecemos o cinema, esquecemos tudo. É um dos fados mais poderosos do repertório de Portugal. Filmado com a garra que só deveria existir naqueles realizadores já com longa carreira feita, e discursos de agradecimento nos Óscares. Foram buscar a Catarina Wallenstein para interpretar a fadista. Já dela sentia que era uma das grandes actrizes que temos no país, e não me espantei quando toda a cena se desenrolou com uma perfeição irrepreensível. Mas agora acabo de ver o José Alberto Carvalho a entrevistar o Ruben Alves, onde este revela que a cena é gravada ao vivo, com a Catarina a “cantar de verdade”. Com licença. Permitam que me retire, pois creio que falhei uns quantos batimentos cardíacos… Estou de rastos.
Depois de hora e meia de êxtase, mergulhado neste tão tresloucado e imbecil orgulho estúpido de ser Português, que pouca gente no mundo consegue explicar, com a voz trémula e o rosto lavado em lágrimas, só me ocorre dedicar a Ruben Alves esta tão Portuguesa palavra: obrigado.

Pelo Melhor:
Catarina Wallenstein. São 4 minutos que nem Scorsese ou Copolla me conseguiram alguma vez dar.

Pelo Pior:

Rien de rien.


terça-feira, 3 de setembro de 2013

“Um Dia de Cólera”, de Arturo Pérez-Reverte


- Fogo! – ordena Daoiz, e todos se afastam.
É Goméz Mosquera quem aplica o bota-fogo fumegante. Com uma sacudidela violenta de retrocesso, o canhão envia a sua descarga de pedras de fuzil transformadas em metralha aos franceses agrupados a cinquenta passos. Aliviado, Daoiz vê como o grupo inimigo se desfaz: alguns soldados caem e outros correm, libertando aquele local da rua. Da cerca e varandas próximas, os atiradores aplaudem os artilheiros. Ramona García Sanchéz, depois de limpar o nariz com as costas da mão, lança, com muito garbo, um piropo ao capitão.
- Vivam os senhores oficiais bonitos, mesmo que sejam baixinhos. E viva a mãe que os pariu.

Eu odeio Espanhóis. E odeio particularmente um Espanhol: Arturo Pérez-Reverte. A razão é simples: nasceu no lado errado da fronteira. Tivesse nascido em Portugal e seria o melhor escritor do mundo. Assim, é apenas um Espanhol... que figura entre os meus 3 escritores de eleição. Ah, mas como odeio este gajo! Ao ponto de já ter lido 4 livros dele (antes deste), “A Tábua de Flandres”, “O Cemitério dos Barcos Sem Nome”, “O Clube Dumas”, “O Mestre de Esgrima”, e colocar os dois primeiros na minha lista de 50 livros imprescindíveis.
Falemos então deste quinto livro na minha contabilidade pessoal. Um Dia de Cólera é o livro mais difícil de abordar de Pérez-Reverte. Não se trata de ficção, não se trata de romance, não se trata de um documentário. Trata-se de literatura ao mais alto nível, o que é habitual em Pérez-Reverte. Temos que começar pela disciplina mais fascinante de todas: a História.
Nem que seja vagamente, toda a gente tem noção das campanhas de Napoleão e do seu exército Francês no início do século XIX. A acção do livro decorre em Madrid, uma das várias cidades Europeias ocupadas pelos Franceses, e cujo autoritarismo tem vindo a fazer crescer o sentimento de revolta entre a população. No dia 2 de Maio de 1808 “a tampa saltou”, e os Madrilenos revoltaram-se contra os invasores.
O livro não é um mero ensaio de ficção histórica. Não acompanha o dia-a-dia de uma ou outra personagem. Em vez disso, Pérez-Reverte fez um trabalho colossal para conseguir ficcionar todos os relatos históricos que dão conta do sucedido nesse dia de cólera. (Esta é a parte antipática do livro. Onde é que já se viu uma obra onde os Espanhóis são os bons da fita??!?) É difícil acompanhar o livro, pois ele alterna entre o relato pessoal de algumas personagens-chave, e o relato histórico do que aconteceu com centenas de intervenientes. E são mesmo centenas, e o escritor faz questão de os referir a todos pelo nome, profissão, origem, e sempre que possível relatar como morreram, ou como viveram. É um trabalho histórico notável. Uma homenagem extraordinária aos homens e mulheres do povo que se sublevaram contra os agressores. E esta história trata mesmo de homens e mulheres do povo, pois foram eles – como quase sempre acontece – que ousaram dizer não! Os nobres, ricos, e mesmo as cúpulas da Igreja, sempre conviveram bem com invasores ao longo da História, desde que nada lhes faltasse. O que interessa o sofrimento dos indigentes?
É curioso ver o quão meticuloso Pérez-Reverte é, em particular, com as mulheres que participaram na rebelião. E se são muitas! Esta não é uma história de soldados de dois exércitos aos tiros entre si. Antes, é a história dos sapateiros, serralheiros, carpinteiros e comerciantes que se lançaram em nome da pátria contra o Golias que os espezinhava, e das mulheres que arriscaram – e perderam! – as vidas ao lado dos seus maridos, disparando contra os Franceses, curando dos feridos, ou simplesmente ajudando a esconder os refugiados. É um relato frenético que dura 24 horas, no meio de tiros de fuzis, cartuchos mordidos, baionetas ensanguentadas, e salvas de canhão. Poucos filmes conseguem dar uma sensação tão real do que terá acontecido neste fatídico dia. Pérez-Reverte é genial.
No centro da narrativa estão os dois capitães “rebeldes”, Pedro Velarde e Luís Daoiz. Não comandaram exércitos, não tiveram reforços, não prepararam uma ofensiva. Limitaram-se a estar do lado certo da História: o lado de quem luta pelo que é seu. (Esperem lá… eu estou mesmo a falar de Espanhóis?!?! Que se passa comigo?) Ao lado de Velarde e Daoiz estão centenas de populares desorientados, revoltados, alguns que trazem as suas próprias armas, e que querem correr com os gabachos. É o caso do serralheiro Blas Molina, figura que ficará para a História, ao lado de incontáveis anónimos que o Tempo se encarregou de esquecer.
A vividez da escrita é avassaladora. Pérez-Reverte É avassalador a escrever. Percorremos as ruas de Madrid, os seus jardins, a Puerta del Sol, e estamos na ombreira de cada porta a ver as movimentações de ambos os lados. Vemos as mulheres à varanda, que atiram vasos à cabeça dos Franceses quando estes passam. Vemos a freira na janela do convento a incitar à rebelião. Vimos os rapazes de 12 anos a morrerem com uma salva de metralha. E vimos o sangue coagulado que ensopa as ruas da capital. Não é um livro fácil de ler, mas é um guião magistral para um documentário.
Um pormenor: o livro vem acompanhado de um mapa de Madrid da altura. Portanto, torna a experiência de acompanhar o que se passa ao longo da cidade ainda mais envolvente.
Os dois capítulos finais são um murro no estômago, à medida que vemos os insurrectos a tombar, e as tropas de Napoleão a reassumir o controlo das ruas. Lamento pelo “spoiler”, mas… estamos a falar de factos Históricos, portanto não é propriamente o segredo mais bem guardado do mundo. Testemunhar o silenciar dos tiros, contabilizar os mortos, e acompanhar a repressão violenta dos Franceses deixa-nos deprimidos. No fim de um livro queremos sempre que os bons ganhem. Mesmo que sejam Espanhóis. E sentir a “aura negra” a baixar à medida que o livro caminha para o fim… é um desalento.
Eu quero ter um escritor assim a falar da História do meu país. Pérez-Reverte é tão grande que tem, inclusive, a sagacidade de assumir uma postura imparcial. Não é um relato a preto-e-branco de estes são os bons, e aqueles são os maus. De ambos os lados há heróis e vilões. De ambos os lados há homens de coragem, e cobardes cujo nome não merece ter entrado para a História. Este livro é a dádiva de Pérez-Reverte ao seu país. Os Espanhóis deviam beijar o chão que este homem pisa. Que tributo magnífico aos pobres chisperos e manolos que se ergueram contra os opressores.

A 2 de Maio de 1808 os referidos heróis Daoiz e Velarde adquiriram a glória que imortalizará os seus nomes e que deu tanta honra às suas famílias e a toda a nação.

Há inúmeros episódios memoráveis no livro, como o da mulher que morre com uma bala no pescoço quando leva um garrafão de vinho aos soldados. Como refere uma crítica do El País, citada na lombada: O leitor fica com a sensação de estar envolvido na confusão de fumo, pólvora e espanto que foi o 2 de Maio. Até parece prudente baixarmo-nos.
Como odeio este Espanhol…

Um Dia de Cólera, Arturo Pérez-Reverte, ASA, 2008

Página do autor: http://www.perezreverte.com/