segunda-feira, 25 de agosto de 2014

“Um Estudo em Vermelho”, de Arthur Conan Doyle



John Ferrier esperava receber alguma mensagem ou admoestação da parte de Young quanto à sua conduta; e realmente recebeu-a, mas de modo imprevisto. Ao levantar-se na manhã seguinte, encontrou, com grande surpresa, um pequeno rectângulo de papel preso por um alfinete nas cobertas da sua cama, exactamente à altura do peito. Em letras de imprensa, grandes e tortas, podia ler-se:
«Restam vinte e nove dias para que te emendes, antes de…»

Uma palavra, em alemão, escrita com sangue numa parede parece ser a principal pista que o consulting detective Holmes tem para se guiar na procura do responsável por um assassinato atroz.
Um Estudo em Vermelho foi o primeiro livro que Arthur Conan Doyle escreveu sobre as aventuras daquele que viria a tornar-se o mais famoso detective de todos os tempos. É neste livro que Holmes e Watson se conhecem e iniciam a sua longa amizade e colaboração.
O detective é-nos apresentado pelos olhos do Dr. Watson como uma pessoa deveras estranha. Obcecada e ao mesmo tempo fascinante. Há uma ligeira incoerência no texto, uma vez que Watson refere-se a Sherlock como alguém sem conhecimentos de Grande Literatura, e algumas páginas à frente deparamo-nos com Sherlock a falar de Edgar Allan Poe. Não se pode dizer que seja propriamente “literatura de cordel”, mas admito que na época, e contexto, em que o livro foi escrito (1887) eu possa estar equivocado na minha leitura (provavelmente explica-se pelo interesse de Holmes em jornais de crime).
Certo é que Sherlock Holmes nos fascina desde o momento em que surge. O génio meio louco que recorre ao seu método dedutivo para juntar as peças do puzzle que escapam aos detectives banais.
Achei bastante curioso verificar que a história deste livro é quase igual à d’O Vale do Terror, do qual falei aqui há precisamente um ano (link), e que corresponde ao último livro de Sherlock. Em ambos, a chave para desvendar o crime reside numa sociedade secreta opressiva, localizada décadas antes na América. Se no outro livro as referências à Maçonaria eram subtis, neste quem arca com o papel de vilão são os Mórmones. De resto, toda a história é muito semelhante.
Não se pode dizer que seja um livro emocionante. É importante para os fãs da personagem, pois é onde tudo começa, e onde se estabelecem as premissas que deram vida à lenda. Mas, com apenas 175 páginas (edição de bolso da colecção 1117), a história acaba pouco depois de começar. Praticamente são-nos apresentadas as duas personagens principais, é descrito o cenário do crime, Holmes desvenda-o quase de imediato, e depois boa parte da acção situa-se no passado, nas raízes que levaram ao trágico desfecho.
Poderá ser uma leitura ligeira para quem não goste muito de livros complexos e “pesados”, mas para leitores mais exigentes não se pode dizer que seja obra que fique na memória.  É, no entanto, uma leitura agradável, bastante acessível, que serve de excelente companhia numa tarde de Verão (ou num dia de chuva e nevoeiro, dependendo dos gostos de cada um).

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Guardiões da Galáxia




Queria começar este artigo como uma frase que dissesse “Este filme é fabuloso! Corram a ir vê-lo!”. Já por aqui comentei que a Marvel Studios se está a tornar no maior gigante do entretenimento cinematográfico de qualidade. Portanto, voltem lá à primeira frase deste parágrafo, e sigam o conselho do mestre!
Quando há cerca de um ano surgiu o trailer deste Guardiões da Galáxia, a minha primeira reacção foi “Ooook, lá vem asneira da grossa!” Apesar de ter consumido doses industriais de comics quando era puto, nunca tinha ouvido falar destes tipos. O facto de o trailer estar povoado por criaturas multicoloridas, um guaxinim falante, e uma árvore andante, no meio de uma data de naves espaciais cheirou-me a “uma qualquer parvoíce do género Transformers, mas ainda pior”. Ainda bem que estava errado. É raro tal acontecer, mas – alas! – até THE PSY é falível.
Este filme marca definitivamente a entrada da Marvel no património intergaláctico das suas histórias. Apesar de “as estrelas da companhia” serem o Homem-Aranha, o Capitão América, os X-Men, e por aí fora, a cosmogonia da Marvel é imensa, e a maioria das suas grandes histórias dos tempos áureos está precisamente associada a esse inesgotável património.
O aparecimento da personagem Thanos na cena final de “Vingadores” já fazia antever este passo, mas uma coisa é ter a intenção, outra é concretizá-la com qualidade. E tendo em conta boa parte das “experimentações” com a overdose de ficção-científica medíocre que tem chegado ao cinema, havia todas as razões para temer o pior. Mas quem está à frente do projecto cinematográfico da Marvel é mesmo muito bom, tem o calendário muito bem estabelecido, e os filmes de qualidade sucedem-se uns aos outros.
Comecemos pela realização, que ficou entregue a James Gunn. A quem? Sim, essa também foi uma das minhas perguntas. Alguém já ouviu falar deste gajo? Nem por isso… Bom, agora é certo que não me esqueço do nome. A realização é magistral. O filme é space opera ao bom estilo de Star Wars, filmado claramente para favorecer o 3D (não, descansem, eu não fui ver o filme em 3D!), e descaradamente inspirado em J. J. Abrams. Os planos, as cores, os próprios lens flares que são a trademark de Abrams estão presentes em cada frame. E o resultado final é magnífico. O próprio J. J. Abrams que se ponha em sentido, e se esmere em 2015 com o Episódio VII da saga Star Wars, porque aqui tem concorrência à altura.
Depois temos o protagonista, Chris Pratt. Outra vez: quem? Alguém já ouviu falar deste gajo? Eu só sei que ele existe porque há dois meses vi o “Her” (parem tudo o que estão a fazer e vão vê-lo, porque é outra coisa fantabulástica). Entregar o protagonismo de um filme destes a um tipo semidesconhecido não é um risco demasiado grande? Não. Não, porque – como já referi – a equipa por detrás do projecto cinematográfico da Marvel é muito boa, e sabe muito bem o que está a fazer. Pratt adequa-se na perfeição à personagem, uma espécie de pateta bonacheirão que aparenta andar sempre aos papéis por todo o lado onde passa. É o anti-herói perfeito, muito diferente dos heróicos Capitão América e Thor, ou do cool Homem-de-Ferro.
Entenda-se que este Guardiões da Galáxia é um filme de super-heróis com comédia para adultos. Isto não é uma coisa para crianças. Aqui as personagens são bardajonas, usam piadas impróprias e fazem gestos obscenos. Todo o filme é pontuado por um extraordinário nonsense, que escapará a muitos dos espectadores que levam estes filmes demasiado a sério. Isto é entretenimento, de elevadíssima qualidade, com um argumento bastante sólido. E é divertido, com humor inteligente, sem aquelas “piadinhas fáceis para idiota perceber”. Há um diálogo brilhante em redor de um thesaurus, e referências à pintura de Pollock! Isto não é habitual num filme de super-heróis. Muitos dos diálogos são inesperadamente longos, desafiando tudo o que à edição de um filme diz respeito para quem segue as regras by the book. E isso contribui para aumentar o nonsense brilhante do filme.
Em termos musicais, os créditos ficam nas mãos do já veterano Tyler Bates, essencialmente conhecido pela sua colaboração com Zack Snyder (de onde resultou aquele que é provavelmente o seu melhor trabalho: “300”). No entanto, a banda sonora original passa em grande parte “ao lado”, dado o enfoque no Awesome Mix Volume 1 (há que ver o filme…). Muito semelhante ao que Snyder já tinha feito em “Watchmen”, aqui existe o domínio de músicas de sucesso antigas, que dão uma dinâmica interessante à maioria das cenas. Tenho sérias dúvidas que alguém saia da sala de cinema sem ser a cantar algo próximo de “ooga-chaka, ooga-chaka, ooga-ooga” (link).
Feitas as contas, são duas horas de space opera ao mais alto nível, que demonstram para quem ainda tinha dúvidas que a Marvel percebeu que o seu futuro não estava na 9ª, mas sim na 7ª Arte. A qualidade visual é irrepreensível, o filme é sólido apesar dos muitos clichés, Rocket (o guaxinim) é divertido sem ser excessivo, e há inclusive grandes momentos cinematográficos. É possível fazer uma comédia espacial para adultos!
Ser geek é definitivamente sexy!

Pelo Melhor
Tudo, e tudo, e tudo! Argumento com pés e cabeça, realização de nível, diversão, comédia, nonsense, nostalgia musical, parvoíce em doses galácticas, alguma lamechice que não deixa de ter piada, e humor inteligente num filme de super-heróis. A Marvel voltou a conquistar-me 20 e tal anos depois. No mesmo ano, consegue apresentar um fabuloso “Capitão América – O Soldado do Inverno”, tratando de temas sérios num filme sério, e um magnífico “Guardiões da Galáxia” que é uma espécie de Star Wars meets Monty Python.

Pelo Pior
Pelo quantas?