segunda-feira, 25 de maio de 2015

Mad Max – Estrada da Fúria




Em 1979 o Mastermind George Miller inaugurava uma das séries mais desconcertantes da História do Cinema. Mad Max foi um hino aterrador a uma sociedade pós-apocalíptica imersa numa violência nunca antes vista no grande ecrã. Gasolina, sangue, e uma ausência absoluta de moral deram uma nova dimensão à expressão “a ferro e fogo”. Trinta anos mais tarde, será que a fórmula ainda resulta?
Jazus! Resulta, e de que maneira…
 Quando vi o trailer deste 4º filme da saga, o meu coração engrenou a 5ª e acelerou a fundo. Mad Max é uma das minhas “coisas sagradas” desde que vi os filmes originais pela primeira vez, devia ter uns 12 ou 13 anos. Fiquei fascinado. É estranho um miúdo ver algo tão fora do normal e não se tornar um psicopata. Aquilo era a negação de tudo o que o mundo normal possuía. Não havia heróis, não havia regras, não havia sociedade. O ambiente bárbaro e selvagem de Mad Max só tinha paralelo na banda desenhada de Savage Sword of Conan – outra das minhas “coisas sagradas”. Portanto, escusado será dizer que as minhas expectativas para este filme ultrapassavam largamente os limites do razoável. Creio que é a primeira vez que coloco a fasquia tão alta e não me desiludo.
Sempre que falo de cinema digo que é preciso analisar cada filme consoante o objectivo a que este se propõe. Quem entra numa sala de cinema para ver Mad Max vai à espera de ver um ensaio visual carregado de supercarros, homens loucos e violentos, e uma distopia absoluta em relação ao mundo em que queremos viver. Este filme não desilude num único grão de areia. Mad Max – Estrada da Fúria é um dos 10 melhores filmes de acção de todos os tempos.
Aqui não queremos história, não queremos grandes diálogos, dispensamos melodramas. Não queremos filosofias, conjecturas, ideologias. Queremos pólvora, sangue, adrenalina, e todas as coisas tóxicas e não recomendadas a cardíacos. Almejamos aquela beleza decadente de um apocalipse. E a parte mastermind de George Miller é que nos consegue dar tudo isso, e ainda fazer um filme com mais sociologia, filosofia e visão do que todos os outros que carregam essa pretensão.
A realização é de sonho. É quase impossível dissociar realização, montagem e fotografia neste filme. Tudo faz parte do mesmo motor bem oleado. Cada frame do filme é uma lição de bom cinema. A isto junta-se uma direcção artística que cria imagens inesquecíveis, de personagens vestidas e maquilhadas no estilo único da saga, com uma linguagem própria, e com carros que transcendem o conceito de criatividade. São 120 minutos das coisas mais belas que o Cinema consegue pensar. Se no Avatar de James Cameron temos a beleza da fauna, da flora, e da esperança no futuro, aqui temos a antítese. Isto é areia, com óleo, granadas, trapos velhos, sucata, mas filmado e produzido com uma sedução inexplicável. É difícil fazer um filme de duas horas onde a única coisa que se passa é uma perseguição ao ritmo da nitroglicerina, e que nunca aborrece.
E para tornar o que já é excelente em perfeito, junte-se a isto uma banda sonora magistral criada por Tom Holkenborg aka Junkie XL. Não sei o que dá a fusão de Verdi com rock, mas certamente passei duas horas a ouvi-lo. É preciso muito arrojo para querer colocar quase duas horas de música num filme tão intenso, mas, tal como diz no cartaz: MASTERMIND George Miller. A música rock-operática-frenética é o clímax orgástico que transporta o filme para a transcendência. Carros a explodir, loucos a voar, violência absoluta, tudo ao som de Heavy Metal fusionado com Rock electro-sinfónico… Caramba, já nem sei o que estou a escrever! Este Mad Max é mesmo assim. Tem um efeito alucinogénio em qualquer pessoa.
Vale a pena falar dos actores só para enaltecer o trabalho fabuloso de Nicholas Hoult, o war boy que é a surpresa do filme. Interpreta uma personagem que encarna toda a loucura inexplicável da história. E é de longe a personagem de todo o filme com quem sentimos maior empatia. Os veteranos Charlize Theron e Tom Hardy cumprem bem os seus papéis, com Charlize a dar vida a uma intensa Imperator Furiosa, que carrega aos ombros toda a dinâmica da história (e faz-me perguntar se o filme em vez de se chamar Mad Max não deveria chamar-se Mad Furiosa, tal é a dimensão da personagem no filme), e Tom Hardy a reinterpretar o anti-herói que surge agora com mais de “Mad” do que de “Max”. Julgo, no entanto, ser justo dizer que, apesar de Hardy estar muito bem no papel, fica a anos-luz de Mel Gibson. Até tenho pena que não tenham agarrado na história de modo a que Hardy fosse um “Max Júnior”, contracenando com o “Max Sénior”. Mas Hardy está livre de culpas, dado que o filme não está escrito para a sua personagem, e ele apenas carregou o nome do protagonista. Mais do que em qualquer um dos outros filmes da saga, aqui vemos o Max solitário, que não cria raízes, e que se mantém sempre em movimento. Sem laços, sem ambições, sem remorsos.
Passaram-se trinta anos, e o fenómeno aí está novamente na ribalta. A ligação com os filmes anteriores é subtil, e muito bem feita (os relances das criancinhas que Max – aparentemente – não conseguiu salvar, o V8, a caixa de música). E este é outro dos pontos fortíssimos do filme: não há cá perdas de tempo a explicar o que se passa, ou o que se passou. É assim, e ponto final. Não há cá cenas mortas a contar a história toda da carochinha, tudo muito mastigado, para que todos os idiotas percebam. Tudo é introduzido na história sem qualquer explicação, ou justificação. É assim, e interpretem como quiserem. Isto é Arte, meus amigos. Tanta gente em Hollywood que tem tanto a aprender com este filme.
Por fim, o toque de génio ao conseguir satirizar/criticar o mundo actual, de uma forma tão velada que muita gente acaba a ser ridicularizada no filme sem sequer se aperceber de que o está a ser. É o caso dos momentos “observa-me”, dirigidos aos asnos que cultivam a sua própria imagem nas redes sociais e restante mundo digital. É o caso dos imbecis que, incapazes de pensar, praticam o culto do líder, que se aproveita da falta de inteligência e cultura dos que o rodeiam para ascender ao lugar de “querido líder”. E devo dizer, com uma gargalhada de profundo e rotundo desprezo, que acho divino o facto de haver tanta gente a dizer mal do filme por ser “demasiado feminista”. Por favor, parem! Já não aguento de tanto rir. Um dos males da Democracia é dar espaço para que tanta gente estúpida expresse a sua opinião.
Mad Max – Estrada da Fúria é um dos maiores colossos cinematográficos da década. A quantidade de mensagens que o filme bombardeia aos espectadores é impensável para um filme de acção. Nem os filmes de Neil Blomkamp conseguem ter tanto sumo. E tudo isto no meio de uma tempestade de explosões, aço retorcido, e cabeças a voar. Como é que é possível ocultar tanta consciência num filme que, contas feitas, é “apenas” uma corrida de carros a explodir no meio do deserto.
O miúdo de 12 ou 13 anos só consegue sorrir, cheio de adrenalina, e gritar emocionado: Oh, what a day! What a lovely day!

Pelo Melhor
A criatividade aliada ao saber fazer. Há ideias muito boas, mas que na prática não são bem executadas, e há gente com talento que não tem o toque da criatividade. Mad Max junta o Bom ao Excelente. É um produto único, sem qualquer coisa que se lhe assemelhe, e executado com toda a perfeição. Realização, Música, Fotografia, Montagem, Efeitos Especiais, Direcção Artística, Guarda-Roupa, Maquilhagem, Interpretação, Argumento. Tudo em absoluta harmonia. É um carro de alta competição afinado até à perfeição.


Pelo Pior
LOL. Vá lá, depois de tudo o que acabaram de ler acham mesmo que há alguma coisa a escrever neste espaço? Bom, como eu também sou um MASTERMIND, até consigo arranjar algo, não “Pelo Pior”, mas “Pelo Menos Excelente”.
SPOILER ALERT: Olhando com atenção para o filme, este termina exactamente onde começa: na Cidadela. Ao longo do filme vemos que a Imperator Furiosa é uma mulher inteligente, grande guerreira, e cheia de recursos. Ora, se no final ela é aclamada por ter o cadáver de Immortan Joe aos pés (com isso despertando a rebelião) … não teria sido mais simples matá-lo e assumir desde logo o controlo da Cidadela?
Pois, mas assim não haveria razão para as duas horas de perseguição cheias de adrenalina. ;)

E porque sou mesmo boa pessoa… tomem lá um bónus:


segunda-feira, 11 de maio de 2015

Capitão Falcão




Saudações patrióticas! Esta é a segunda vez em dois anos que falo de cinema Português. Tendo em conta que nas anteriores três décadas nunca havia visto (no cinema, pelo menos) qualquer filme na mais nobre língua da Humanidade, sinto-me a transbordar de patriotismo. Mas, importa perguntar: terei eu gostado tanto de "Capitão Falcão" como gostei de "A Gaiola Dourada"?
Há já uns dois anos que ando a "ouvir coisas" deste projecto. É o que dá viver em Portugal, esta imensa aldeia onde há sempre alguém que é amigo do amigo de um amigo do realizador do filme. Inicialmente até nem estava muito atento à coisa, mas quando há cerca de um ano vi o primeiro trailer... Opá, é difícil resistir a um super-herói Português, com bigode (obviamente), a desancar em comunistas vestidos de fato-macaco armados com foices e martelos!
Pois bem, Capitão Falcão é uma delícia! Um daqueles "prazeres culpados" (este é um texto patriótico, portanto nada de utilizar estrangeirismos) que nos fazem bem à alma. Para quem foi raptado por comuninjas, e tem passado os últimos meses aprisionado numa cave escura, há que dizer que Capitão Falcão é um filme de super-heróis passado no Portugal da década de sessenta, onde o intrépido Capitão Falcão e o seu leal companheiro, Puto Perdiz, defendem Portugal e o Senhor Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, das ameaças do Comunismo e da Democracia. Sim, é uma comédia. Convém explicar isso desde já, não vá dar-se o caso de algum Espanhol estar a ler isto. Mais: é uma comédia politicamente incorrecta, e com doses de nonsense (ooops, estrangeirismo) muito ao estilo da comédia Britânica.
Há dois tipos de reacção possível ao filme: há quem delire com algo tão estapafúrdio, que tem a inteligência de não querer passar por "pseudo-humor pseudo-intelectual", e que soltará sonoras gargalhadas a cada "bolo de arroz" (não vou explicar), e há quem ache isto "uma coisa totalmente estúpida, ridícula, e sem qualquer nexo". As pessoas que se enquadram no segundo tipo são, por definição, Espanhóis.
O humor em Capitão Falcão é disparatado, absurdo, delirante, e é uma sátira hilariante que conjuga um Portugal bafiento com um "Batman Pop Anos 60". E é de chorar a rir. Há frases tão bem colocadas que ficarão na memória ao jeito de um "Why so serious?". O texto é deliciosamente inoportuno, e isso faz-me dar saltos de alegria na cadeira. Estou mais do que farto desta sociedade amorfa e borrega onde ninguém pode usar expressões que possam eventualmente ferir a susceptibilidade de qualquer indivíduo coitadinho que fique com traumas psicológicos para o resto da vida porque ouviu uma expressão feia que não se pode reproduzir. Religião? Raça? Género? Nada escapa ao mordaz argumento do filme. É, repito, um "prazer culpado".
É curioso ver que muitos dos envolvidos no filme estão de alguma forma ligados ao extraordinário "Odisseia", da RTP, de que falei na altura (link), e que foi das coisas mais brilhantes de produção nacional nos últimos anos (que infelizmente passou meio despercebido no meio da tanta bosta com que as nossas simpáticas televisões nos brindam). Pelo meio, há um sem-fim de referências a outros filmes e séries. A principal, como não poderia deixar de ser, é a série do Batman dos anos 60 (as cenas na mota com sidecar são primorosas), mas também há Guerra das EstrelasMonty Python e o Cálice Sagrado, Power Rangers, os filmes de artes marciais do Jacky Chan e companhia.
A parte menos boa do filme será porventura a direcção de actores. Não será um problema específico do filme, mas mais uma questão com o "estilo Português". Fico sempre com a sensação que os nossos actores estão a declamar, ou então assumem uma postura mais adequada ao teatro de revista. Gonçalo Waddington (mas que raio de estrangeirismo anti-patriótico!!!) já demonstrou ser um bom actor (relembro: Odisseia), e aqui assume uma onda muito over-the-top a beber um pouco dos trejeitos de Herman José nos seus saudosos sketches. Curiosamente, o actor que me pareceu melhor em todo o filme é precisamente um dos que nem abre a boca: Luís Vicente, que faz de Lenine, o mestre do transformismo (Bolo de Arroz?). Tenho pena que Nuno Lopes tenha "passado de raspão" pelo filme (é o mítico comuninja), pois é muito provavelmente o melhor actor Português da actualidade. Haja esperança por algo mais para um Capitão Falcão 2  (há cena após os créditos que para isso aponta!).
Não se pode falar de Capitão Falcão sem falar da banda sonora. Não sei se terá sido João Leitão (o realizador) a convidar Pedro Marques para tratar da música do filme, mas ao autor da ideia só consigo dizer: MUITO OBRIGADO! Que trabalho GE-NI-AL. A inspiração "pop-Batman-60's" a imprimir um cariz vibrante e cheio de energia ao filme é um deleite. A qualidade da música é verdadeiramente fabulosa e carrega o filme às costas. Já tentei procurar por mais informações sobre Pedro Marques, mas o Google não me ajudou muito. Mas quero estar atento ao trabalho deste senhor. Tal como Spielberg disse que metade do sucesso dos seus filmes se devia à música de John Williams, também João Leitão o pode dizer em relação a Pedro Marques. Aqui, temos Duo Dinâmico!
Julgo ter dito o que havia a dizer sobre Capitão Falcão. Haverá certamente muita gente cinzenta, que se leva demasiado a sério, e que não saberá apreciar uma sátira ligeira, sem compromisso, que faz um elogio ao absurdo, e joga com um sem-fim de influências divertidas. E, mais do que tudo isto, demonstra que FAZER HUMOR não é meramente dizer dez vezes merda e mais umas quantas caralhadas, e de seguida rir de forma boçal.
Resta-me terminar este artigo brindando todos os patrióticos leitores deste blogue com um sonoro:
ÉS PORTUGUÊS OU ÉS ESPANHOL?!?!?!
ÉS PORTUGUÊS OU ÉS ESPANHOL?!?!?!


Pelo Melhor
Além da já referida extraordinária música, o genuíno talento Português de rir de nós próprios. Ser inconveniente, arriscar, procurar fazer algo fora do habitual. Vai sendo raro nos dias que correm. Fazer rir num país cada vez mais triste é obra! Obrigado.

Pelo Pior
Lembrar que os pais de D. Afonso Henriques eram Espanhóis! HERESIA! Isto é mais ofensivo do que insinuar que eram... COMUNISTAS!!!

E como neste blogue também há cenas extra após os créditos, tomem lá que vale a pena: