“A Feast For Crows” é o quarto livro das Crónicas de Gelo e Fogo. Sendo a
terceira vez aqui no blogue que falo das mesmas dará para perceber que sou um
dos fãs da saga. No entanto, não sou um fã acrítico, e quando algo está mal não
coloco um sorrisinho amarelo e repito “extraordinário, extraordinário,
extraordinário” até à exaustão, só para fazer parte do grupo dos miúdos cool.
“A Feast For Crows” é um livro manifestamente fraco. A todos os níveis,
tanto individual, como parte da saga. A nível individual é simplesmente uma
coisa aborrecida, sem grandes episódios que arrebatem o leitor, e onde ao longo
de 700 e tantas páginas pouco ou nada acontece. Aliás, nesse aspecto o livro é
exactamente o oposto do seu antecessor. Onde “A Storm of Swords” foi um filme
de acção ao estilo anos 90, “A Feast For Crows” foi uma longa telenovela
mexicana sem sal, pimenta ou paprika. Desconfio que se podia saltar por cima
deste livro e não perder absolutamente nada da história.
A nível da saga, Martin tomou uma série de decisões que a meu ver degradaram
a fluência narrativa da mesma. Apesar de haver muitos episódios controversos
nos três livros anteriores, e muitas mortes idiotas, o que é certo é que a
dimensão da história se encontrava sempre presente. Aqui, não. Para começar,
Martin decide dividir as personagens principais entre dois livros, este e o
próximo. Mas parece ter feito a divisão de modo a juntar neste livro as
personagens que menos interesse têm, e atirar para o livro seguinte Tyrion,
Daenerys, Jon e aqueles em redor dos quais se desenrolam os pontos mais
apelativos. Outra novidade neste livro é a inclusão de uma série de novas
personagens, e onde algumas até têm interesse, e inicialmente parecem refrescar
a história, muitas das outras têm a capacidade apelativa de uma batata cozida
com casca e sem sal. Além disto, os capítulos com os nomes das personagens
passam a coexistir com capítulos com títulos das novas personagens. Isto não se
pode dizer que seja uma desgraça, mas confesso que soa um pouco a “vamos mudar
alguma coisa só porque sim”, que acaba por diluir um pouco uma das marcas dos
livros.
Felizmente eu não fui dos desgraçados que tiveram que esperar anos a fio
para que Martin acabasse o quarto livro, pois se estivesse entre essa malta e o
resultado fosse isto, creio que para mim a saga estaria encerrada. Além de a
história ser aborrecida de morte, o autor decide usar aqueles excessos um pouco
idiotas, onde não escapam algumas cenas de “gore”, e até mesmo cenas lésbicas.
Sim, isso mesmo. Já estávamos habituados às cenas porno nos livros anteriores,
mas desta vez o nosso amigo decidiu “subir a parada” e introduzir cenas
lésbicas.
Ok, daqui para a frente vou entrar numa análise mais aprofundada do
conteúdo da história, pelo que alerto para os “spoilers”. Quem ainda não leu o
livro e está a pensar fazê-lo, deve parar por aqui (e preparar já agora umas
pastilhas para o estômago para quando começar a ler o livro).
Comecemos pela personagem de Brienne. Quando surgiu a primeira vez foi
uma daquelas personagens que imediatamente arrebata qualquer leitor. Foge à
maioria dos estereótipos, é muito densa, bem desenvolvida, e cria rapidamente
empatia com quem lê a história. O problema é que a partir do momento em que a
donzela de Tarth entrega Jaime a Cercei, Martin ficou sem saber o que fazer com
a personagem. E portanto, faz aquilo em que é especialista: põe a personagem
feita idiota a passear pelo mapa, sem rumo nem Norte, para encher páginas, e
mais páginas, e mais páginas, até estragar a personagem. Chega a ser agonizante
ler os capítulos da Brienne. Uma pessoa chega até a revirar os olhos quando
surge mais um capítulo com o seu nome. A personagem perde o interesse, perde a
sua aura, e vai definhando à medida que passeia acompanhada de personagens tão
apelativas “como uma batata cozida com casca e sem sal”. E digamos que os
monólogos em redor da sua paixoneta com o regicida também nada ajudam a evitar
a queda da personagem.
Depois temos os gémeos. Um livro inteiro dedicado aos gémeos. Setecentas
páginas que orbitam entre as birras de Cercei e Jaime. O “casal perfeito” de um
momento para o outro zanga-se, e começa a telenovela. “Oh meu amor, eu amo-te,
eu amo-te, és tudo para mim! Ai, que seria de mim sem ti! Mas sai daqui,
odeio-te, odeio-te, vai para longe, nem te quero ver à frente”. Socorro,
tirem-me deste MAU filme lamechas… A personagem de Cercei ao menos tem a
“coerência” de ir enlouquecendo ao longo do livro, ficando cada vez mais
histérica. Por outro lado, Jaime safa-se um pouco melhor porque é a personagem
da saga que sofre a maior transformação, e torna-se bastante mais interessante.
Infelizmente, tal não chega para justificar as ditas setecentas páginas.
Sam é outra batata cozida. Nem é o cobarde, nem o chico-esperto. É uma
batata sem sal que serve o propósito útil de transportar à história um ligeiro
passo para a frente (embora quem verdadeiramente o faça seja Meistre Aemon
enquanto fenece).
“Sansa” e Littlefinger são mais dois bocejos. No caso de Sansa isso até
nem é novidade, pois em quatro livros ainda não houve uma única linha em que a
moça não fosse a personagem mais chata da história das personagens chatas, uma
espécie de Nobel da “boredom”. No caso de Petyr Baelish, o caso é bastante mais
desolador. Surge no início da saga como uma das personagens mais emocionantes,
e à medida que o tempo passa vai-se eclipsando. Longe vão os tempos do político
hábil que desafiava Cercei e companhia.
Ora, deixa cá ver quem é a batata que se segue… Bom, pode ser toda a
maltinha de Dorne. Caem na história de pára-quedas, na sequência da morte do
Príncipe, e… ficam-se por aí. Batatinhas sem interesse nas cálidas areias do
deserto.
E temos Arya, que é uma carta completamente fora do baralho, e que parece
mover-se à margem da história toda. E que é uma personagem tão previsível que
acaba por cansar. A fórmula é sempre a mesma. Anda para um lado, anda para o
outro, conhece algum “mestre super sábio de alguma coisa”, faz um treino
intensivo, et voilá! Achievement unlocked! Lamento a linguagem ao estilo jogo
de computador, mas a Arya é basicamente isso desde que a saga começou.
Bom, como não podia deixar de ser, guardei o melhor para o fim. As “Iron
Islands”. A morte de Balon Greyjoy traz o pessoal das Iron Islands para “o
mapa”. Surgem os seus irmãos, e são eles os responsáveis pelos capítulos mais
interessantes do livro. Logo no início temos toda a soberba carga “mítica” dos
seguidores do “drowned god”, e os discursos estupendos de Aeron Greyjoy, o
sacerdote, que é de longe a personagem mais interessante dos novos figurantes.
Todas as ligações familiares e todas as tradições das Iron Islands são feitas ao
melhor nível de Martin. Ao nível do que fez nos anteriores livros. O ambiente
em redor do “kingsmoot” é muito bem conseguido, e a filosofia dos homens das
ilhas é “uma dádiva dos Sete” para quebrar a monotonia. Espero que no próximo
livro (ou livros) tenham direito a um pouco mais de protagonismo relevante, e
que não sejam mais do mesmo, ou seja: o figurão aparece, faz ABC, e morre de
forma estúpida e pouco relevante.
O livro que se segue, “A Dance With Dragons”, centra-se nas personagens
em falta, e é cronologicamente paralelo. Espero que seja tudo o que este livro
não foi, e que explique um bocadinho melhor algumas coisas (matar o Hound fora
de cena e fazer o seu elmo, sem mais nem menos, aparecer na posse de um
doidinho qualquer… muito mau!).
Em suma, este livro serviu para “baralhar e dar de novo”. Empatar toda a
história que até aqui se desenvolveu e fazer render o peixe. Enquanto leitor da
saga, até me sinto ultrajado pela fórmula de Martin de matar personagens
importantes a pontapé, para pouco depois introduzir mais umas dúzias de
personagens que falta nenhuma faziam à história. Espero que acabe a saga
rapidamente, e que tenha o talento de reverter algum do mal que foi feito, caso
contrário creio que muitos dos leitores nem se vão dar ao trabalho de
acompanhar os livros até ao fim.