Eu comprar um álbum de Metal??? LOL Nunca na
vida! Eu odeio Metal!
E de repente: Mother of God… I am speechless!
O que é que pode levar uma pessoa culta e com
bom gosto musical como THE PSY a comprar um álbum de Metal? Hum… Comecemos, tal
como em todas as boas histórias, pelo princípio.
Os “Nightwish” são uma banda finlandesa de “Metal
Sinfónico”. Seja lá isso o que for. Reza a lenda que a “etiqueta” que lhes foi
colocada deve-se ao facto de originalmente a banda ter sido formada como um
grupo de Metal, mas com uma vocalista que era… uma soprano! Estranhamente, o
que tinha todos os elementos para ser mais um acidente ferroviário e descambar
no esterco do costume (entenda-se: as bandas de Metal Gótico e do buhuhu o
mundo é uma tragédia, vamos todos cortar os pulsos e morrer – sim, por favor,
façam-no e parem de respirar o mesmo ar que eu!) acabou por resultar em algo
único e com um toque cultural muito próprio, e deveras fascinante.
A primeira década de Nightwish produziu uma
série de canções muito boas, misturando as tais influências de Metal com
elementos de ópera, algumas baladas acústicas e um toque noir bem doseado. Até que em 2005 o mundo praticamente decretou o
fim da banda quando decidiram fazer o impensável: despedir a vocalista! Tarja
Turunen é o nome da menina, que tem uma voz deslumbrante, e uma intensidade
desarmante. Era a alma da banda. Não vou perder tempo a falar aqui de histórias
da carochinha, e quem quiser saber o que se passou pesquise na net. Bastará
dizer que a banda contratou uma vocalista nova, que nada tem a ver com a
anterior, e que foi muito mal recebida pelos fãs. Tendo em conta a devoção que
a legião de criaturas cabeludas tinha pela Tarja outra coisa não seria de
esperar.
Avancemos meia-dúzia de anos, e eis que chega
“Imaginaerum”. O álbum é uma ideia do criativo da banda, um tipo feio chamado
Tuomas e que se parece com o Capitão Jack Sparrow, esse mesmo, d’Os Piratas das
Caraíbas. Tuomas preparou uma concepção única, querendo fazer um álbum
inovador, juntamente com um filme. A ideia é contar a história da vida de um
compositor e do seu mundo fantástico de sonhos.
Mesmo no crepúsculo de 2011 a banda lança o single
de promoção do novo álbum. “Storytime” é tudo o que uma canção épica deve ser.
A orquestração é de cortar a respiração, a interpretação é vibrante ao nível do
Big Bang, e a sonoridade é uma tempestade arrebatadora. O videoclip não lhe
fica atrás. É uma espécie de Branca de Neve tenebrae
encontra o Cirque du Soleil e dá-se o tal Big Bang. Quando o single foi lançado
apanhei-o partilhado por alguém no Facebook, mas deixei o vídeo a correr
enquanto continuei a ver as fotos de gatos parvos, e aquelas coisas simpáticas
do “se não partilhares esta foto desta menina sem braços, sem pernas e sem
cabeça és um péssimo ser humano”. Escusado será dizer que no meio destas
pérolas “Storytime” passou-me completamente ao lado. Felizmente, algumas
semanas depois voltei a descobri-lo no youtube. Quando dei por mim a ver o
vídeo seis vezes consecutivas apercebi-me que algo estranho se estava a passar…
"Nightwish - Storytime"
Bom, mas depois de ouvir “Storytime” oitenta
vezes dei comigo a pensar “ok, a canção é absolutamente fenomenal, mas também
deve ser a única de jeito do álbum”. A maior parte das bandas investe tudo numa
ou duas canções e depois enche o álbum com lixo.
THE PSY was wrong.
Aos poucos o youtube foi-me desvendando as
outras canções que integravam Imaginaerum, e com cada uma eu ia ficando ainda
mais fascinado. Não vou aqui falar delas todas, mas há pelo menos mais duas ou
três que merecem que percamos alguns minutos a perceber por que razão eu já não
me sentia tão empolgado com um álbum desde que assisti ao vivo ao lançamento da
7ª do Tio Ludovico, no dia 8 de Dezembro 1813. Sim, eu estava lá.
Imaginaerum tem uma presença orquestral muito
forte, tanto pela orquestra que acompanha os membros da banda, como pelos dois
coros que enfatizam muitas das músicas. Há partes do álbum que parecem
directamente tiradas das bandas sonoras de Hollywood, vindas das mãos de Hans
Zimmer ou de Bear McCreary. É o caso de “Arabesque”, uma música de sonho,
inteiramente instrumental, que demonstra por que razão a música de orquestra é,
sempre foi, e será sempre o mais nobre que a Arte Humana consegue criar.
“Arabesque” tem a força dos exércitos de Alexandre, O Grande. Não estranharia
que Tuomas tivesse passado várias horas a ouvir as bandas sonoras da série
“Battlestar Galactica” enquanto compunha esta música. O que é que leva uma
banda de Metal a colocar uma música sinfónica no meio do álbum? Simples: génio
puro. Trata-se da mesma banda que já havia usado uma parte d’A Flauta Mágica de
Mozart numa das suas músicas, e que conseguiu fazer uma versão Metal d’O
Fantasma da Ópera, de Lloyd Webber. Há compositores que trabalham há anos com
os grandes realizadores de cinema e que não têm no seu repertório uma obra como
“Arabesque”.
E como é que se faz um filme de terror com
uma canção? É simples, faz-se “Scaretale”. Peguem num daqueles filmes negros de
Tim Burton, com música de Danny Elfman, e transformem-no numa canção de Metal,
com um coro de criancinhas fantasmagóricas, e sai “Scaretale”. Esta canção
arrepia ao evocar os filmes de terror a sério (e não aquelas porcarias com
tripas, e sangue e louras burras), arrancando de seguida para uma sequência de riffs de Metal puro, com Anette Olzen, a
vocalista, a fazer uma interpretação alucinante, retirada integralmente do
manicómio de onde ela certamente fugiu. E de repente chegamos a uma passagem ao
estilo filme da Disney, numa onda muito O
Corcunda de Notre Dame. A quantidade de elementos musicais que esta canção
cobre é verdadeiramente ridícula. Pelo meio, até chega ao ponto de ter a
vocalista a gritar “squeeealing piiiiiigs”.
Já agora, lembram-se do Braveheart? Exacto, esse mesmo, o do tipo com a cara pintada de
azul a gritar “LIBEDADIIIIIII”. Gostam de gaita-de-foles? Então juntem-na com
uma guitarra eléctrica e sai “I Want My Tears Back”. Outra das canções surpreendentes
do álbum. Começa como
“meh-mais-uma-daquelas-tretas-para-gajas-góticas-que-gostam-de-choramingar-por-a-vida-ser-tão-feia-e-a-morte-tão-bonita”
(a sério, morram mesmo de uma vez por todas e parem de consumir o meu oxigénio),
e sem nos darmos conta temos um duelo entre gaita-de-foles e guitarra eléctrica
que quase nos faz querer dançar como os Irlandeses. Tomem lá na fuça chavalas
góticas! Agora levantem a saia e comecem a fazer sapateado ao estilo Riverdance!
Em suma, já deixei uma boa ideia do quão
surpreendente este Imaginaerum é. O resto das canções ficam para quem as quiser
descobrir. A propósito, há uma canção de Blues
no meio do álbum… A maturidade musical que os Nightwish atingiram é divina. Há
bandas que tocam por 30 anos, com sucesso, e nunca arriscam, mantendo-se sempre
no mesmo registo. Os Nightwish arriscam, e tocam as estrelas. Este é de longe o
melhor álbum da banda, e quase certamente não vão voltar a fazer um tão bom. É
provável que os fãs hardcore acabem
por não gostar tanto deste álbum, dada a sua complexidade, o seu espectro de
abrangência e a diversidade inesperada, mas também os fãs hardcore são gente que gosta de Metal, e gente que gosta de Metal
não tem direito à água que bebe.
Não querendo entrar no campo da heresia,
arrisco mesmo dizer que para esta geração “Imaginaerum” é o equivalente a um
“Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band”, dos Beetles, ou a um “The Wall”, dos
Pink Floyd, álbuns que no seu tempo marcaram o expoente da criação musical. E
já que estamos numa de heresias, devo acrescentar que apesar da voz da Tarja
Turunen ser 7 milhões de vezes superior à da Anette Olzon, tenho algumas
dúvidas que ela conseguisse enquadrar-se neste álbum e ter a elasticidade
necessária para o mesmo.
Já agora, pela piada, eu comprei a edição
limitada que traz um CD com o álbum todo em versão instrumental, o que parece
ser uma forma sarcástica do Tuomas dizer: Ok, quem não gostar de ouvir a Anette
tem aqui o álbum todo sem ela abrir a boca!
Coloco este artigo aqui no blogue
precisamente hoje, 1 de Março de 2012, na véspera do dia que foi escolhido para
o lançamento do segundo single, “The Crow, the Owl and the Dove”. Não percebo
por que foi escolhida para ser o segundo single a ser lançado, pois parece-me
um dos temas menos impressionantes do álbum, mas lá está, presumo que seja
necessário alimentar as chavalas góticas…
Enfim, aqui ficam estas palavras para quem
quiser aproveitar o meu bom gosto, e dar uma espreitadela a este magnífico
“Imaginaerum”, uma obra-prima que corre o risco de passar completamente
despercebida, injustamente, num mundo que parece só ter lugar para Lady Gagadas,
e outras aberrações que nos são impingidas diariamente pela MTV. Imaginaerum
não é Bear McCreary, não é Danny Elfman, não é Pink Floyd, não é Cirque du
Soleil, nem é o Fantasma da Ópera. É tudo isto junto, numa criação maravilhosa,
de uma complexidade erudita, num álbum intimista que nos leva desde um sussurro
numa sinistra ruela escura até ao pico de uma montanha onde bradamos a plenos
pulmões.
"Nightwish - Arabesque"
Segundo as tuas próprias palavras, com este artigo deixas-te de ter direito à água que bebes ! :P
ResponderEliminarMeu caro... tens toda a razão! Daqui para a frente, só cerveja e vodka! >:)
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