"Nunca te esqueças de mim..."
“Odisseia”, assim se chama o novo programa que a RTP apresenta com Bruno
Nogueira e Gonçalo Waddington como “cabeças de cartaz”. Inicialmente nem lhe
prestei qualquer atenção – confesso que os “programas de humor” da televisão
Portuguesa são na maior parte das vezes uma ode à estupidez sem talento – mas
depois de uma amiga mo ter sugerido decidi dar uma espreitadela. Em boa hora o
fiz. O programa é um trabalho magnífico que mistura dramatismo, comédia, e o
absurdo total e inexplicável, aliado a muito talento.
A história de “Odisseia” desenrola-se em redor da viagem de dois amigos
“por esse Portugal profundo”. Ou nem tanto, dado que até agora ainda não saíram
do Alentejo. A viagem é despoletada por uma tentativa de suicídio de Bruno. Daí
para a frente é acompanhar, episódio a episódio, um sem-fim de acontecimentos
que nos brincam com as emoções. Pois “Odisseia” não é só comédia. É também
dramatismo, misturado subtilmente com doses generosas de cultura. E falo de
cultura séria e inteligente, e não de porcaria pop mastiga-deita-fora.
Comecei a ver a série no 6º episódio, onde os amigos descobrem, algures
perdidos no Alentejo, um grupo de “totós espirituais” que têm como guru António
Variações. A forma perfeitamente inteligente como satirizam as seitas, e os
seus gurus é de ir às lágrimas. Imaginem António Variações a citar as letras
das suas canções, com ar sério, pois está a partilhar uma mensagem espiritual,
enquanto despeja um frasco de laca no cabelo dos discípulos. É de ir às
lágrimas!
Não tardei muito a ir a correr à página da RTP para ver todos os outros
episódios. Curiosamente, o primeiro episódio, que costuma ser o piloto, e
aquele revestido de maior importância pois é o que tem a responsabilidade de
agarrar o público, é o pior de todos. Quem não faz ideia ao que vai, vê aquilo
e não fica com muita vontade de continuar a acompanhar a série. É importante
para “entrar na cabeça das personagens”, mas parece-me um sério risco para o
lançamento de uma série que tem na comédia o seu ponto central. Mas rapidamente
a coisa muda de figura, e a história começa a entranhar-se. As peripécias são
divinas. E aqui há que destacar o papel de Nuno Lopes. O tipo é brilhante. Bruno
Nogueira e Gonçalo Waddington fazem uma dupla muito boa, mas a partir do
momento em que Nuno Lopes entra em cena… esqueçam tudo o resto! É um actor
fabuloso. No 7º episódio, quando decide entrar na personagem de um gorila… é de
chorar por mais.
A série vive muito do “nonsense” ao estilo Monty Python, embora por vezes
haja partes demasiado más. Talvez um dos atractivos seja mesmo esse, a
alternância entre o absolutamente mau e o extraordinariamente genial. Mas
convém salientar que não é só dos “três estarolas” que a série vive. Há muito
mais. Como a participação fabulosa de Miguel Borges no papel de Oráculo (para
quem não reconhece o nome, é o tipo rouco dos anúncios da Vodafone), ou as
participações especiais de muitos outros actores em alguns episódios.
Inclusive a nível técnico esta Odisseia é surpreendentemente boa, desde a
soberba realização de Tiago Guedes, à fotografia, produção, etc. É muito bom
ver tanto talento reunido para criar algo de tanta qualidade em Portugal. Até
as cenas em “stop motion” são fenomenalmente conseguidas, como a própria Sequência
de Introdução de cada episódio, e onde – para os mais atentos – toda a série é mostrada.
A única coisa que merece nota absolutamente negativa é a total
inabilidade da RTP em promover a própria série. Tem passado quase despercebida.
Das duas, uma: ou o “departamento de marketing” está a dormir, ou então quem
decide no interior da RTP nem tem capacidade para perceber a qualidade do
produto que tem entre mãos. São tão eficazes a promover os concursozinhos e os
programinhas de variedades constrangedores, e depois não sabem dar visibilidade
à galinha dos ovos de ouro. Mas enfim, fica essa falha colmatada por este
artigo, dado que este blogue é visto diariamente por 7 milhões de pessoas em
todo o mundo.
Criatividade, boa capacidade de escrita, excelentes profissionais, o
talento de saber aproveitar uma ideia sem necessariamente ter de recorrer a
elevados recursos e meios de produção e afins. É isto que se anda a fazer em
Portugal, onde infelizmente se prefere dar destaque aos reality shows de/para gente acéfala, e aos infindáveis programas
sobre futebol com “comentadores altamente especializados que têm muita coisa irrelevante
para dizer”. Há muitos anos que uma série “made in Portugal” não me agarrava
desta forma, deixando-me salivante para que chegue Sábado às 21h00.
Obrigado Bruno. Obrigado Gonçalo. Obrigado Tiago. E que venha rapidamente
a “Odisseia 2”.
Os episódios podem ser vistos em: http://www.rtp.pt/play/p1039/odisseia
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