Quando eu era pequenino – não, não
me vou pôr a cantar Quinta do Bill – li as aventuras do inimitável
detective criado por Sir Arthur Conan Doyle. Recomendo vivamente (bem como
Agatha Christie, já agora).
Ao longo dos anos, Sherlock Holmes tem sido presença habitual no cinema e
na televisão, com dezenas de séries e filmes baseados na mítica personagem, que
aliás volta a estar na moda graças aos filmes com Robert Downey Jr. No entanto,
o que nos traz aqui é a mini-série “Sherlock”, produzida com a habitual
qualidade inquestionável da BBC. Já leva duas temporadas, num total de seis
episódios, cada um com a duração de uma hora e meia (portanto, cada episódio é
um filme em si).
E por que razão é esta nova mini-série digna de registo? Para começar,
como referido, por ter o selo da BBC, mas acima de tudo por ser uma adaptação
das histórias originais aos dias de hoje. Ora, eu geralmente torço o nariz a
estas “reinterpretações”. Na grande maioria dos casos são uma tremenda banhada
que serve somente para envergonhar a qualidade do trabalho original. Pois, mas
aqui estamos a falar da BBC. A série transporta Sherlock e o Dr. Watson para a
Londres quotidiana, onde o detective amador usa o seu método invulgar para
resolver os crimes que não estão ao alcance das mentes comuns.
Logo para começar há que colocar os holofotes em Benedict Cumberbatch (um
gajo com um nome destes devia ser obrigado a usar um nome artístico). O actor
que interpreta Sherlock é tão genial como a própria personagem. Nunca tinha
ouvido falar da criatura antes de ver esta série, e fiquei boquiaberto com este
Sherlock. Esqueçam o detective convencional, de cachimbo na boca, capote sobre
os ombros e chapéu de caçar veados. Este é o Sherlock do século XXI, que usa
smartphones, e tem uma personalidade a roçar o transcendental. Cumberbatch é
verdadeiramente inspirador. O trabalho de re-imaginação de Sherlock é algo de
fazer voar o chapéu de caçar veados das nossas cabeças.
Ao lado de Cumberbatch está Martin Freeman, do qual eu não me mostrei grande
fã n’O Hobbit, mas que aqui faz um
Dr. Watson extraordinário, e num contraste absoluto com Sherlock. Todo o
ambiente que rodeia o apartamento partilhado pelos dois, constantemente
“invadido” pela senhoria, é digno de registo. Os diálogos estão muito bem
conseguidos, e a interpretação esquizofrénica de Sherlock mantém um registo
intenso em cada episódio. Ligando isto ao “método de observação” de Holmes,
torna cada episódio numa delícia.
Até agora, o melhor episódio é o primeiro da segunda série, “A Scandal in
Belgravia”. O próprio título demonstra como esta reinterpretação não é apenas
um “pegar nas histórias que se passam no século XIX, e adicionar automóveis novos
e internet”.
Há, contudo, uma nota negativa na série. Não é a realização (que é
fabulosa), não é a música (que é estupenda), mas sim a “reconstrução” da
personagem do Professor Moriarty, o nemesis
de Sherlock. É abominável. O mastermind
do crime surge aqui como um maluquinho exótico, com tiradas histéricas, e que
mais parece um Joker de segunda
categoria retirado do Batman dos anos
70. O problema não está no actor, que claramente mostra que tem categoria, mas
sim na personagem perfeitamente estúpida, que destrói por completo qualquer
tentativa de mostrar Moriarty como um par de Holmes. Enfim, no melhor pano cai
a nódoa…
«ALERTA DE SPOILERS»
Existe ainda uma nota digna de registo, e que comprova novamente a
capacidade que a BBC tem de ir buscar gente de qualidade. Na realidade, Conan
Doyle matou Sherlock Holmes na sua última história, sendo que este e Moriarty
morrem ao mesmo tempo, num derradeiro confronto. No entanto, à altura (1893), a
personagem tinha atingido uma popularidade tão elevada que os fãs protestaram
veementemente com o autor. Esta ideia, por si só, é fascinante. Estamos a falar
do final do século XIX. Não havia televisão, não havia internet, não havia
redes sociais com hordas de mentecaptos aos berros. Havia, isso sim, legiões de
fãs da obra. A pressão foi tanta, que Conan Doyle viu-se (anos mais tarde)
forçado a mudar os contornos da história, e a mostrar que afinal Sherlock
estava vivo. Ora, no último episódio da segunda série acontece precisamente o
mesmo. Sherlock morre no confronto final com Moriarty, mas na última cena vemos
o detective escondido entre as árvores a olhar para o seu amigo Watson a chorar
em frente ao seu túmulo. São estes pequeninos detalhes que fazem as delícias
dos fãs!
«FIM DE SPOILERS»
Tendo tudo dito, resta-me dizer que largarem tudo o que estão a fazer, e
irem a correr ver a série é… elementar,
meu caro Watson.