Não, tenham calma, não se trata de mais um livro da popular série juvenil
co-escrita pela antiga Ministra da Educação. Trata-se, isso sim, de um breve
relato na primeira pessoa de um dia como voluntário no Banco Alimentar Contra a
Fome.
Ora, tudo começou quando uma criatura astróloga me convidou para
participar na campanha de recolha de alimentos. Sendo eu uma pessoa cuja
generosidade (e humildade) extravasa por todo o lado, aceitei o convite.
Não vou utilizar este espaço para descrever todo o processo, pois acho
que já toda a gente sabe mais ou menos como funciona. Vou antes aproveitar para
partilhar alguns “momentos de ouro”, daqueles que vale a pena testemunhar e que
são fortes candidatos ao Prémio Nobel da Estupidez Humana.
Toda a gente sabe qual o trabalho que os milhares de voluntários (só
nesta campanha foram mais de 38.000) que colaboram com o BA fazem, e para o que
serve. Igualmente, todos sabem que a gentinha mesquinha que nada faz, nunca
fez, e jamais fará, arranja sempre maneira de criticar e deitar abaixo o
trabalho dos outros. É impressionante ver a natureza Humana a funcionar em
termos de consciência social e ajuda ao próximo. Se por um lado há aquelas
pessoas pobres e humildes, que vivem com os tostões contados, mas que mesmo
assim colocam uma lata de atum dentro do saco, e ainda pedem desculpa por não
poderem dar mais, por outro lado temos aquelas pessoazinhas de coração grande
que desafiam a própria criatividade ao evitar a todo o custo, ao bom estilo esperteza
saloia, contribuir com o que quer que seja. Posto isto, tive o distinto prazer
de testemunhar algumas das “pérolas”…
“Já dei ontem, já dei ontem!”
Portanto, presumo que haja uma larga quantidade de pessoas que tem como
passatempo ir ao hipermercado dois dias seguidos. Compreendo a excitação! Eu
também fico deslumbrado cada vez que conduzo o carrinho do supermercado pelos
vários corredores! Todas aquelas luzes, aquelas cores, aquelas… coisas! Assim
que saio dou por mim a pensar “tenho que cá voltar, e já amanhã! Ou ainda hoje
mesmo!!!”
“Ah, eu vou só buscar uma coisa!”
Aqui eu compreendo. É importante não perturbar o raciocínio
mono-sináptico destas pessoas. Devem ter passado a semana toda a concentrar-se.
“No domingo vou ao hipermercado comprar… UM ANANÁS! Mas só posso pensar no
ananás! Não posso olhar sequer para o lado! É melhor fazer uma lista onde
escrevo dez vezes «trazer O ananás»! Só um! Apenas um! Se forem dois já fico
todo baralhado! E isso não pode acontecer!”
E como tal, compreende-se que a pessoa não possa trazer um pacote de
arroz para colocar no carrinho da recolha. Quer dizer, sejamos compreensivos… a
pessoa agarrava no ananás com uma mão, agarrava no pacote de arroz com a outra…
e depois como é que pagava? Precisaria de um terceiro braço!
“Grrrrrrrrr!!”
Hum… aqui não tenho nada a dizer. Dado que não fala canídeo. Algumas
pessoas rosnam! É interessante.
- Bom dia, pode colaborar com a campanha de recolha de alimentos?
- Grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr!
- É só colocar o que puder dar. Arroz, massa, leite…
- GRRRRRRRRRRRRRRRRRR!!!!!
- Mas… desculpe, desculpe… era só… Hum…. Desculpe?
- GRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR RRRRR RRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR RRRRRRR
#&@#@@###!!!
Nestes casos os veterinários municipais aconselham a não insistir e/ou
perturbar as espécies endémicas transeuntes.
“Para quê? Para ficar a apodrecer
num armazém? Isso é que era bom!”
Nem mais. Estas pessoas são visionárias. Mereciam um lugar de destaque
como comentadores televisivos. Daqueles que nos bafejam com a sua sapiência
diariamente nos canais de televisão. Porque obviamente, toda esta campanha do
BA é apenas um gigantesco jogo de paródia! A malta passa meses a preparar uma
gigantesca operação de recolha de alimentos, mobilizando trinta e tal mil
pessoas que não têm nada melhor que fazer a um fim-de-semana do que acartar
sacos, para depois colocar as três toneladas de comida num armazém daqueles
muito grandes… e pronto! É só isso! O verdadeiro objectivo disto tudo é apenas
encher um barracão com latas de feijão para as formigas irem degustando ao
longo da estação seguinte. De onde é que vocês pensam que vem a fábula da
cigarra e da formiga? Nem mais!
Abençoadas pessoas visionárias!
E posto isto, chegamos ao “Prémio IgNobel” do ano. A concorrência não
teve qualquer hipótese. Até mesmo os cordatos senhores do “GRRRRRRRRRRRRRRRRRRR!!!”
ficaram a anos-luz de distância. Eu guardo a vencedora deste prémio num
lugarzinho especial do meu coração… chuif, chuif… desculpem este meu momento de
fraqueza, pois até fico emocionado a relembrar o episódio. Foi logo à chegada,
para começar bem o dia. Mal estacionamos a carrinha vem uma das voluntárias
falar connosco. Conversa puxa conversa e questionamos como está a correr. “Epá,
está a correr muito bem. Já temos ali uns carrinhos cheios de sacos. Elas há
bocado até estavam a falar que estavam com medo por causa daquela entrevista da
Isabel Jonet… eu não vi, mas dizem que ela deu um tiro no pé!” E neste momento
passa junto a nós uma senhora toda finória, assim com estilo Cinha Jardim, que
comenta para o ar: “Um tiro, e de que maneira… Da minha parte não leva nem um
tostão!”. Ficamos assim um pouco constrangidos, mas optamos por não responder.
Mas o melhor estava ainda para vir. Esta muy distinta cidadã entra no seu BMW Série
3 Coupé, cuja matrícula indicava ter menos seis meses, e arranca…
Latinha de atum… BMW Série 3 Coupé…
Trinta cêntimos versus trinta mil euros…
Esta senhora inspirou-me. De tal maneira que não resisto a fazer-lhe uma
dedicatória. Assim estilo “carta aberta”, ou algo que o valha.
Prezado Estupor,
Venho pela presente apresentar-lhe os meus mais sinceros votos de que um
bandalho qualquer lhe rasgue os quatro pneus do carro em simultâneo. E que
nesse dia não tenha bateria no(s) seu(s) telemóvel(eis). E ainda que esteja a
chover a potes. Por último, espero que quando esse dia chegar coincida com uma
ida de Vexa. a um restaurante indiano, onde o cozinheiro tenha usado e abusado
da condimentação, de modo a dar-lhe a caganeira da sua vida. Daquelas em que se
desfaça em cocó liquefeito.
O meu amigo “astrólogo” diz que eu sou uma péssima pessoa, mau como as
cobras, vingativo e isso tudo. Defeitos de ser escorpião. Mas eu acredito que
tenho um coração generoso, e por isso, para juntar aos votos prévios, espero
que no dia D (sendo D de diarreia) esteja a usar as suas botas Prada de cano
alto, daquelas em que dá para entalar os jeans. Assim a caganeira ficará
devidamente acondicionada, não lhe causando transtorno adicional.
P.S. Bardamerda para si e para a gentalha como Vexa. que devia ser
proibida de respirar o mesmo ar do que eu. Mas sabe que mais? Felizmente este
mundo é maioritariamente composto por pessoas melhores que Vexa., sendo isso
inclusive visível no facto de algumas pessoas colocarem nos sacos com as
ofertas de comida, outros artigos como fraldas de bebé, e produtos de higiene
pessoal, demonstrando que entre nós há quem tenha consciência social, e perceba
que mais importante do que o mediatismo de sarjeta que a nossa imprestável
comunicação social tanto promove, é o objectivo final de todo este trabalho,
onde se procura algo tão «irrelevante» como dar comida a quem não a tem. Num
dos sacos houve inclusive quem tenha colocado uma caixa de bombons. Estes
gestos são bonitos, e é desta massa que é feita a maioria dos cidadãos Lusos.
Para terminar, enquanto Vexa. andava a passear a sua cloaca nos seus
estofos finórios, isto foi o que nós fizemos:
FELIZ NATAL!
Muito bem! Fico feliz por saber que gostaste da experiência. Gosto imenso da tua escrita deu para me emocionar, para chorar, para rir... Muito bom! Beijos.
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