Em 1999 os irmãos Wachowski revolucionaram a História do cinema com o
deslumbrante Matrix. Goste-se ou não do género, certo é que Matrix foi um
daqueles filmes que empurraram o cinema para uma nova fase, nem que fosse
somente pelos inovadores e irreverentes efeitos especiais, aliados ao estilo e
visual do ambiente que foi posteriormente copiado até à exaustão.
Nos 10 anos que se seguiram, os Wachowski desapareceram praticamente de
cena. Em 2012 regressam com “Cloud Atlas”. Em boa hora o fizeram. É uma das
maiores obras-primas, a todos os níveis, desde que outros irmãos (franceses)
inventaram a Sétima Arte.
Cloud Atlas não é um filme. É um prodígio do cinema.
Há muito poucos filmes que partilham o panteão em que Cloud Atlas se
inclui (é o caso de “2001, Uma Odisseia no Espaço”).
São seis filmes dentro de um. Seis histórias, todas elas magníficas: uma
viagem a bordo de um navio no século XIX; um jovem compositor que luta para
compor uma sinfonia entre as duas Guerras Mundiais; um thriller em redor de uma investigação nos anos 70 em torno de uma
central nuclear; um velho editor que em 2012 se vê aprisionado num lar para
idosos; uma luta pelos direitos humanos no século XXII; e um cenário
pós-apocalíptico onde duas sociedades humanas distintas encontram uma
inesperada simbiose. E depois, o “toque”: todas as histórias estão interligadas,
e as personagens de cada uma dessas histórias são interpretadas pelo mesmo
conjunto de nove actores. Cada história é uma ode à tolerância, à coragem, à
resiliência, à quebra do preconceito.
Comecemos pelos actores. Nunca uma direcção de actores foi tão longe. Tom Hanks, Hugh Grant, Halle Berry,
Hugo Weaving, Jim Broadbent, Jim Sturgess, Doona Bae, James D’Arcy e Ben
Whishaw. Todos eles magistrais. A plasticidade de Tom Hanks é, como já
nos habituámos, tremenda. Hugo Weaving arrisca um pouco mais neste filme do que
é habitual, em particular com a personagem “Old Georgie”. Weaving é
particularmente reconhecido pela sua voz fabulosa, associada a uma dicção
notável. Mas aqui demonstra – para quem ainda tinha dúvidas – que quando é
necessário brilhar na interpretação, ele está à altura. Não vou falar de todos
os actores, mas quero focar-me em Jim Broadbent. É porventura o menos conhecido
do elenco, e é surpreendente ao ponto de me pôr a desejar que lhe atribuam um
Oscar (algo a que ligo muito pouco). Broadbent cria as personagens mais
marcantes do filme: o velho compositor rezingão e mesquinho, e o apaixonante e
aluado editor que se vê encarcerado num lar para idosos. Extraordinário. Ambos
comoventes na reflexão sobre a condição humana.
Cloud Atlas é um filme de emoções. Há já muito tempo que não me ria tanto
num filme. Há momentos de comicidade de génio absoluto. Em igual quantidade há
momentos de drama, que nos deixam com o olhar tenso. E há momentos épicos, inspiradores,
que nos põem literalmente nas nuvens. Alguns dos diálogos são fortíssimos.
Depois temos os cenários, a caracterização, a fotografia… Tudo perfeito.
Não há uma cena em três horas de filme que não seja magnífica. A caracterização
ultrapassa qualquer coisa até hoje vista. Alguns dos vários papéis que os
diversos actores interpretam só são reconhecidos no genérico final, quando nos
é revelado quem faz de quem ao longo do filme. E nesse momento é ver a
audiência a fazer “aaah!”, uns atrás dos outros.
Do que me falta falar? Da música. Igualmente divina, e dos aspectos a que
geralmente tomo mais atenção nos filmes. Não vem das mãos de nenhum dos “pesos
pesados” de Hollywoood, mas é curioso verificar que um dos temas mais tocados
ao longo do filme é visivelmente inspirado
no “Dark Knight” de Hans Zimmer (que se tornou uma das bandas sonoras mais
influentes do cinema contemporâneo). A obra, como um todo, é deslumbrante.
Basta pesquisar “Cloud Atlas Sextet” no Youtube. A dimensão da música assenta
que nem uma luva no ambiente do filme. E quando chegamos ao “All Boundaries Are
Conventions”, o mundo desmorona ao nosso redor.
Em suma, estamos perante a perfeição cinematográfica. Um daqueles raros
filmes que muita gente vai criticar por nem sequer ter a capacidade intelectual
para perceber o que tem perante si. A realização dos Wachowski e de Tom Tykwer
é excelente, a adaptação do argumento não tem falhas, em momento algum o
espectador se sente perdido em qualquer uma das seis histórias que se
desenrolam simultaneamente. O conjunto de actores, e os diversos desempenhos
que alcançaram, é ímpar. A música é intimista, bonita, simples, profundamente
adequada. Cloud Atlas é, como disse, um prodígio do cinema, mas acima disso, um
hino ao Ser Humano.
Enternecedor. Épico. Memorável. Profundo. Complexo. Inesquecível. Três
horas absolutamente imperdíveis que conto repetir ainda antes de o filme sair
das salas de cinema.
Pelo Melhor:
O argumento. A realização. As interpretações. A música. A caracterização.
O guarda-roupa. A fotografia. A montagem. Os efeitos especiais. A direcção
artística. O som.
Pelo Pior:
A decisão imperdoável de terem feito um filme de três horas, em vez de um
filme de seis ou sete…
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