Música. Literatura. Cinema. Banda Desenhada. História. Portugal. Cultura. Sociedade. Uma perspectiva sobre o que a Humanidade faz de melhor. De Beethoven a Jodorowsky. De Dune a SPQR. Gnothi Seauton.
Ontem à noite, na SIC Notícias, Maria de Belém respondeu ao “se os
sem-abrigo aguentam, porque é que nós não aguentamos” de Fernando Ulrich. Fê-lo
com dois gráficos. No primeiro mostrava como as pessoas em situação normal
morrem de idade avançada, mostrando as estatísticas (óbvias) que comprovam que
a mortalidade aumenta nos patamares mais elevados da idade. De seguida mostrou
um gráfico com a mortalidade dos sem-abrigo, onde é de imediato visível que
poucos chegam à dita idade avançada, morrendo todos eles bastante novos.
Sem demagogia, sem populismo, sem soundbytes.
Devia haver mais política assim. Serena, baseada em factos e comprovada com
números sérios, em vez dos palhaços histriónicos que debitam frases feitas, no
meio de grande peixeirada, mas que fazem manchetes nos nossos jornais.
Estamos em mês de Oscars e THE PSY decidiu antecipar-se à Academia e
fazer a sua própria cerimónia. Como é óbvio, não me vou propriamente pronunciar
sobre os nomeados da Academia. Por um lado não vi praticamente nenhum deles, e
por outro, a bem da justiça, apenas me posso pronunciar sobre os filmes que vi,
que até nem foram muitos, já que não tenho tempo para estar sempre enfiado no
cinema, dado que eu sou um elemento extremamente produtivo da sociedade, ao
contrário de vocês, bando de folgados que perde o tempo a ler este blogue onde
só se dizem baboseiras. E, convenhamos, não tenho o orçamento médio de um
americano ou de um alemão para ir todas as semanas ao cinema.
Dito isto, eis os filmes nomeados a todas as categorias e mais algumas,
que compõem os filmes que fui ver ao cinema em 2012 (por ordem cronológica e
tudo):
A Invenção de Hugo
John Carter
Vingadores
Prometheus
O Fantástico Homem-Aranha
O Cavaleiro das Trevas Renasce
Desafio Total
Looper
Skyfall
Cloud Atlas
O Hobbit – Uma Viagem Inesperada
Agora que olho para a lista, confesso que parece feita por um miúdo de 12
anos… Isto é coisa que se apresente? Só bonecada e raios laser e macacadas?
Pobre Hitchcock, que deve estar a dar voltas no caixão.
Ilustres convidados, and the Oscar
goes to…
Melhor Banda Sonora
Parece-me justo começar pela categoria que mais me diz. Antes de ir ao
vencedor, permito-me falar da banda sonora de “Skyfall”. A razão é simples:
causou-me estranheza vê-la nomeada aos Oscars. Trata-se de uma banda sonora de
um filme do James Bond, o que geralmente não traz muito de novo, sendo da
autoria de Thomas Newman, um veterano de Hollywood, mas que nunca me
deslumbrou. Dei-me ao trabalho de ir ouvir a banda sonora de Skyfall, e
confesso que não consigo perceber a razão da nomeação. É apenas electro-blablabla, sem um pingo de
originalidade, com alguns toques de música árabe. Terá sido embalado pelo “efeito
Adele”? Ou será alguma nostalgia por parte da Academia, dado que John Barry, o
compositor original dos primeiros filmes de 007, morreu um ano antes?
Enfim, vamos ao vencedor, que curiosamente nem está nomeado pelo
Academia: o fenomenal “Cloud Atlas”, que resulta da colaboração de três compositores
– Tom Tykwer, Johnny Klimek e Reinhold Heil – aqui representado pelo fabuloso “All
Boundaries Are Conventions”.
Melhor
Canção
Aqui temos empate técnico. “Misty Mountains”, d’O Hobbit. Mas atenção,
que é a versão cantada no filme, e não a versão oficial de Neil Finn (a qual
confesso não me agrada particularmente). E “Skyfall”, cantado maravilhosamente
por Adele. Qualquer uma destas canções enche-me as medidas.
Melhor Fotografia
Sir Riddley Scott nunca brinca
em serviço, e “Prometheus” é um espectáculo absolutamente deslumbrante. Todos
os cenários têm uma composição magnífica (mesmo que seja tudo digital), e o
ambiente do filme faz-nos mergulhar numa dimensão completamente divino-galáctica.
Dos interiores obscuros e claustrofóbicos, às paisagens lunares completamente
estéreis, tudo em Prometheus é um espectáculo visual.
Melhor Argumento
E vão dois para “Cloud Atlas”. Adaptado do livro escrito por David Mitchell,
a história de “Cloud Atlas” desenrola-se de uma forma soberba, nunca cansativa,
e que nunca faz o espectador perder-se na narrativa, mesmo quando esta
atravessa seis histórias diferentes, com os mesmos actores a interpretarem
dúzias de personagens distintas. Muito bom.
Deixo também uma “Menção Honrosa” para “A Invenção de Hugo”, também
adaptado de um livro, que é uma enternecedora homenagem às raízes do cinema,
associada ao fascínio da juventude.
Melhor Actriz Secundária
Judi Dench, em “Skyfall”. É mais do que merecido, para a despedida desta
extraordinária actriz que ao longo de inúmeros filmes impôs uma personagem
marcante, sólida e uma referência no universo Bondesco (não confundir com bondage). Como dizia alguém, e com
muita razão, “é de longe a minha Bond girl preferida”.
E já agora, para quem não sabe, Judi Dench sofre de uma doença degenerativa
que aos poucos lhe está a destruir a visão, levando a que, inclusive, ela
necessite que alguém lhe leia os guiões dos filmes.
Melhor Actor Secundário
Esta é a categoria mais interessante do ano. Os concorrentes são
excepcionais, e o talento é tanto que merece cuidada dissertação. Poderia ser
Javier Bardem, pelo extraordinário vilão que encarna o inimigo de James Bond em
“Skyfall”. Podia ser Michael Fassbender, com o andróide em “Prometheus” (embora
até seja a interpretação menos magnífica que dele nos chegou nos seus mais
recentes trabalhos). Até podia ser Tom Hanks, por qualquer uma das suas
personagens em “Cloud Atlas” (que trabalho de excepção!). Mas não fica muito
longe de Hanks. O vencedor é Jim Broadbent. O nome não é sonante, mas quem viu
“Cloud Atlas” não pode deixar de se render ao magnífico velhote Cavendish, e ao
magistral compositor Vyvyan Ayrs. Conseguir fazer este trabalho de excelência,
ao lado de vultos como Tom Hanks, Hugo Weaving, e Hugh Grant, não podia ter
outro desfecho.
Melhor Actriz Principal
Angelina Jolie ou Scarlett Johanssen… Hum? Ah, é preciso terem entrado
nalgum dos filmes? Ooops. É que qualquer uma delas fica tão bem em qualquer
lado… Bom, mas também, verdade seja dita, muito poucos dos filmes da lista têm
uma actriz num papel principal. Falta-me cá para este ano uma Natalie Portman
no “Cisne Negro”! Posto isto, é quase a Rooney Mara a concorrer sozinha. Eu até
gosto muito dela, mas o papel em “Prometheus” não é propriamente merecedor de
qualquer prémio.
Portanto, o júri decide por unanimidade deixar esta categoria em branco. Mas,
em caso de dúvida jurídica, ou tentativa de impugnar a cerimónia por via legal…
Angelina Jolie!
Melhor Actor Principal
Ui… outro problema. Desta vez não é por falta de actores principais nos
filmes… é mesmo por falta de qualquer coisa de jeito! Quase dá vontade de rir
quando olho para a lista e vejo que a luta está quase entre o James Bond e o
Homem-Aranha! PWAHAHAHAHAHAHA!
Enfim, para não deixar outra categoria em branco, mas mais ao jeito de
“menção honrosa” do que propriamente de prémio, acho que aponto para Joseph
Gordon-Levitt pelo bom trabalho que faz a imitar Bruce Willis em “Looper”.
Apesar do “botox digital” que mais o faz parecer uma personagem retirada do
Hobbit…
Melhor Realizador
E aqui está a surpresa da noite! Porque todos os Oscars têm que ter uma
surpresa, e porque, independentemente da altura em que estejam a ler isto, é
sempre a NOITE dos Oscars.
Já iam todos lançados a pensar que ganhavam os irmãos Wachowski e Tykwer
com “Cloud Atlas”, não é verdade? Mas estão enganados! Começaram a fazer
apostas em “Prometheus”, sabendo do meu fétiche por Riddley Scott? PERDERAM!
Mudaram a aposta à última da hora para “O Hobbit” de Peter Jackson, já que eu
sou um miúdo de 12 anos? WRONG AGAIN!
O vencedor, meus amigos, é Martin Scorcese com o seu “A Invenção de
Hugo”. O filme até pode ter estado nomeado em 400 categorias aos Oscars do ano
anterior, mas para mim conta aqueles que eu vejo no ano de estreia em Portugal.
“A Invenção de Hugo” é dos trabalhos mais completos de Scorcese (digo eu, que
até nem conheço assim tão bem o seu trabalho). É um misto de documentário
histórico com fantasia. Uma sucessão de cenas lindas numa Paris com várias
décadas, povoada por personagens cativantes. Tudo composto com uma beleza
apaixonante.
Melhor Filme
Ok, já toda a gente percebeu: “Cloud Atlas”. Para quaisquer
esclarecimentos: link
Melhor Trailer
Ha-ha! Pensavam que isto acabava com a atribuição do Melhor Filme, não é
verdade? Mas os Oscars do Psy são muito melhores do que os Oscars dos velhos
jarretas. Os trailers são, por si só, muitas vezes trabalhos de concepção
extraordinária. Infelizmente, na avidez de atrair espectadores às salas de
cinema, acabam quase sempre por estragar os filmes, dado que revelam boa parte
do que deveria ser guardado para durante o filme. É o caso do vencedor,
“Prometheus”, que tem indiscutivelmente um dos trailers mais fabulosos de todos
os tempos, sendo ele próprio uma obra superior a 90% do que chega ao cinema,
mas que acaba por revelar o filme na íntegra, estragando-o de alguma forma.
Bom, e já que estamos cheios de embalo, agora que já elegemos os
Melhores, porque não eleger os Piores? Os “Razzies Psy 2013”.
Pior Filme
O Cavaleiro das Trevas Renasce
Pior Argumento
O Cavaleiro das Trevas Renasce
Pior Actor Principal
O Cavaleiro das Trevas Renasce
Pior Actor No Papel De Um Morcego
O Cavaleiro das Trevas Renasce
Pior… TUDO
O-CAVALEIRO-DAS-TREVAS-RENASCE
Nem daqui a 100 anos Christopher Nolan contará com o meu perdão. Existe
um inferno especial para pessoas que fazem os fãs chorar desalmadamente por
desilusões cuja dimensão ultrapassa o Monte Olimpo. Existe uma coisa chamada “gestão
de expectativas”. Quando vou ver um filme do Michael Bay espero ver explosões,
um argumento para miúdos de 6 anos, e actores jovens e bonitos, retirados dos
desfiles de moda. Quando vou ver um filme de Nolan, para mais com o lastro de
um “The Dark Knight” (2008), espero ver uma obra de referência, e não um pedaço
de esterco para cumprir calendário.
E assim ficamos! Espero que 2013 seja um bom ano de cinema, e que para o
ano a Academia não se esqueça mais uma vez de Hans Zimmer…
Ora bem, comecemos o ano cinematográfico com Tarantino. Há maneiras
piores de começar o ano… Quentin Tarantino é o “realizador fétiche” dos
americanos e de Hollywood. Como eu costumo dizer, se Tarantino colocasse uma
câmara a filmar o trânsito na A5 o mundo do cinema classificá-lo-ia como uma
obra ímpar e visionária. Verdade seja dita, Tarantino merece boa parte dos
elogios que lhe são feitos. O homem de facto tem um talento considerável, e tem
o seu estilo. Pode-se gostar mais, ou gostar menos, mas Tarantino é Tarantino.
Vamos então a “Django Libertado”. É um bom filme? Sim, sem dúvida. É uma
obra-prima? Talvez seja. Justifica-se a veneração de que tem sido alvo? Aí já
tenho as minhas dúvidas… Mas enfim, “não se pode dizer de Tarantino algo menos
do que genial”, senão os groupies
entram em combustão espontânea.
O filme desenrola-se dois anos antes da eclosão da Guerra Civil
Americana, numa altura em que o esclavagismo negro se encontrava no centro do
conflito social e moral. Alguns toques no argumento escrito por Tarantino são
de facto brilhantes. Outros são apenas clichés à procura de mediatismo. O
começo do filme é o que mais me deslumbrou. A introdução da personagem do Dr.
King Shultz (Christoph Waltz) é toda ela uma sequência magnífica. Absurda,
surrealista, “Tarantinesca”, mas espectacular. O caçador de prémios que vem
numa carroça que tem uma mola com um dente gigante em cima, só mesmo Tarantino
se iria lembrar de algo deste género. Waltz ganhou a nomeação para o Oscar de
Melhor Actor Secundário, e pela meia-hora inicial do filme é mais do que
justificado. Só que nas duas horas seguintes o papel resvala demasiado para uma
cópia quase exacta do (muito mais brilhante) Hans Landa, em Sacanas Sem Lei.
Já em Sacanas Sem Lei o que
mais me agradou foi a sequência inicial, tendo boa parte do restante filme
alternado entra as longas cenas “de pastilha elástica” e os momentos de
espectáculo puro. Django segue à risca o mesmo padrão.
O grande talento de Tarantino passa pela mistura de todos os géneros
possíveis e imaginários, abordando SEMPRE toques culturais fabulosos (que
certamente passam completamente ao lado da maioria dos espectadores). Ver uma
carga de cavalaria num western ao som
do Requiem de Verdi é um luxo, ao
qual só se pode acrescentar todas as referências ao folclore alemão que o filme
aborda. Vale a pena ler a “trivia” no IMDB só para ter noção da quantidade de
referências culturais que são integradas no filme. Juntem-se a isto os momentos
de comédia puramente hilariantes, como o dente gigante em cima da mola, ou o
fato de valete que Django veste, alternados com sequências tão brutais que chegam
a incomodar, como a luta de mandingo (que não passa de violência gratuita), e
percebe-se que Tarantino é perfeito na manipulação de emoções.
Reconheço que nenhum realizador tem o talento de Tarantino para associar
música e filme. A capacidade que o homem tem para escolher canções e associá-las
a uma sequência de filme, essa sim é extraordinária e inigualável. Colocar um
rap a meio de um western sobre
escravatura? Porque não? E depois há a pontaria certeira a escolher actores.
Todos aqueles que trabalham com Tarantino são fenomenais. Quer os que se
repetem de filme para filme, quer os que são chamados para participar na
família. Em Django até acho que o Actor Principal, Jamie Foxx, é o que menos
brilha, mas ao lado de Samuel L. Jackson e Leonardo DiCaprio não se esperava
outra coisa. Jackson é, como habitualmente, fenomenal a interpretar um velho
cínico e abusador. Quanto a DiCaprio, sou grande fã dele há muitos anos, e
acho-o um actor memorável, creio que tem um desempenho muito bom no filme, mas
mesmo assim até o acho um dos menos marcantes dos últimos anos (recordar-me de
Shutter Island… deuses!). Aproveito para mencionar (SPOILER) que uma das cenas
mais emblemáticas da personagem ocorre quando durante uma discussão à mesa de
jantar corta a mão num copo de vidro. Não estava no guião. Aconteceu mesmo. E
DiCaprio continuou a cena sem parar para respirar. Tarantino, inteligentemente,
deu-lhe ainda mais fôlego. Ainda no campo dos actores, há que tirar o chapéu ao
curto papel de Don Johnson, que enche o ecrã enquanto está em cena.
Dispensava o “excesso absurdo de surrealismo”, como os baldes de sangue
que saltam cada vez que alguém leva um tiro (por mais pequeno que seja), mas, contas
feitas, é um filme muito bom, embora me pareça demasiado “mais do mesmo”, e se
trocarmos os esclavagistas sulistas por nazis, temos um Sacanas Sem Lei remixed. No filme dos nazis temos duas longas cenas
absolutamente brilhantes – a cena de abertura na quinta e a cena do jogo na
taberna – alternadas com muita “pastilha elástica”, e neste temos as mesmas
duas cenas absolutamente brilhantes – a cena de abertura com a carroça do dente
e a cena do jantar em casa de Calvin Candie – alternadas com muita “pastilha
elástica”. Mas, fosse metade do cinema desta qualidade, e eu nunca sairia da sala
de cinema com ar de frete. Não obstante, vê-lo nomeado aos Oscars para “Melhor
Filme” acaba por me deixar com aquele sorriso cínico que há muitos anos tenho
em relação às escolhas feitas pela Academia…
Pelo Melhor:
O dente em cima da mola gingona, que de tão surreal deixa os espectadores
a rir descontroladamente, e totalmente desarmados. A fusão de géneros cinematográficos
completamente incompatíveis, que Tarantino consegue transformar numa “coisa
Tarantinesca que no fim resulta muito bem”. A imensidão de referências subtis a
inúmeros pormenores deliciosos. Tarantino é um ávido consumidor de literatura,
música e cinema clássico, e deixa-o transparecer na perfeição.
Pelo Pior:
A sensação “mais do mesmo”. Os “exageros exagerados”. Ok, quando vamos
para um filme de Tarantino já esperamos que haja exagero, mas existe um ponto
em que “too much is too much”.