Não é muito hábito falar por aqui de banda desenhada, apesar de ser algo
de que gosto muito desde novo. Essencialmente a escola franco-belga e os comics americanos. Não deixa de ser
curioso que a única BD que nunca me apelou verdadeiramente é precisamente a
japonesa, e os seus manga que tanto
sucesso fazem, e que de certa maneira acabaram por “infectar” todo o estilo de
BD a nível mundial nas décadas mais recentes.
Este artigo esteve quase para o não ser. Explico: quando acabei o álbum,
pensei: gostei disto, podia escrever
sobre ele lá no blogue. Mas, pouco depois: hum, não sei se alguém se interessa pelo tema. Até que por fim,
quem me emprestou o livro – o poderoso Sr. Fusão (que também responde pelo nome
de código “Muafa”) – me disse: epá, eu
até curto ler as tuas cenas, portanto fala lá sobre o livro no blogue!
Ok, vamos a isso!
“Três Sombras” é um livro grande, em particular para quem está habituado
ao formato convencional das 30-40 páginas dos álbuns europeus. Mas tem razão
para o ser, pois o autor quis contar – sem pressas – a extraordinário odisseia
de um pai e de um filho. Comecemos, então, como todas estas nossas histórias
começam: Era uma vez um casal que vivia numa casa de campo com Joaquim,
o pequeno filho de ambos que costumava acompanhar o pai no dia-a-dia, vivendo
uma genuína felicidade nas mil e uma aventuras com que se deparava na floresta.
Certo dia, surgem três cavaleiros à distância, deixando a família em alerta.
Quem serão? Nunca se aproximam da casa, e as suas longas sombras projectam-se a
partir do horizonte. O pai de Joaquim tenta correr na direcção dos cavaleiros,
mas rapidamente percebe que nunca os consegue alcançar. É então que começam a
perceber que “algo estranho se passa”, e que o pequeno Joaquim pode correr
perigo… A Mãe decide então ir até à cidade, falar com uma velha bruxa (?) para
tentar proteger o filho destas estranhas criaturas. Com a certeza de que as
sombras estão atrás de Joaquim, o pai não vê outra alternativa a não ser pegar
no filho e tentar fugir para longe. É essa fuga que os vai levar numa
extraordinária odisseia, que começa a bordo de um navio cheio de personagens
magníficas, que muitas vezes comunicam apenas com um olhar, e que nos compelem
a devorar cada traço em cada vinheta.
Não vou contar o resto da história, pois é aqui (ao embarcarem no navio)
que ela verdadeiramente começa, e não quero estragar a surpresa a quem vai ler
o livro. Bastará dizer que vale a pena. Centremos, então a atenção no traço
(ou, usando uma linguagem mais técnica, na bonecada). Eu sou, sempre fui, e
sempre serei grande fã de banda desenhada a preto-e-branco. Para mim, a “Savage
Sword of Conan” desenhada por John Buscema nos anos 70 continua a ser a
obra-prima da história da BD. Não é muito fácil definir o estilo de Cyril
Pedrosa. Creio que uma descrição adequada será classificá-lo como uma espécie
de esboço a lápis, que num primeiro olhar parece ser uma coisa muito simplista
e demasiado “cartoonesca”, mas que aos poucos vai revelando uma complexidade na
riqueza dos pormenores que compõem cada imagem. O trabalho é muito gráfico,
composto por perspectivas forçadas e muito movimento, como é o caso do fumo que
parece feito de argolas de algodão ondulantes, e enriquecido pelas sombras
(duh!, não se esperaria outra coisa dado o título do livro) que ganham
particular dimensão num maravilhoso preto-e-branco que alterna entre pranchas
quase brancas, com meros elementos para dar continuidade à história, e imagens
negras, carregadas de expressividade ameaçadora e que sabem reclamar na
perfeição a atenção dos nossos olhos. São, certamente, necessários muitos anos
de trabalho para chegar a um traço tão simples, tão despojado de acessórios
supérfluos.
Quem ler isto até fica convencido que eu percebo alguma coisa do que
estou a dizer, hehehe…
Veredicto: um trabalho muito bom, quer ao nível da história, quer ao
nível visual, tratado de uma forma que explora os sentimentos familiares num
misto de magia e realismo, bastante original e que nos transporta para uma aventura
cativante, numa perspectiva diferente, e muito apelativa.
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