Dissera-o, rindo-se atrás do vidro
de um copo de vinho, em Veneza, na última noite de fim de ano em que estiveram
juntos. Ela tinha insistido em regressar ali, onde passara vários fins de ano
da sua infância, para ver a exposição dos surrealistas no palácio Grassi. Quero
que me leves ao melhor hotel dessa cidade fantasma, pediu, e que deambules
comigo de noite pelas suas ruas desertas, porque só nesses dias é possível
vê-las assim: está tanto frio que os turistas de pé descalço morrem congelados
nos bancos, toda a gente se refugia em hotéis e pensões, nas ruas só há
gôndolas baloiçando silenciosamente nos canais, a rua dos Assassinos parece
mais estreita e sombria do que nunca e as quatro figuras talhadas em pedra da
Piazzetta aproximam-se mais umas das outras como se tivessem um segredo que
quem as contempla desconhece. Quando era uma jovenzinha, fugia para passear com
cachecol e gorro de lã, ouvindo o eco dos meus passos, enquanto os gatos me
olhavam dos portais escuros. Há muito tempo que não vou a essa cidade e agora
desejo fazê-lo de novo. Contigo, Faulques. Quero que me ajudes a procurar a
sombra dessa menina, e depois, de volta ao hotel, ma cosas de novo aos
calcanhares com agulha e linha, silencioso, paciente, enquanto fazes amor
comigo com a janela aberta e o frio da lagoa eriçando-te as costas, com as
minhas unhas cravadas nelas, até sangrares e eu me esquecer de ti, de Veneza,
de tudo o que fui e de tudo o que me espera.
Há uma pessoa que escreve assim.
(odeio este Espanhol…)
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