Sempre fui grande fã de banda desenhada. E sempre fui grande fã de
ficção-científica. Além disso, sempre fui uma pessoa de extremo bom gosto, e
indiscutível modéstia. No que à BD diz respeito, sempre preferi a “escola
Europeia” aos comics Americanos.
Gigantes como Goscinny/Uderzo, Hugo Pratt, Moebius, Enki Bilal, e tantos
outros, assim o determinaram. Quanto à FC, tenho uma devoção quasi-religiosa
por “Dune”,
de Frank Herbert. É, indiscutivelmente, a maior obra de ficção-científica de
sempre, e uma das grandes criações literárias de todos os tempos.
Chegados aqui, o que tem o cu a ver
com as calças? Descobri há dias que está para ser lançado um grande
documentário sobre “o maior filme nunca feito de todos os tempos”. Sim, é
estranho. Mas para falarmos deste documentário teremos antes de falar de
Alejandro Jodorowsky. Este franco-chileno é um dos maiores génios criativos do
surrealismo. O nome é conhecido dos fãs da banda desenhada Europeia graças ao
magnífico “O Incal”, obra em seis volumes que Jodorowsky lançou nos anos 80 com
a arte do mítico Moebius. É seguramente um dos livros mais complexos de sempre
na história da BD. Só pode ser descrito como uma aventura psicadélica,
surrealista, de ficção científica, capaz de deixar qualquer leitor embevecido
com o que tem nas mãos. É distopia cosmológica banhada em tecno-religião
sociológica misturada com a psicomagia que o autor tem por filosofia de vida.
Não perceberam patavina do que escrevi? Óptimo, esse é o primeiro passo para abraçar
Jodorowsky.
Uma das grandes qualidades deste lunático sempre foi a sua capacidade de
reconhecer o talento dos grandes artistas muito antes de boa parte do mundo
saber sequer que eles existiam. Jodorowsky estabeleceu parcerias com os
monstros sagrados da Nona Arte, para produzir coisas tão fabulosas como a saga
“Os Metabarões”, que tem o meu tratamento conceptual de ilustração e coloração
preferido de todos os tempos, fruto da genialidade do Argentino Juan Giménez.
E é com isto que chegamos ao título deste artigo: “Jodorowsky’s Dune”.
Nos anos 70, este controverso artista (acreditem, eu tenho estado a referir-me
apenas às partes criativas socialmente aceites)
reuniu um grupo que envolvia alguns dos maiores talentos que o mundo tinha
naquele momento com o intuito de criar um épico cinematográfico para fazer uma
adaptação do monumental Dune. Foi
buscar gente como H. R. Giger, o visionário responsável nessa mesma década pelo
inesquecível visual de Alien, para
tratar do conceito visual do filme. Para a música, ninguém menos do que Pink
Floyd. E quais eram os actores que ele tinha para os principais papéis? Salvador
Dalí (sim, esse mesmo), Orson Welles (exacto, também esse mesmo), e Mick Jagger
(aqui abstenho-me de comentar).
No entanto, apesar de existirem inúmeros storyboards e inclusive produção de alguns dos fatos e adereços a
utilizar no filme, o projecto não seguiu em frente por variadas razões. Mas o
mito perdurou, como uma das coisas mais influentes na indústria cinematográfica
do século XX. Caso tivesse visto a luz do dia, teria sido uma colossal produção
de perto de 14 horas, que provavelmente resultaria num misto de “Ben-Hur”, com
o ambiente de “Alien” e o espírito de “A Laranja Mecânica”. Paremos um segundo
apenas para juntar na mesma frase os nomes Jodorowsky, Dalí, Giger, e Pink
Floyd. Sim, seria um caldeirão de insanidade surrealista que seguramente muito
pouco teria a ver com o Dune original,
e que em simultâneo teria tudo a ver com o conceito psicotrópico da própria spice melange.
Roubando as palavras do próprio Jodorowsky: Could be fantastic, no?