A História do meu país é um dos temas mais fascinantes que existem. Em
tudo o que tem de bom, bem como naquilo que tem de mau. Mesmo naquele período
de 60 anos que sucedeu à Dinastia de Avis, onde um trio de impostores denominados
Filipes (escusado será dizer que jamais darei esse nome a um filho meu!)
assentou arraiais (mais ou menos) nas margens olissiponenses.
É precisamente este enquadramento que serve de mote à magnífica exposição
que o Museu Calouste Gulbenkian acolhe entre 22 de Outubro de 2014 e 25 de
Janeiro de 2015. Como o nome da exposição indica, o espólio que a constitui
veio essencialmente dos muitos palácios espanhóis, bem como de outros locais com
peças associadas ao tema.
A organização da exposição encontra-se dividida em duas partes, uma
evocativa do período que antecedeu a chegada dos Filipes, e a sua “presença”, e
outra centrada nos séculos XVIII e XIX, mais ligada a Dona Isabel de Bragança, ao
Museu do Prado, e a Goya.
A primeira parte da exposição é verdadeiramente fascinante. A sua própria
disposição é feita de forma a acolher os visitantes num intimismo raro, onde
somos bombardeados logo à entrada com quadros e armaduras capazes de nos fazer
sentar e respirar fundo. Carlos V, Sacro Imperador Romano-Germânico, uma das
figuras mais importantes da Europa medieval moderna (perdoem-me as imprecisões
linguísticas), é quem nos abre as portas da galeria, ao lado do seu filho,
Filipe II de Espanha. Duas armaduras absolutamente magníficas, pertencentes a
ambos, estão expostas logo ao iniciar da viagem. Ao lado da armadura de Carlos
V (cujos detalhes são de levar uma pessoa às lágrimas) encontra-se um quadro do
próprio a envergá-la. A simbiose é um deleite para os olhos e para a alma. E
depois, este escriba tem a sorte única de visitar museus na companhia de amigos
que percebem de História “como gente grande”, e que fazem o favor de me rechear
de detalhes, e estabelecer as ligações entre famílias, períodos, acontecimentos,
e até chamar a atenção para o facto de Carlos V ser pintado com o colar da
Ordem do Tosão de Ouro. Visitar museus é excelente. Visitá-los nesta companhia é
um luxo!
(Retrato de Carlos V armado, Juan Pantoja de la Cruz, 1608. Fonte: link)
A exposição vai dançando entre tapeçarias monumentais, pinturas dos palácios
reais espanhóis, retratos de quem fez a História, como é o caso do nosso malfadado
D. Sebastião, mobiliário, esculturas, e peças de joalharia. Há de tudo um
pouco, sempre com o cuidado de enquadrar devidamente a presença de cada peça no
espírito da exposição.
Para além das presenças obrigatórias para explicar os factos que levaram
à dinastia filipina (amaldiçoado seja o seu nome para toda a eternidade), esta História Partilhada acolhe ainda obras
únicas de artistas como Caravaggio e El Greco, sem esquecer os apaixonantes
livros de cantigas. Esta viagem no tempo é avassaladora, e é das exposições
mais bem construídas que visitei até hoje. O trabalho que faz para explicar,
até mesmo ao mais leigo dos visitantes, as relações familiares entre Portugal e
Espanha no século XVI é prodigioso. Ficamos com um retrato rico, completo, e de
uma abrangência considerável. Não é apenas pintura, não é apenas escultura, não
é apenas armaria. É História viva, que percorre todas as artes e nos deixa
muito mais do que um vislumbre do que era há 500 anos o local que actualmente
pisamos.
Quanto à segunda parte da exposição (situada noutro ponto do museu),
prefiro não falar muito porque achei-a tão fraquinha quando comparada com a
primeira… Entende-se o “sentido”. Mais associada à Dinastia Bourbon (de onde o
actual rei de Espanha descende), não só as obras que apresenta são manifestamente
desinteressantes na sua maioria, como o próprio espaço é muito pouco acolhedor.
Nem a presença de uns quantos quadros de Goya parecem salvar aquele espaço.
Em suma, para quem gosta de História, para quem gosta de Arte, e para
quem tem simplesmente bom gosto, esta A História
Partilhada. Tesouros dos Palácios Reais de Espanha. é imperdível. Há que
agradecer ao Museu Calouste Gulbenkian e ao Patrimonio Nacional por esta
parceria que tão extraordinário resultado proporcionou. Recomendo vivamente a
visita até 25 de Janeiro de 2015.
E, só para terminar “ao meu bom estilo” com uma farpa… Patriota que se
preze visita a exposição na véspera do 1º de Dezembro! ;)