Em 1979 o Mastermind George Miller inaugurava uma
das séries mais desconcertantes da História do Cinema. Mad Max foi um hino aterrador a uma sociedade pós-apocalíptica
imersa numa violência nunca antes vista no grande ecrã. Gasolina, sangue, e uma
ausência absoluta de moral deram uma nova dimensão à expressão “a ferro e
fogo”. Trinta anos mais tarde, será que a fórmula ainda resulta?
Jazus! Resulta, e de que maneira…
Quando vi o trailer deste 4º filme da saga, o
meu coração engrenou a 5ª e acelerou a fundo. Mad Max é uma das minhas “coisas sagradas” desde que vi os filmes
originais pela primeira vez, devia ter uns 12 ou 13 anos. Fiquei fascinado. É
estranho um miúdo ver algo tão fora do normal e não se tornar um psicopata.
Aquilo era a negação de tudo o que o mundo normal possuía. Não havia heróis,
não havia regras, não havia sociedade. O ambiente bárbaro e selvagem de Mad Max só tinha paralelo na banda
desenhada de Savage Sword of Conan –
outra das minhas “coisas sagradas”. Portanto, escusado será dizer que as minhas
expectativas para este filme ultrapassavam largamente os limites do razoável.
Creio que é a primeira vez que coloco a fasquia tão alta e não me desiludo.
Sempre que falo
de cinema digo que é preciso analisar cada filme consoante o objectivo a que
este se propõe. Quem entra numa sala de cinema para ver Mad Max vai à espera de ver um ensaio visual carregado de
supercarros, homens loucos e violentos, e uma distopia absoluta em relação ao
mundo em que queremos viver. Este filme não desilude num único grão de areia. Mad Max – Estrada da Fúria é um dos 10
melhores filmes de acção de todos os tempos.
Aqui não
queremos história, não queremos grandes diálogos, dispensamos melodramas. Não
queremos filosofias, conjecturas, ideologias. Queremos pólvora, sangue,
adrenalina, e todas as coisas tóxicas e não recomendadas a cardíacos. Almejamos
aquela beleza decadente de um apocalipse. E a parte mastermind de George Miller é que nos consegue dar tudo isso, e
ainda fazer um filme com mais sociologia, filosofia e visão do que todos os
outros que carregam essa pretensão.
A realização é
de sonho. É quase impossível dissociar realização, montagem e fotografia neste
filme. Tudo faz parte do mesmo motor bem oleado. Cada frame do filme é uma lição de bom cinema. A isto junta-se uma
direcção artística que cria imagens inesquecíveis, de personagens vestidas e
maquilhadas no estilo único da saga, com uma linguagem própria, e com carros
que transcendem o conceito de criatividade. São 120 minutos das coisas mais
belas que o Cinema consegue pensar. Se no Avatar
de James Cameron temos a beleza da fauna, da flora, e da esperança no futuro,
aqui temos a antítese. Isto é areia, com óleo, granadas, trapos velhos, sucata,
mas filmado e produzido com uma sedução inexplicável. É difícil fazer um filme
de duas horas onde a única coisa que se passa é uma perseguição ao ritmo da
nitroglicerina, e que nunca aborrece.
E para tornar o
que já é excelente em perfeito, junte-se a isto uma banda sonora magistral
criada por Tom Holkenborg aka Junkie
XL. Não sei o que dá a fusão de Verdi com rock, mas certamente passei duas
horas a ouvi-lo. É preciso muito arrojo para querer colocar quase duas horas de
música num filme tão intenso, mas, tal como diz no cartaz: MASTERMIND George
Miller. A música rock-operática-frenética é o clímax orgástico que transporta o
filme para a transcendência. Carros a explodir, loucos a voar, violência
absoluta, tudo ao som de Heavy Metal fusionado com Rock electro-sinfónico…
Caramba, já nem sei o que estou a escrever! Este Mad Max é mesmo assim. Tem um efeito alucinogénio em qualquer
pessoa.
Vale a pena
falar dos actores só para enaltecer o trabalho fabuloso de Nicholas Hoult, o war boy que é a surpresa do filme.
Interpreta uma personagem que encarna toda a loucura inexplicável da história.
E é de longe a personagem de todo o filme com quem sentimos maior empatia. Os
veteranos Charlize Theron e Tom Hardy cumprem bem os seus papéis, com Charlize a
dar vida a uma intensa Imperator Furiosa, que carrega aos ombros toda a
dinâmica da história (e faz-me perguntar se o filme em vez de se chamar Mad Max
não deveria chamar-se Mad Furiosa, tal é a dimensão da personagem no filme), e
Tom Hardy a reinterpretar o anti-herói que surge agora com mais de “Mad” do que
de “Max”. Julgo, no entanto, ser justo dizer que, apesar de Hardy estar muito
bem no papel, fica a anos-luz de Mel Gibson. Até tenho pena que não tenham
agarrado na história de modo a que Hardy fosse um “Max Júnior”, contracenando
com o “Max Sénior”. Mas Hardy está livre de culpas, dado que o filme não está
escrito para a sua personagem, e ele apenas carregou o nome do protagonista.
Mais do que em qualquer um dos outros filmes da saga, aqui vemos o Max
solitário, que não cria raízes, e que se mantém sempre em movimento. Sem laços,
sem ambições, sem remorsos.
Passaram-se
trinta anos, e o fenómeno aí está novamente na ribalta. A ligação com os filmes
anteriores é subtil, e muito bem feita (os relances das criancinhas que Max –
aparentemente – não conseguiu salvar, o V8, a caixa de música). E este é outro
dos pontos fortíssimos do filme: não há cá perdas de tempo a explicar o que se
passa, ou o que se passou. É assim, e ponto final. Não há cá cenas mortas a
contar a história toda da carochinha, tudo muito mastigado, para que todos os
idiotas percebam. Tudo é introduzido na história sem qualquer explicação, ou
justificação. É assim, e interpretem como quiserem. Isto é Arte, meus amigos.
Tanta gente em Hollywood que tem tanto a aprender com este filme.
Por fim, o
toque de génio ao conseguir satirizar/criticar o mundo actual, de uma forma tão
velada que muita gente acaba a ser ridicularizada no filme sem sequer se
aperceber de que o está a ser. É o caso dos momentos “observa-me”, dirigidos
aos asnos que cultivam a sua própria imagem nas redes sociais e restante mundo
digital. É o caso dos imbecis que, incapazes de pensar, praticam o culto do
líder, que se aproveita da falta de inteligência e cultura dos que o rodeiam
para ascender ao lugar de “querido líder”. E devo dizer, com uma gargalhada de
profundo e rotundo desprezo, que acho divino o facto de haver tanta gente a
dizer mal do filme por ser “demasiado feminista”. Por favor, parem! Já não
aguento de tanto rir. Um dos males da Democracia é dar espaço para que tanta
gente estúpida expresse a sua opinião.
Mad Max – Estrada da Fúria é um dos
maiores colossos cinematográficos da década. A quantidade de mensagens que o
filme bombardeia aos espectadores é impensável para um filme de acção. Nem os
filmes de Neil Blomkamp conseguem ter tanto sumo. E tudo isto no meio de uma
tempestade de explosões, aço retorcido, e cabeças a voar. Como é que é possível
ocultar tanta consciência num filme que, contas feitas, é “apenas” uma corrida
de carros a explodir no meio do deserto.
O miúdo de 12 ou
13 anos só consegue sorrir, cheio de adrenalina, e gritar emocionado: Oh, what a day! What a lovely day!
Pelo Melhor
A criatividade
aliada ao saber fazer. Há ideias
muito boas, mas que na prática não são bem executadas, e há gente com talento
que não tem o toque da criatividade. Mad
Max junta o Bom ao Excelente. É um produto único, sem qualquer coisa que se
lhe assemelhe, e executado com toda a perfeição. Realização, Música,
Fotografia, Montagem, Efeitos Especiais, Direcção Artística, Guarda-Roupa,
Maquilhagem, Interpretação, Argumento. Tudo em absoluta harmonia. É um carro de
alta competição afinado até à perfeição.
Pelo Pior
LOL. Vá lá,
depois de tudo o que acabaram de ler acham mesmo que há alguma coisa a escrever
neste espaço? Bom, como eu também sou um MASTERMIND, até consigo arranjar algo,
não “Pelo Pior”, mas “Pelo Menos Excelente”.
SPOILER ALERT:
Olhando com atenção para o filme, este termina exactamente onde começa: na
Cidadela. Ao longo do filme vemos que a Imperator Furiosa é uma mulher
inteligente, grande guerreira, e cheia de recursos. Ora, se no final ela é
aclamada por ter o cadáver de Immortan Joe aos pés (com isso despertando a rebelião)
… não teria sido mais simples matá-lo e assumir desde logo o controlo da
Cidadela?
Pois, mas assim
não haveria razão para as duas horas de perseguição cheias de adrenalina. ;)
E porque sou
mesmo boa pessoa… tomem lá um bónus: