Ainda se lembram do primeiro livro que leram
na vida?
A maioria dos auto-designados intelectuais que
falam sobre a sua experiência com a literatura refere o como esta foi
importante na sua infância, e como constituiu a fuga à realidade, que lhes
permitiu manter a sanidade através de uma infância tortuosa, como a sua grande
companhia eram os grandes clássicos da literatura, blablabla.
Eu como sou um bocadinho mais genuíno confesso
que só ganhei o gosto pela leitura bem perto dos vinte anos, e o livro que me
lançou neste mundo foi, nada menos do que "A Noite dos Mortos-Vivos".
Exacto. Esse mesmo, que deu origem ao filme de zombies do George Romero nos
anos sessenta. Hilariante, não é verdade?
Não foi, obviamente, o primeiro livro que li
na vida. Essa distinção pertence a "O Cavaleiro da Dinamarca", da
majestosa Sophia de Mello Breyner, e que reli há três ou quatro anos. Na altura
li-o por sugestão da professora, na 2ª ou 3ª classe, nos tempos em que a Escola
ainda servia para nos ensinar a ler e a escrever, algo que ao que parece nos
dias de hoje deixou de fazer.
Mais tarde, no ciclo, recordo-me de ter lido
apenas um livro. Chamava-se "O Império Contra-ataca". Não é de
estranhar, para um miúdo que viveu obcecado pel'A Guerra das Estrelas (obrigado
George Lucas por teres destruída a minha vida aos 19 anos com o Jar Jar Binks).
E até chegar à faculdade, peguei apenas n'Os
Lusíadas e n'Os Maias, por obrigatoriedade curricular. Lembro-me em particular
d'Os Maias, pois aquele calhamaço assustava - e bem - quem não tinha hábitos de
leitura, mas que era obrigado a lê-lo pelo professor de Língua Portuguesa (esse
recurso em vias de extinção). Fiquei fascinado com a escrita de Eça de Queirós.
O rapaz tinha jeito para a coisa...
Fast forward e chegamos a um dia em que estou numa loja na
Ericeira (onde entrei contrariado), e onde agarrei nesse mágico livro "A
Noite dos Mortos Vivos" e disse que o queria levar. Eu tinha esse hábito
neo-intelectual de comprar livros para decorar as estantes do meu quarto. Nunca
os lia, nunca pegava neles, mas queria que mos comprassem porque as estantes
não podiam ter apenas pó.
Ainda nenhum de nós descobriu os "grandes
mistérios da vida e do Universo", mas de facto aquele dia e aquele livro
iam mudar a minha vida. Não sei porque carga de água me deu na gana começar a
lê-lo. Provavelmente foi apenas para "fazer tempo" ou algo assim. Mas
durante dois ou três dias os meus olhos não se levantaram daquelas páginas. Como
é que é possível haver livros escritos de tal forma que nos fazem alhear do
mundo que nos rodeia, e parar durante dias seguidos apenas para comer e dormir
(ok, e ir à casa-de-banho)?
Devorei o livro, e fiquei "com o
bichinho". Bom, mas certamente tinha sido um caso isolado, não voltaria a
acontecer. Eu não ligava patavina a livros...
Na altura estava na moda falar de outro livro
"mais ou menos conhecido". Dava pelo nome de "O Senhor dos
Anéis", de um tal de JRR Tolkien, muitos antes de se falar em fazer um
filme baseado na obra. Raios! Mas não era um livro, eram três! E cada um com
trezentas e tal páginas! Alguma vez eu ia gastar 15 Euros (ou, na altura, quase
três mil escudos) a comprar um livro que - esse de certeza! - não iria ler até
ao fim?
Foi então que tive uma ideia brilhante! Vou
antes comprar "O Hobbit", que é estreitinho, mais barato, e não tem
mais dois livros a seguir ao primeiro. Afinal, era só mais um para decorar a
estante...
Bolas, mas então não é que o livro foi lido de
fio a pavio? Toda aquela conversa sobre tabaco halfling, anões, feiticeiros, e
um dragão fazia-me água na boca. Agora tinha mesmo que comprar os tais três
livros desse senhor com anéis. Já estava na faculdade, e também esses foram
consumidos avidamente.
É extraordinário um tipo olhar para trás e
lembrar-se que, sendo hoje um leitor compulsivo de todo o género de livros,
tudo começou com um livro sobre zombies, e outro sobre "pessoas pequeninas
com cabelos nos pés". Talvez esta seja uma história engraçada para contar
aos ditos pseudo-intelectuais que acham que as histórias de fantasia, terror e
ficção científica são um desperdício de tempo.
Outra história engraçada foi o hábito que
ganhei algum tempo depois de começar a escrever em post-its os livros que ia
lendo ano após ano, colocando-os na estante ao lado da cama, e onde hoje consta
um longo catálogo que me recorda de todas as dezenas de livros que tive o
prazer de tomar como meus até agora. Quantas pessoas é que têm uma lista de
todos os livros que leram na vida?
Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Gonçalo M.
Tavares, José Saramago, Sophia de Mello Breyner, Tolkien, Aristóteles, Agatha
Christie, Arthur Conan Doyle, Nietzsche, R. A. Salvatore, Mark Twain, Richard
Bach, Paulo Coelho, Arturo Pérez Reverte, Ildefonso Falcones, Marion Zimmer
Bradley, Robert Harris, Frank Herbert, Konsalik, George R. Martin, tantos,
tantos, tantos, só porque um dia me deu para fazer birra porque queria comprar
um livro de zombies...
Tenho pena de (ainda) não me ter acontecido o mesmo que a ti. Eu ainda não "gosto" de ler, ou pelo menos acho que não. Se é certo que já me aconteceu pegar num livro e lê-lo de fio a pavio, também é certo que esse acontecimento é raro ao ponto de talvez se contar pelos dedos de UMA mão.
ResponderEliminarEu até faço umas tentativas de quando em vez, mas o resultado mais comum é desistir, perder o interesse ou simplesmente guardar para depois...
Ainda sou daquelas que prefere a "versão filme", mais rápida, mas também é verdade que gostei mais dos livros que li do que dos respetivos filmes quando depois foram feitos.
O teu post no entanto deu-me alguma esperança, pensei que era de pequenino que se ganhava o gosto, sendo assim, e a avaliar por ti, pode ser que o meu dia ainda chegue...
Hummm, acho que vou voltar a olhar para os livros que tenho para ver se me entusiasmo ;)
Beijinhos, Cris
A relação de cada um com os livros é uma coisa muito própria. Estou certo que te falta apenas encontrar "aquele livro" ou "aquele autor".
ResponderEliminarTenho amigos que lêem livros "como se o mundo acabasse amanhã", outros lêem esporadicamente, outros lêem apenas em inglês porque acham que é uma língua superior e que é fino/culto dizer que não lêem em português...
Há quem leia um livro de cada vez, e há quem leia 3 ou 4 ao mesmo tempo, alternando consoante o seu humor. Há quem nunca desista de ler um livro, por muito mau que seja, e outros, como eu, se ao fim de tantas páginas não estiverem "agarrados" colocam-no de lado e passam para o próximo.
Procura algo que te entusiasme, que seja ligeiro e se enquadre no teu estilo. Já experimentaste ler Paulo Coelho? És capaz de gostar de ler alguns livros dele. Sugiro "Brida" e "O Alquimista".
Se preferires algo diferente, com um pouco mais de romance, glamour e uma pitada de mistério posso-te emprestar um livro do meu escritor preferido. Chama-se "O Mestre de Esgrima". És capaz de gostar.
Espreita aqui:
http://www.mediabooks.com/catalogo/detalhes_produto.php?id=7357