Música. Literatura. Cinema. Banda Desenhada. História. Portugal. Cultura. Sociedade. Uma perspectiva sobre o que a Humanidade faz de melhor. De Beethoven a Jodorowsky. De Dune a SPQR. Gnothi Seauton.
É verdade, a minha velha safada de olhos azuis provocadores celebra hoje
nove décadas. É a única avó que conheci, já que a outra avó e ambos os avôs
faleceram antes sequer de eu nascer.
Foi a esta avó que fui buscar o meu mau feitio, a minha ruindade, e o meu
irresistível carisma. Ah, e a modéstia, também!
Portanto, hoje eu estou de parabéns, pois recordo todos estes anos de
sacanice partilhada, bem como as inúmeras memórias, como o facto de ter sido
ela a ensinar-me todos os Reis da História de Portugal, ainda muito antes da 4ª
classe (foi, basicamente, estudar a minha árvore genealógica...).
Venho pela presente declarar guerra, unilateralmente, e sem o aval das
Nações Unidas, aos outdoors das campanhas eleitorais! E, já agora, a todos os
outros. Estou à beira de me tornar uma espécie de D. Quixote e atravessá-los com
uma lança de um lado ao outro.
Todos os concelhos por onde passo estão vandalizados por estas belos
pedaços de “mobiliário urbano”. Não sei quem teve a feliz ideia de apelidar
isto de “mobiliário”, pois confesso que em casa não tenho vontade de pegar num
machado e desfazer a mobília. Em cada rotunda amontoam-se por vezes 4 ou 5 de
todas as cores, com carantonhas gigantescas, e frases que denotam um
brilhantismo único. Deve haver um catálogo com estas frases, pois são todas de
uma qualidade que os seus autores são sérios candidatos aos Prémios Camões,
Pessoa, e porventura ao Nobel da Literatura.
Até na Estrada Marginal – a mais bela do país, e uma das mais bonitas da
Europa – a cada 100 metros somos brindados com esta trampa. Vai uma pessoa a
conduzir, a olhar para o mar, e pumba!, leva com um penico daqueles nas ventas.
Se fossem todos…
E dadas as minhas claras limitações intelectuais, alguém é capaz de me
explicar em que momento da sua vida decidiu em quem é que ia votar ao olhar
para um outdoor? Confesso que não me estou a ver a dar voltas numa rotunda, a
olhar para os outdoors todos, e num súbito momento de inspiração: “Ha! É
naquele!”.
Não conseguem fazer campanha sem esta selvajaria? Sem vandalizar o espaço
público? Sem rebentar com calçadas, relvados, e inventar os sítios mais
mirabolantes para escarrapachar aquelas cagadas de Arte Moderna?
Dá vontade de arrancar com uma espécie de “compromisso secreto entre
todos os eleitores” para a malta se recusar a votar em qualquer candidato que use
outdoors.
Raios partam estes tipos! Fazem-me lembrar quando era miúdo e o circo vinha
à cidade, os prédios todos atafulhados com cartazes cheios de cor a anunciar o
circo. E depois colavam uns 10 seguidos, todos juntos, que era para terem a
certeza que a malta percebia mesmo, mesmo, mesmo, mesmo, mesmo, mesmo, que
vinha aí circo! Enfim, mas esses ao menos anunciavam algo que nos fazia rir, e
enchia de alegria. Estes “novos artistas circenses” só nos fazem chorar…
Há 4 anos, J. J. Abrams apanhou meio mundo de surpresa quando lançou um reboot/re-imaginação do universo Star
Trek. Tratando-se de um dos franchises
mais poderosos do cinema e da televisão era um risco tremendo. Foi um sucesso
estrondoso. Não só realizou o melhor filme da colecção Star Trek (que já conta
com 12), como realizou um dos melhores filmes de ficção-científica de sempre.
Conseguiu unir a tradição e toda a cultura construída ao longo de anos em redor
da criação de Gene Roddenberry, e ao mesmo tempo dar-lhe uma segunda vida.
Muitos dos trekkies (vulgos fãs hardcore da saga) revoltaram-se contra o
filme, alegando que era “demasiado Star Wars, e muito pouco Star Trek”. Mas
essa gente, pela parte que me toca, pode ir morrer longe, numa nuvem de gás
tóxico.
As expectativas para a sequela do filme eram elevadas, como é natural.
Foram cumpridas? Hmmm… Em parte sim, em parte não. Este “Into Darkness” tem a
matriz genética de J. J. Abrams. É fabuloso do ponto de vista visual, técnico,
épico, e tudo aquilo que nos leva ao cinema. Mas isso para mim não chega. Bem
sei que o cinema hoje-em-dia é feito para um amontoado de gente acéfala sem
capacidade intelectual para distinguir a mão direita da mão esquerda, mas isso
não é desculpa para cada vez mais se desinvestir no argumento dos filmes. Os
escritores são os mesmos do filme anterior, mas a história fica a anos-luz do
mesmo. Alguns dos diálogos são manifestamente maus, ao ponto de termos cenas em
que o Capitão Kirk, armado em sopeira, se dá ao trabalho de discutir os
problemas no namoro entre Spock e Uhura…
A história está repleta de incoerências, daquelas que um miúdo de 8 anos
com um Q.I. médio detecta sem se esforçar muito. E a maioria delas são feitas
propositadamente apenas para justificar “mais um cenário uaaaaau”. E isso é uma
boa parte da razão do que mancha este filme. A maioria das cenas é arrastada
até à exaustão, quase como um livro onde 75% das páginas são palha. Começando
logo pela cena de abertura. Não vou fazer qualquer spoiler, dado que é algo que surge logo nos trailers. Em vez de optar por “BAM, houve um atentado”, perdem
alguns 20 minutos a filmar um criancinha no hospital, que está doente, e os
pais estão desesperados, e então aparece o mau da fita, a oferecer-lhes uma
salvação miraculosa para a filha, mas que em troco disso o pai terá que
rebentar uma bomba matando não sei quantas dezenas de pessoas, blábláblá,
melodrama completamente estúpido, blábláblá, passaram-se 20 minutos. E o resto
do filme cai repetidas vezes neste ciclo. Cada cena de porrada demora
três-quartos-de-hora, sendo necessário filmar cada tiro, cada explosão, cada
salto, cada “ai-meu-Deus-do-céu-vou-morrer-vou-morrer-olha-afinal-não-vou”. O
filme, com mais de duas horas, tem basicamente quatro cenas. Agora é só “preencher
os espaços em branco”.
Depois há a questão Kirk vs Spock. Estamos a falar de duas das
personagens mais míticas do folclore pop
do século XX. No Star Trek original o Capitão Kirk era um rebelde ousado, capaz
de arriscar aquilo que os outros mais temiam. No filme anterior, Chris Pine fez
um trabalho extraordinário em recriar Kirk, mas não sei por que carga de água
alguém se lembrou de “re-imaginar” este novo Kirk como uma espécie de puto
lunático e de birras que só faz asneiras sem pensar. É frustrante. Uma coisa é
alguém irreverente, que desafia as regras, e a quem nós não hesitaríamos em
seguir, outra coisa é um puto idiota que gosta de se armar em Justin Bieber e “siga
pra bingo”. Mau. Por outro lado, Spock, sendo de longe a personagem mais
popular de Star Trek, continua a estar em alta. Mérito de Zachary Quinto, que
tem feito um trabalho excepcional, e que mesmo a ter que aturar estupidez
melodramática e “discussões amorosas com a namorada a meio de uma batalha”,
continua a ser a principal âncora do filme.
Mas calma, isto não acaba aqui. Ainda tenho que dar porrada no Simon
Pegg, vulgo Scotty. Toda a gente se lembra do engenheiro rezingão Escocês. Como
é que isso degenera nesta nova versão “escocês histérico saído de um filme de
comédia que corre de um lado para o outro a esbracejar como um Zé Castelo
Branco com o período”? Mau. Mau. Mau. No primeiro filme a coisa ainda passava.
Neste… ugh! Safa-se o Karl Urban, que faz um Bones à altura, embora tenha sido
relegado para segundo plano, já que os novos autores decidiram destruir a
trindade original Kirk-Spock-Bones, alterando-a para a trindade
Kirk-Spock-Uhura. E, convenhamos, que se a Zoe Saldana interpreta uma mulher
inteligente e decidida no primeiro filme, neste serve apenas como babe-para-fazer-os-homens-babar.
Falando em babes, alguém teve a
brilhante ideia de introduzir uma louraça bombástica, cuja única função no
filme é pousar de mão na anca, em lingerie,
em frente ao Kirk. Tal e qual, como num catálogo da Victoria’s Secret. Esta
cena é de tal forma estúpida, que qualquer pessoa que tenha dois neurónios só
pode fazer um facepalm em velocidade warp. As gajas boas em escassas vestes
sempre foram uma constante em Star Trek (o que a malta só tem a agradecer), mas
chegar a um ponto tão ridículo… não! Além do mais, a menina interpreta a
Doutora Carol Marcus. Para os mais desconhecedores do lore Trekiano, é com esta moçoila com quem o Kirk vai ter um filho
(se seguirem minimamente a história original). Por fim, embora a esta Alice Eve
eu desse um 10 em 10 num catálogo da Victoria’s Secret, enquanto actriz
confesso que nem a metade da escala chegaria…
Costuma dizer-se que o melhor guarda-se para o fim, e era isso que eu
esperava fazer com o vilão. Lembram-se de eu ter falado de Benedict Cumberbatch
(o Sherlock, do último post)? Pois
bem, foi a ele que coube a tarefa de interpretar o papel de Khan. Infelizmente,
a capacidade de os argumentistas trabalharem a história com pés e cabeça foi
tão reduzida, que Cumberbatch nem teve grande oportunidade de dar vida à
personagem. Tem direito a meia-dúzia de cenas, e pouco mais do que isso. Um
desperdício absoluto. Mesmo assim, faz um trabalho extraordinário, literalmente
fazendo omeletas sem ovos. Mas, na comparação com o Nero do filme anterior… nem
há comparação possível. Chegamos ao fim do filme com a sensação de que é um
tipo muito forte, que leva uns socos e aguenta-se em pé, e pouco mais.
E é em Khan que se centra a grande falha do filme. Ou, aliás, na
tentativa de o recriar. O filme “A Ira de Khan” (1982) é uma espécie de vaca
sagrada para os fãs de Star Trek. É o supra-sumo do franchise. E este novo filme é uma pálida tentativa de fazer um remake do original.
Bom, momentaneamente vou entrar em “modo spoilers”, portanto quem ainda não viu o filme, passe à frente, se
faz favor.
ALERTA DE SPOILERS
Pois bem, “A Ira de Khan” é o momento mais alto do Star Trek original,
não só por ser um excelente filme, com um tremendo vilão, mas essencialmente
porque é o filme onde se aprofunda a tensão dramática, e se explora a amizade
entre Kirk e Spock. Nesta nova era, a relação entre ambos é manifestamente
pouco convincente. Passamos mais de metade do tempo a tentar perceber por que
razão é que não se matam um ao outro, do que propriamente a assimilar a
profunda amizade e confiança cega entre ambos. O filme original é de uma
importância imensa porque, entre outras coisas, termina com a morte dramática
de Spock. É um momento de
excelência cinematográfica. I have been –
and always shall be – your friend. (link) Mas neste universo alternativo, para além de copiarem metade das frases
emblemáticas, lembraram-se de fazer a coisa ao contrário. “Então e se desta vez
fosse o Kirk a morrer, e o Spock a berrar: KHAAAAAAN!”. Lamento, está longe de
ser uma ideia genial. E quando comparado lado-a-lado com o original… yuck!
E depois temos os orcs. Ou, perdão, os klingons. Sim, os famosos mauzões
de Star Trek. Aparecem aqui pela primeira vez. Mas há um ligeiro problema,
quanto a mim… Digamos que “apareceram no livro errado”. Alguém deve ter achado
que estavam a filmar mais um “Senhor dos Anéis”, e então os novos klingons são
basicamente orcs de olhos azuis com anéis na testa.
(momento de pausa
prolongada)
FIM DE SPOILERS
Enfim, já vou com 4 páginas de texto, e ainda nem apontei metade dos
erros grosseiros que o filme tem. Eu não queria deixar a sensação que se trata
de um mau filme, mas há coisas tão básicas como o facto de a Enterprise estar sob ataque, a
desfazer-se aos bocados, e metade dos figurantes continua a desfilar pelos
corredores da nave como se estivesse a passear num centro comercial (é para
estes pormenores que existe um Director Artístico para dar uns tabefes no
realizador quando necessário).
Resumindo, quem for com a ideia de ver um bom filme de entretenimento,
com excelentes cenários, e um ritmo muito bem conseguido, não vai certamente
queixar-se. Quem, por outro lado, for com expectativas de ver um filme digno da
chancela Star Trek, e começar a compará-lo com outro filme que foi realizado há
precisamente 31 anos… sai do cinema a berrar tosh gahk naborrrrkkhhh ptui!
Que em klingon quer basicamente dizer: tirem-me deste filme.
Pelo Melhor:
Os cenários sempre fabulosos. O ritmo frenético do filme, sempre muito
bem marcado, e nunca dando espaço para adormecer.
Pelo Pior:
A incapacidade de escrever um argumento sólido. O popularismo pimba que
visa a piadinha fácil para adolescente americano perceber. A opção por explorar
(mal) a nostalgia, como “receita garantida”, em vez de apostar em novos rumos,
e novas ideias, o que aliás é o espírito original de Star Trek: to boldly go where no man has gone before.