Música. Literatura. Cinema. Banda Desenhada. História. Portugal. Cultura. Sociedade. Uma perspectiva sobre o que a Humanidade faz de melhor. De Beethoven a Jodorowsky. De Dune a SPQR. Gnothi Seauton.
Há precisamente um ano coloquei aqui no Gnosei Seauton o seu último artigo.
Quando iniciei esta aventura “bloguística”, em 2011, não contava que fosse
coisa para durar. Afinal já lá vão mais de 5 anos. No entanto, o facto de não
haver um tema unificador sempre fez deste blogue um caldeirão de coisas
díspares, sem qualquer fio condutor. Entendi por isso abandoná-lo, e entretanto
criei um blogue novo, dedicado aos temas com que mais me identifico, ou sobre
os quais sinto que faz mais sentido escrever: História, Arte, e Literatura. Uma
aposta numa cultura mais nobre.
A todos os que por aqui passaram, obrigado pela atenção
dispensada a estas deambulações. Caso haja alguém interessado em continuar a
ler as esporádicas publicações alusivas aos temas mencionados, fica feito o
convite: https://imperiumxxi.blogspot.pt/
Ele há coisas do diabo… Ando a aguardar por Dezembro de 2015, por alturas
do lançamento do “Episódio VII”, para finalmente escrever sobre John Williams,
o meu compositor de eleição. Quis as voltas que este mundo dá que eu acabasse,
inesperadamente, a escrever sobre James Horner. E é com tristeza que o faço,
postumamente.
Não posso dizer que James Horner estivesse entre os meus compositores
preferidos. Tive sempre a sensação que alternava entre o muito bom e o muito
mau, e meti na cabeça que o fabuloso “The Planets”, de Gustav Holst (uma das
obras mais influentes, e menos conhecidas do século XX), lhe tinha servido
repetidas vezes de inspiração. “Conheci-o” pelos finais dos anos 90, graças às
bandas sonoras de Titanic e Braveheart. O tempo deu-me a
oportunidade de explorar muita da sua música, nomeadamente as peças mais
originais como o fabuloso, inspirador, comovente, brilhante “Elora Danan”, da
banda sonora de Willow. E, acreditem,
quando digo “muita da sua música” é apenas uma gota no oceano. Vale a pena dar
um salto ao IMDB ou à Wikipedia para ter noção da dimensão da obra de Horner.
Apesar de o único Oscar da sua carreira ter sido ganho em Titanic (com um trabalho fabuloso), não
há como não colocar Braveheart no
topo de qualquer escala. É uma das melhoras bandas sonoras de todos os tempos,
e a prova do talento de James Horner. A variedade de temas, a inspiração escocesa,
o respeito pela cultura e pela linguagem “daquilo que estava a representar”
fazem daquela obra um marco cultural único. Do sublime tema principal, ao
estrondoso “Mornay’s Dream”, ao arrepiante “Freedom”, ao sussurrante “For the
Love of a Princess”, ao épico-que-faz-tremer-a-terra “The Battle of Stirling” é
difícil encontrar um tema entre os dezoito da banda sonora que seja menos do
que perfeito.
Das incontáveis horas que passei a sonhar na minha “pós-infância”
agarrado aos phones, muitas devo-as a James Horner. Tenho para com ele uma incobrável
dívida de gratidão, comovida, enquanto apaixonado por música
instrumental-sinfónica-clássica. Não tenho dúvidas que perdemos um dos grandes
músicos do nosso tempo, um dos artistas a que nos referimos com “a” maiúsculo.
Resta-nos fazer perdurar o seu legado, imortalizando-o, para que a sua voz não
se perca.
The Battle of Stirling (Braveheart
OST, 1995)
Elora Danan (Willow OST,
1988)
P.S. Façam um favor a vocês mesmos, e não se fiquem pelo “The Battle of
Stirling”. Ouçam a banda sonora completa, e depois tentem imaginar a cena do
grito sem aquela música.
Em 1979 o Mastermind George Miller inaugurava uma
das séries mais desconcertantes da História do Cinema. Mad Max foi um hino aterrador a uma sociedade pós-apocalíptica
imersa numa violência nunca antes vista no grande ecrã. Gasolina, sangue, e uma
ausência absoluta de moral deram uma nova dimensão à expressão “a ferro e
fogo”. Trinta anos mais tarde, será que a fórmula ainda resulta?
Jazus! Resulta, e de que maneira…
Quando vi o trailer deste 4º filme da saga, o
meu coração engrenou a 5ª e acelerou a fundo. Mad Max é uma das minhas “coisas sagradas” desde que vi os filmes
originais pela primeira vez, devia ter uns 12 ou 13 anos. Fiquei fascinado. É
estranho um miúdo ver algo tão fora do normal e não se tornar um psicopata.
Aquilo era a negação de tudo o que o mundo normal possuía. Não havia heróis,
não havia regras, não havia sociedade. O ambiente bárbaro e selvagem de Mad Max só tinha paralelo na banda
desenhada de Savage Sword of Conan –
outra das minhas “coisas sagradas”. Portanto, escusado será dizer que as minhas
expectativas para este filme ultrapassavam largamente os limites do razoável.
Creio que é a primeira vez que coloco a fasquia tão alta e não me desiludo.
Sempre que falo
de cinema digo que é preciso analisar cada filme consoante o objectivo a que
este se propõe. Quem entra numa sala de cinema para ver Mad Max vai à espera de ver um ensaio visual carregado de
supercarros, homens loucos e violentos, e uma distopia absoluta em relação ao
mundo em que queremos viver. Este filme não desilude num único grão de areia. Mad Max – Estrada da Fúria é um dos 10
melhores filmes de acção de todos os tempos.
Aqui não
queremos história, não queremos grandes diálogos, dispensamos melodramas. Não
queremos filosofias, conjecturas, ideologias. Queremos pólvora, sangue,
adrenalina, e todas as coisas tóxicas e não recomendadas a cardíacos. Almejamos
aquela beleza decadente de um apocalipse. E a parte mastermind de George Miller é que nos consegue dar tudo isso, e
ainda fazer um filme com mais sociologia, filosofia e visão do que todos os
outros que carregam essa pretensão.
A realização é
de sonho. É quase impossível dissociar realização, montagem e fotografia neste
filme. Tudo faz parte do mesmo motor bem oleado. Cada frame do filme é uma lição de bom cinema. A isto junta-se uma
direcção artística que cria imagens inesquecíveis, de personagens vestidas e
maquilhadas no estilo único da saga, com uma linguagem própria, e com carros
que transcendem o conceito de criatividade. São 120 minutos das coisas mais
belas que o Cinema consegue pensar. Se no Avatar
de James Cameron temos a beleza da fauna, da flora, e da esperança no futuro,
aqui temos a antítese. Isto é areia, com óleo, granadas, trapos velhos, sucata,
mas filmado e produzido com uma sedução inexplicável. É difícil fazer um filme
de duas horas onde a única coisa que se passa é uma perseguição ao ritmo da
nitroglicerina, e que nunca aborrece.
E para tornar o
que já é excelente em perfeito, junte-se a isto uma banda sonora magistral
criada por Tom Holkenborg aka Junkie
XL. Não sei o que dá a fusão de Verdi com rock, mas certamente passei duas
horas a ouvi-lo. É preciso muito arrojo para querer colocar quase duas horas de
música num filme tão intenso, mas, tal como diz no cartaz: MASTERMIND George
Miller. A música rock-operática-frenética é o clímax orgástico que transporta o
filme para a transcendência. Carros a explodir, loucos a voar, violência
absoluta, tudo ao som de Heavy Metal fusionado com Rock electro-sinfónico…
Caramba, já nem sei o que estou a escrever! Este Mad Max é mesmo assim. Tem um efeito alucinogénio em qualquer
pessoa.
Vale a pena
falar dos actores só para enaltecer o trabalho fabuloso de Nicholas Hoult, o war boy que é a surpresa do filme.
Interpreta uma personagem que encarna toda a loucura inexplicável da história.
E é de longe a personagem de todo o filme com quem sentimos maior empatia. Os
veteranos Charlize Theron e Tom Hardy cumprem bem os seus papéis, com Charlize a
dar vida a uma intensa Imperator Furiosa, que carrega aos ombros toda a
dinâmica da história (e faz-me perguntar se o filme em vez de se chamar Mad Max
não deveria chamar-se Mad Furiosa, tal é a dimensão da personagem no filme), e
Tom Hardy a reinterpretar o anti-herói que surge agora com mais de “Mad” do que
de “Max”. Julgo, no entanto, ser justo dizer que, apesar de Hardy estar muito
bem no papel, fica a anos-luz de Mel Gibson. Até tenho pena que não tenham
agarrado na história de modo a que Hardy fosse um “Max Júnior”, contracenando
com o “Max Sénior”. Mas Hardy está livre de culpas, dado que o filme não está
escrito para a sua personagem, e ele apenas carregou o nome do protagonista.
Mais do que em qualquer um dos outros filmes da saga, aqui vemos o Max
solitário, que não cria raízes, e que se mantém sempre em movimento. Sem laços,
sem ambições, sem remorsos.
Passaram-se
trinta anos, e o fenómeno aí está novamente na ribalta. A ligação com os filmes
anteriores é subtil, e muito bem feita (os relances das criancinhas que Max –
aparentemente – não conseguiu salvar, o V8, a caixa de música). E este é outro
dos pontos fortíssimos do filme: não há cá perdas de tempo a explicar o que se
passa, ou o que se passou. É assim, e ponto final. Não há cá cenas mortas a
contar a história toda da carochinha, tudo muito mastigado, para que todos os
idiotas percebam. Tudo é introduzido na história sem qualquer explicação, ou
justificação. É assim, e interpretem como quiserem. Isto é Arte, meus amigos.
Tanta gente em Hollywood que tem tanto a aprender com este filme.
Por fim, o
toque de génio ao conseguir satirizar/criticar o mundo actual, de uma forma tão
velada que muita gente acaba a ser ridicularizada no filme sem sequer se
aperceber de que o está a ser. É o caso dos momentos “observa-me”, dirigidos
aos asnos que cultivam a sua própria imagem nas redes sociais e restante mundo
digital. É o caso dos imbecis que, incapazes de pensar, praticam o culto do
líder, que se aproveita da falta de inteligência e cultura dos que o rodeiam
para ascender ao lugar de “querido líder”. E devo dizer, com uma gargalhada de
profundo e rotundo desprezo, que acho divino o facto de haver tanta gente a
dizer mal do filme por ser “demasiado feminista”. Por favor, parem! Já não
aguento de tanto rir. Um dos males da Democracia é dar espaço para que tanta
gente estúpida expresse a sua opinião.
Mad Max – Estrada da Fúria é um dos
maiores colossos cinematográficos da década. A quantidade de mensagens que o
filme bombardeia aos espectadores é impensável para um filme de acção. Nem os
filmes de Neil Blomkamp conseguem ter tanto sumo. E tudo isto no meio de uma
tempestade de explosões, aço retorcido, e cabeças a voar. Como é que é possível
ocultar tanta consciência num filme que, contas feitas, é “apenas” uma corrida
de carros a explodir no meio do deserto.
O miúdo de 12 ou
13 anos só consegue sorrir, cheio de adrenalina, e gritar emocionado: Oh, what a day! What a lovely day!
Pelo Melhor
A criatividade
aliada ao saber fazer. Há ideias
muito boas, mas que na prática não são bem executadas, e há gente com talento
que não tem o toque da criatividade. Mad
Max junta o Bom ao Excelente. É um produto único, sem qualquer coisa que se
lhe assemelhe, e executado com toda a perfeição. Realização, Música,
Fotografia, Montagem, Efeitos Especiais, Direcção Artística, Guarda-Roupa,
Maquilhagem, Interpretação, Argumento. Tudo em absoluta harmonia. É um carro de
alta competição afinado até à perfeição.
Pelo Pior
LOL. Vá lá,
depois de tudo o que acabaram de ler acham mesmo que há alguma coisa a escrever
neste espaço? Bom, como eu também sou um MASTERMIND, até consigo arranjar algo,
não “Pelo Pior”, mas “Pelo Menos Excelente”.
SPOILER ALERT:
Olhando com atenção para o filme, este termina exactamente onde começa: na
Cidadela. Ao longo do filme vemos que a Imperator Furiosa é uma mulher
inteligente, grande guerreira, e cheia de recursos. Ora, se no final ela é
aclamada por ter o cadáver de Immortan Joe aos pés (com isso despertando a rebelião)
… não teria sido mais simples matá-lo e assumir desde logo o controlo da
Cidadela?
Pois, mas assim
não haveria razão para as duas horas de perseguição cheias de adrenalina. ;)
Saudações patrióticas! Esta é a segunda vez em dois
anos que falo de cinema Português. Tendo em conta que nas anteriores três
décadas nunca havia visto (no cinema, pelo menos) qualquer filme na mais nobre
língua da Humanidade, sinto-me a transbordar de patriotismo. Mas, importa
perguntar: terei eu gostado tanto de "Capitão Falcão" como gostei de
"A Gaiola Dourada"?
Há já uns dois anos que ando a
"ouvir coisas" deste projecto. É o que dá viver em Portugal, esta
imensa aldeia onde há sempre alguém que é amigo do amigo de um amigo do
realizador do filme. Inicialmente até nem estava muito atento à coisa, mas
quando há cerca de um ano vi o primeiro trailer... Opá, é difícil resistir a um
super-herói Português, com bigode (obviamente), a desancar em comunistas vestidos
de fato-macaco armados com foices e martelos!
Pois bem, Capitão Falcão é
uma delícia! Um daqueles "prazeres culpados" (este é um texto
patriótico, portanto nada de utilizar estrangeirismos) que nos fazem bem à
alma. Para quem foi raptado por comuninjas,
e tem passado os últimos meses aprisionado numa cave escura, há que dizer
que Capitão Falcão é um filme de super-heróis passado no
Portugal da década de sessenta, onde o intrépido Capitão Falcão e o seu leal
companheiro, Puto Perdiz, defendem Portugal e o Senhor Presidente do Conselho,
António de Oliveira Salazar, das ameaças do Comunismo e da Democracia. Sim, é
uma comédia. Convém explicar isso desde já, não vá dar-se o caso de algum
Espanhol estar a ler isto. Mais: é uma comédia politicamente incorrecta, e com
doses de nonsense (ooops,
estrangeirismo) muito ao estilo da comédia Britânica.
Há dois tipos de reacção possível ao
filme: há quem delire com algo tão estapafúrdio, que tem a inteligência de não
querer passar por "pseudo-humor pseudo-intelectual", e que soltará
sonoras gargalhadas a cada "bolo de arroz" (não vou explicar), e há
quem ache isto "uma coisa totalmente estúpida, ridícula, e sem qualquer
nexo". As pessoas que se enquadram no segundo tipo são, por definição,
Espanhóis.
O humor em Capitão Falcão é disparatado, absurdo, delirante, e é uma sátira hilariante
que conjuga um Portugal bafiento com um "Batman Pop Anos 60". E é de
chorar a rir. Há frases tão bem colocadas que ficarão na memória ao jeito de um
"Why so serious?". O texto é deliciosamente inoportuno, e isso faz-me
dar saltos de alegria na cadeira. Estou mais do que farto desta sociedade
amorfa e borrega onde ninguém pode usar expressões que possam eventualmente
ferir a susceptibilidade de qualquer indivíduo coitadinho que fique com traumas
psicológicos para o resto da vida porque ouviu uma expressão feia que não se
pode reproduzir. Religião? Raça? Género? Nada escapa ao mordaz argumento do
filme. É, repito, um "prazer culpado".
É curioso ver que muitos dos envolvidos
no filme estão de alguma forma ligados ao extraordinário "Odisseia",
da RTP, de que falei na altura (link),
e que foi das coisas mais brilhantes de produção nacional nos últimos anos (que
infelizmente passou meio despercebido no meio da tanta bosta com que as nossas
simpáticas televisões nos brindam). Pelo meio, há um sem-fim de referências a
outros filmes e séries. A principal, como não poderia deixar de ser, é a série
do Batman dos anos 60 (as cenas na mota com sidecar são
primorosas), mas também há Guerra das Estrelas, Monty
Python e o Cálice Sagrado, Power Rangers, os filmes de artes
marciais do Jacky Chan e companhia.
A parte menos boa do filme será porventura a direcção
de actores. Não será um problema específico do filme, mas mais uma questão com
o "estilo Português". Fico sempre com a sensação que os nossos
actores estão a declamar, ou então assumem uma postura mais adequada ao teatro
de revista. Gonçalo Waddington (mas que raio de estrangeirismo anti-patriótico!!!)
já demonstrou ser um bom actor (relembro: Odisseia), e aqui assume
uma onda muito over-the-top a beber um pouco dos trejeitos de
Herman José nos seus saudosos sketches. Curiosamente, o actor que
me pareceu melhor em todo o filme é precisamente um dos que nem abre a
boca: Luís Vicente, que faz de Lenine, o mestre do transformismo (Bolo
de Arroz?). Tenho pena que Nuno Lopes tenha "passado de raspão"
pelo filme (é o mítico comuninja),
pois é muito provavelmente o melhor actor Português da actualidade. Haja
esperança por algo mais para um Capitão Falcão 2 (há cena
após os créditos que para isso aponta!).
Não se pode falar de Capitão
Falcão sem falar da banda sonora. Não sei se terá sido João Leitão (o
realizador) a convidar Pedro Marques para tratar da música do filme, mas ao
autor da ideia só consigo dizer: MUITO OBRIGADO! Que trabalho GE-NI-AL. A
inspiração "pop-Batman-60's" a imprimir um cariz vibrante e cheio de
energia ao filme é um deleite. A qualidade da música é verdadeiramente fabulosa
e carrega o filme às costas. Já tentei procurar por mais informações sobre
Pedro Marques, mas o Google não me ajudou muito. Mas quero estar atento ao
trabalho deste senhor. Tal como Spielberg disse que metade do sucesso dos seus
filmes se devia à música de John Williams, também João Leitão o pode dizer em
relação a Pedro Marques. Aqui, temos Duo Dinâmico!
Julgo ter dito o que havia a dizer sobre
Capitão Falcão. Haverá certamente muita gente cinzenta, que se leva demasiado a
sério, e que não saberá apreciar uma sátira ligeira, sem compromisso, que faz
um elogio ao absurdo, e joga com um sem-fim de influências divertidas. E, mais
do que tudo isto, demonstra que FAZER HUMOR não é meramente dizer dez vezes
merda e mais umas quantas caralhadas, e de seguida rir de forma boçal.
Resta-me terminar este artigo brindando
todos os patrióticos leitores deste blogue com um sonoro:
ÉS PORTUGUÊS OU ÉS ESPANHOL?!?!?!
ÉS PORTUGUÊS OU ÉS ESPANHOL?!?!?!
Pelo Melhor
Além da já referida extraordinária
música, o genuíno talento Português de rir de nós próprios. Ser inconveniente,
arriscar, procurar fazer algo fora do habitual. Vai sendo raro nos dias que
correm. Fazer rir num país cada vez mais triste é obra! Obrigado.
Pelo Pior
Lembrar que os pais de D. Afonso
Henriques eram Espanhóis! HERESIA! Isto é mais ofensivo do que insinuar que
eram... COMUNISTAS!!!
E como neste
blogue também há cenas extra após os créditos, tomem lá que vale a pena:
O mundo
civilizado assistiu repugnado, na semana passada, às imagens difundidas por um
determinado grupo onde era visível a destruição de monumentos e obras de arte
com vários séculos. Este artigo podia ser um longo texto a destilar ódio
perante o sucedido. Felizmente, sou Português, e Europeu, o que muito me honra
e orgulha, mesmo com todas as coisas erradas que possam existir na nossa
sociedade. Como tal, responderei da forma que mais se coaduna nesta minha
condição: fazendo o esforço possível para enaltecer e fazer perdurar a memória
que o referido grupo procura apagar.
Muitas das
estátuas destruídas no Museu de Mosul (Iraque) provêm da civilização Assíria,
tendo entre 2500 a 3000 anos. Falar do Império Assírio num único artigo de
blogue seria uma tarefa inconcebível, dada a sua extensão, a sua importância, e
o que significou para a História da Humanidade. Não tenho a pretensão de dar
lições de História a ninguém, mas tentarei fazer um enquadramento, enquanto
leigo, daquilo a que estou a aludir.
Tal como todos
os grandes impérios, atravessou inúmeros séculos, teve períodos de grande domínio,
e entrou, eventualmente, em declínio. Para termos uma rápida noção da
importância da civilização Assíria, esta é uma das que incorpora aquilo que é
geralmente conhecido como o “berço da civilização”, localizado no Crescente
Fértil da Mesopotâmia (toda a região desde o sudeste da Turquia até ao Golfo
Pérsico). Ainda Roma mal acabara de nascer (753 AC) quando o Império Assírio
via os seus últimos dias, marcados por séculos de luta contra o Egipto, a
Babilónia, e restantes vizinhos.
No seu apogeu,
a civilização Assíria foi um marco do Conhecimento, com amplas bibliotecas, e
um portento cultural em termos arquitectónicos e artísticos. Muitos de nós
reconhecerão facilmente os baixos-relevos, em alabastro, com guerreiros de
barba encaracolada montados em carros de combate puxados por cavalos,
geralmente representando cenas de guerra com arqueiros, e caçadas a leões.
Igualmente, reconhecemos facilmente os touros alados com cabeça de homem,
criaturas míticas que eram colocadas a proteger os magníficos portões, e
muralhas, das cidades. Estes touros alados são conhecidos como lamassus – porventura os aficionados de
jogos de computador já se terão cruzado com referências a estas criaturas em
alguns jogos como o Diablo, e outros
do mesmo género. Um destes touros alados encontrava-se nos portões de Nergal, nas
muralhas da cidade de Nineveh, umas das mais gloriosas cidades Assírias.
Se reconhecemos
facilmente estas obras é graças ao Museu Britânico, que alberga uma
impressionante colecção de artefactos Assírios. Tive o distinto prazer de as visitar
há pouco mais de seis meses. E o que me levou a escrever este artigo foi
precisamente a vontade de combater esta intenção de apagar a memória que nos
liga aos nossos antepassados. Hoje, somos o que somos graças à nossa História,
à evolução constante das nossas civilizações, às lições que fomos aprendendo,
aos erros que fomos cometendo, aos fracassos e sucessos que alcançámos. O pouco
que posso fazer é partilhar, enquanto grande apaixonado por História e Arte, as
fotografias que tirei no Museu Britânico dos artefactos Assírios. Porque esta é
a única resposta que os homens dignos e civilizados podem dar. Espero que
possam apreciar estas imagens, e se um dia forem a Londres, por favor reservem
uma manhã para ir ao Museu Britânico visitá-las.
(Nota: clicando nas imagens é possível aumentá-las)
Museu Britânico - Galeria Assíria
Museu Britânico - Galeria Assíria
Colossal statue of a winged lion from the North-West
Palace of Ashurnasirpal II, 883-859 BC
Caso não tenham
possibilidade de visitar o Museu Britânico, então um salto ao Museu Calouste
Gulbenkian, em Lisboa, permite ter um breve relance daquilo a que me refiro: link
Para quem, tal
como eu, se interessa por História, e quer aprender um pouco mais sobre esta
civilização, sugiro um passeio pelo deslumbrante “Ancient History
Encyclopedia”: http://www.ancient.eu/assyria/
A noite não
comunica com o dia. Arde nele. Levam-na para a fogueira ao alvorecer. E,
juntamente com ela, a sua gente, os beberrões, os poetas, os amantes. Nós somos
um povo de degenerados, de condenados à morte. A ti não te conheço. Conheço o
teu amigo turco; é um dos nossos. A pouco e pouco desaparece do mundo, engolido
pela sombra e pelas suas miragens; somos irmãos. Não sei que dor ou que prazer
o empurrou para nós, para o pó de estrela, talvez o ópio, talvez o vinho,
talvez o amor; talvez alguma obscura ferida da alma, bem escolhida nos recessos
da memória.
Ninguém começa um livro desta forma.
É daquelas aberturas ao nível de "Um Conto de Duas Cidades", onde a
velocidade das palavras se sobrepõe a qualquer espécie de "situação de
abertura" para enquadrar o leitor na acção. O livro começa assim, e nunca
mais abranda.
"Fala-lhes de Batalhas, de Reis
e de Elefantes" é uma daquelas obras inesperadas que nos caem nas mãos com
uma violência inusitada. Isto não é um livro. Antes, é um devaneio estridente
de um fôlego único que atropela as palavras antes sequer destas surgirem na
mente. E é brilhante.
Mathias Énard tenta fazer-nos entrar
na mente de um dos maiores génios da Humanidade (o maior?): Michelangelo
Buonarrotti. E agora a pergunta para um milhão de Euros: como é a mente de um
génio criativo da magnitude de Michelangelo? Exacto, um turbilhão alucinante de
ideias, cores, poesia, música, arquitectura, raiva, frustração, cheiros -
respirar fundo! - pessoas, aves, movimento, desejo, emoção, línguas, ferramentas.
E o livro é-nos servido desta forma, numa sequência de mini-capítulos que
acompanham uma fictícia viagem do Mestre a Constantinopla, em segredo, como
forma de se vingar do Papa Júlio II, e oferecer os seus dotes de artista ao
Sultão.
Michelangelo tem uma ponte para
projectar, mas isso é um mero pormenor na história. Os cinco sentidos do génio
devoram tudo o que o rodeia.
Há capítulos que arrancam em alta velocidade onde apenas figuram listas
enormes de ingredientes, aqueles que Michelangelo encontra nos mercadores
azafamados por onde passa. Não existe verdadeiramente uma história contida
neste livro. O que há são os estímulos sensoriais que a personagem assimila
neste dia-a-dia alienígena.
Esta talvez seja a altura indicada para referir a tradução. Das primeiras
coisas que me saltou à vista quando olhei para a capa foi a referência “Tradução
de Pedro Tamen” em letras de tamanho consideravelmente generoso. Ora,
exceptuando aqueles casos em que temos “As Minas de Salomão, com tradução de
Eça de Queirós”, não é propriamente habitual ver o nome do tradutor merecer
tamanho destaque na capa. Neste caso é perfeitamente justificado. A beleza do
texto na imortal Língua de Camões é marcante. O exotismo de conciliar vocábulos
como “dragomano”, “caravançarai”, ou “janízaros”, com a restante prosa,
fazendo-o com o alto nível que o texto merece, é verdadeiramente razão q.b.
para ter destaque na capa.
Mas voltemos à história, para referir a ampla dimensão de uma obra tão curta,
que se esvai em meia-dúzia de saborosas páginas, para mencionar o apetitoso que
é ver as rivalidades entre Michelangelo e
Rafael, ou Bramante. Ver o humor de chamar “Júlio” ao macaco de estimação que
lhe faz companhia. E perceber que tudo isto se pode enquadrar tão bem com uma
personalidade voraz como a do génio Florentino. Muitas recriações históricas
acabam por estragar as personagens em que se baseiam por mera idiotice dos
autores, que preferem inventar escândalos sexuais, ou outras parvoíces que
tais, e que pouco ou nada têm a ver com a personalidade da personagem. Mas aqui
é precisamente o contrário. Todos os pensamentos mundanos parecem assentar que
nem uma luva nesta fascinante personagem.
Não tenho talento para conseguir
explicar por meras palavras a satisfação que é ler, e poder ter livros destes
nas mãos. A tristeza com que fico quando penso que há tanta gente neste mundo
que infelizmente não pode provar desta Ambrosia.
E a cólera que me assoma às amígdalas quando penso que há gente que perde
dinheiro – e acima de tudo tempo – a ler aqueles belos pedaços de esterco que
geralmente figuram entre as listas de bestsellers.
Eu tenho a sorte de ter amigos fenomenais, com bom gosto, estimulantes, e que
me colocam livros destes nas mãos. Dizer mil vezes obrigado não chega para
mostrar a excitaçãozinha histérica com que fico quando devoro páginas deste
calibre. Ler livros desta qualidade é comer gelados da Carte d’Or com a
caçarola da sopa.
Mathias Énard é um daqueles
escritores a quem o mundo tem a obrigação de estar atento. Demonstrar tamanho
talento para a escrita, aliado à sublevação imperial das palavras que usa, é a
garantia de muitas páginas futuras de elevada qualidade.
Et voilà, ficam assim a
saber, como tinha prometido, qual foi o melhor livro que li em 2014.
E, porque não resisto, mesmo que
corra o risco de transcrever metade do livro para aqui, calo-me muito
caladinho, com mais uns quantos pulinhos de excitaçãozinha histérica, com
apenas mais um, ou dois parágrafos. Ou três. Ou quatro…
A algumas centenas de metros para trás deles, a
montante, ergue-se a forma escura do andaime do botaréu da ponte que Miguel
Ângelo não chegará a ver.
Abraça longamente Manuel, como se fosse outro que ali
estivesse em seu lugar, e depois sobe para bordo. Sente uma dor surda no peito,
e atribui-a ao seu ferimento; sobem-lhe lágrimas aos olhos.
O único objecto que trouxe consigo é o seu caderno,
onde anota algumas últimas palavras, enquanto o navio passa a ponta do Serralho.