Neill Blomkamp. Fixem o nome deste sul-africano. Em 2009 alcançou o reconhecimento
do público com o fabuloso “Distrito 9”, um filme que não está ao alcance de
muita gente (como sabem, o Q.I. não é distribuído de forma equitativa por
todos). Em Distrito 9, Blomkamp recorreu à ficção-científica para metaforizar o
Apartheid, escrevendo um argumento fabuloso e realizando o filme de uma forma
muito crua e quase suja, longe dos takes
limpinhos e bonitinhos a que Hollywood está habituada.
Dito isto, as expectativas que levava para este Elysium estavam um pouquinho altas (se é que nos dias que correm é
possível ter expectativas elevadas em relação a qualquer coisa que chegue ao
cinema…). Assustei-me de início ao ler a maioria das críticas, que arrasavam o
filme. Mas enfim, tal como referido, o
Q.I. quando nasce não é para todos…
É Elysium uma obra ao nível de Distrito 9? Não, não é. Mas não deixa de
ser um belo filme. Algo que caracteriza o trabalho de Neill Blomkamp é a sua
capacidade de pegar em grandes temas problemáticos da Humanidade, e “falar”
deles em linguagem cinematográfica acessível às massas. Se alguém fizer um
filme a falar da segregação racial ou das diferenças entre ricos e pobres,
ninguém perde tempo a vê-lo. Ah, mas se o filme tiver naves espaciais! Ok, aí
já pode ser.
Vamos então ao filme. A história passa-se num século XXII onde o excesso
de população no nosso planeta levou os cidadãos mais ricos a construir uma base
espacial chamada Elysium, para onde foram habitar de forma a poderem manter o
seu modo de vida. A Terra, essa, ficou reservada para as favelas e para os
pobres e indigentes. Ora, não só Elysium é uma espécie de mega resort turístico, com casas de sonho,
amplas piscinas e jardins luxuriantes, como a tecnologia é tão avançada que
cada pessoa tem em casa uma maquineta médica que cura todas as doenças em menos
de 30 segundos. Escusado será dizer que a premissa do filme é fácil de antever:
um dos pobretanas das favelas fica gravemente doente e necessita de chegar a
Elysium para se pôr bom. A história em si é bastante simples. Não há grandes
reviravoltas, não há “coisas surpreendentes”, não há acontecimentos
apocalípticos. Boa parte da negatividade com que o filme está a ser recebido
justifica-se por isso. Onde é que já se viu fazer uma história simples? Então
não há invasões alienígenas, ou o Sol está a explodir e vamos morrer todos, ou…
ou… tipo, sei lá… cenas! Pois é, mas o filme é mesmo simples. É um tipo que
está doente, e procura desesperadamente enganar a morte. Que estranho, não é?
Pois bem, o tal senhor doentinho é interpretado por Matt Damon, do qual
eu não sou grande, grande, fã, porque acho que é um daqueles actores que “fazem
sempre de si próprio”. Vê-lo aqui ou na saga “Bourne” é um exercício de
“descubra as diferenças”. Aliás, recordo-me de há algum tempo ele referir numa
entrevista que não gosta muito de sair deste registo. Está no seu direito.
Digamos que cumpre o papel, mas não cria qualquer empatia com o espectador.
O mesmo “pecado” é cometido por Jodie Foster. O papel que faz no filme é
possivelmente o mais fraquinho da sua carreira. Faz duas coisas durante o filme
todo: ou está sentada numa cadeira e dá ordens, ou anda por corredores… e dá
ordens. Mas sempre de uma forma muito pouco convincente.
Felizmente existe Sharlto Copley, que ninguém conhece, mas que foi o
protagonista de Distrito 9, que faz uma das personagens mais cativantes de que
me lembro de ver no cinema recente. Este tipo é mesmo muito bom. É o
actor-fétiche de Blomkamp, e são ambos sul-africanos (daí falarem tanto
afrikaans nos dois filmes, e haver tantas referências à África do Sul).
Não vou falar de todos os actores secundários, mas há que deixar uma nota
positiva para todos, que são um excelente complemento ao filme (Alice Braga,
Wagner Moura, Diego Luna, William Fichtner).
Passemos à realização. É magnífica. Há cenas de “inspiração visual”, há
cenas de câmara lenta, há cenas de acção explosiva, todas elas conseguidas na
dose ideal, no ritmo perfeito, com tudo no sítio. A direcção artística é um
sonho, os cenários são… literalmente elísios!
O filme não está isento de falhas e excessos. Muito pelo contrário.
Sinceramente, toda a parvoeira do exo-esqueleto/armadura é uma idiotice. Se a
história ficasse pela simplicidade de um homem normal a lutar para chegar ao
destino, só tinha a ganhar. Mas, enfim, há que vender explosões, senão os teenagers do Tio Sam não vão ao cinema
comer pipocas e beber Pepsi XXL. Fiquemo-nos pelo essencial: a história foca-se
nos desfavorecidos, e Elysium aparece quase apenas como um adereço. A
exploração do ambiente de favela está muito bem feita. Denota-se na perfeição o
que o realizador quer mostrar, daí a primeira parte do filme ser muito melhor
do que a parte final, que serve essencialmente para garantir a quota mínima de
explosões e efeitos especiais.
Guardei, propositadamente, para o fim a banda sonora. Ryan Amon, diz-vos
alguma coisa? Pois, a mim também não dizia. Blomkamp foi buscá-lo para assinar
a fabulosa música electrónica que tem temas deslumbrantes. Um misto de electro,
com a típica música épica que costuma pontuar os trailers. E é daí que ele – Ryan Amon – vem: da composição de
música para trailers. E em boa hora
veio, com esta estreia muito promissora. Há semelhanças grandes com outras
bandas sonoras (nomeadamente Oblivion),
mas há um toque pessoal deste jovem compositor que me apanhou desprevenido.
Pesquisem no youtube pelo tema
“Heaven & Earth”, mas entretanto deliciem-se com este fenómeno:
“You Said You’d do
Anything”
(Para quem tiver curiosidade, encontrei uma entrevista interessante com
ele, onde entre outras coisas fala da forma suis
generis de como chegou a este projecto: link).
A ficção científica este ano tem estado em grande destaque na Sétima
Arte. Oblivion, Batalha do Pacífico, Star Trek – Para Além da Escuridão (meh!),
e agora Elysium. No caso deste último, eu atrevo-me a remar contra a maré. Não
entro no “bota abaixo” generalizado. Acho que Neill Blomkamp tem um talento
considerável de disfarçar de ficção-científica os temas sociais importantes da
actualidade, levando os cinéfilos a pensar neles sem se aperceberem de que o
estão a fazer. E isto também é parte da magia do cinema. Este filme é
sustentado numa história mesmo muito simples, mas cuja mensagem(ens) é digna de
reflexão. É provável que no final do filme toda a gente saia do cinema a pensar
“Ah, mas existe um buraco gigantesco no argumento! Se curar as doenças é assim
tão rápido, então por que razão não curam a população toda?”. Mas é aí que está
a importância da história. Hoje em dia também temos os meios para acabar com a
fome no mundo, e erradicar a pobreza. Então porque não o fazemos?
Dá que pensar, não é verdade? Venham mais filmes, Sr. Blomkamp.
Pelo Melhor:
A cena onde o jovem Max fala com a freira do orfanato, e ela lhe diz a
frase mais emblemática do filme, mostrando-lhe uma fotografia do Planeta Terra.
“Lembra-te que, vistos lá de cima, quando olham para nós, também somos tão
bonitos.”
Pelo Pior:
Os excessos desnecessários que por momentos silenciam a beleza do filme.
A armadura é mesmo uma coisa sem razão de existir, e que serve apenas para o
efeito “ena, que fixe, explosões!”