Quando eu era catraio, há coisa de 20 anos, gastava perto de 90% do meu
orçamento (leia-se: mesada) em revistas de BD de super-heróis. Sim, riam-se à
vontade. Passadas duas décadas, nós, geeks, conquistámos o mundo, e o resto é
paisagem. Hoje em dia toda a gente conhece o Senhor dos Anéis, os filmes da
Marvel estoiram com recordes de bilheteira, e a ficção-científica está na moda.
Mas voltemos aos meus tempos de gaiato. Os super-heróis preferidos de
toda a gente eram o Super-Homem ou o Homem-Aranha. Eu sempre detestei o
Super-Homem, e nunca fui excepcionalmente fã do Aranhiço. Toda a bicharada
delirava com os gajos superpoderosos que disparavam raios-laser dos olhos, eram
mais rápidos que a velocidade da luz, ou que eram mega-robots indestrutíveis. Eu
gostava do Capitão América e do Batman. Eram tipos normais (dentro dos limites
em que se acha que um gajo que vive numa caverna com morcegos pode ser
considerado normal). Um era um “dark knight”, o outro um “white knight”.
Quando em 2011 a Marvel anunciou o lançamento de um filme do Capitão
América eu fiquei de pé atrás. Não se trata de uma personagem que possa ter
filmes “iguais aos dos outros heróis”. O Capitão América é para pessoas
inteligentes, não é um “Hulk Esmaga”, nem um “eu sou um gajo indestrutível que
combate contra mutantes cheios de poderes”. Felizmente, a Marvel tem gente
muito inteligente e “Capitão América – O Primeiro Vingador” é de longe o meu
filme preferido da gama de heróis da Marvel. Conseguiram evocar a nostalgia da
personagem carregada de ideais originária na Segunda Guerra Mundial, e fazer um
filme extraordinário. É claro que foi um dos filmes menos populares da Marvel,
bastante longe dos blockbusters do Homem-de-Ferro e dos X-Men. Tal como eu
disse, o Capitão América é para gente inteligente.
Chegados a 2014, eu estava novamente com o pé atrás. Será que conseguiam
fazer um filme digno de ser o sucessor do de 2011? Ou iriam entrar na
“esquizofrenia intergaláctica” do filme dos Vingadores? Bom, tal como eu disse,
a Marvel tem gente muito inteligente.
“O Soldado do Inverno” é o filme perfeito, porque, à semelhança do “Dark
Knight” de 2008, não é um filme de super-heróis. É um filme de soldados,
espiões, homens e mulheres normais a lutar contra os maus da fita. É um “Missão
Impossível” misturado com “James Bond”. Tal torna-se perceptível logo na
abertura do filme. Não começa com coisas a explodir, nem com vilões
estapafúrdios a fazer juras de “world dominance”. Começa com Steve Rogers a
correr na rua, e a conversar normalmente com um ex-soldado como ele. Um Steve
Rogers a tentar habituar-se ao mundo contemporâneo (SPOILERS: ele esteve
congelado mais de 50 anos). Dez minutos depois é chamado para uma missão de
resgate de reféns a bordo de um navio, onde encontra um dos adversários
icónicos da banda desenhada: Batroc, um Francês que dá uns valentes pontapés. E
logo aqui se percebe a distinção entre os filmes do Capitão e os restantes. É
uma sequência de acção, com artes marciais, muito bem feita.
E a partir daqui, o filme começa a ficar cada vez melhor. A história de
fundo está muito bem delineada, com uma reflexão cortante sobre a sociedade
actual. A coragem e a inteligência necessárias para fazer isto num filme de
super-heróis… bravo! Constatar que as
pessoas abdicam voluntariamente da sua liberdade em prol de uma segurança
virtual, e que estão dispostas a abdicar dos seus direitos nesse processo, é o
que diferencia a luta do Capitão América das lutas dos restantes super-heróis.
Aqui não estamos a discutir a invasão de naves espaciais vindas dos confins do
Universo. Estamos, isso sim, a olhar para o mundo à nossa volta e a pensar “até
onde estamos dispostos a permitir que os mais fortes dominem os mais fracos”? A
mensagem política está lá. Bem escondida, subtil, mas visível para quem estiver
atento. E é por isto que o Capitão América é o maior super-herói de todos os
tempos. Porque é o gajo que salta para dentro de um autocarro para proteger os
mais vulneráveis, enquanto os outros gajos andam a voar e a destruir metade da
cidade ao seu redor.
O argumento não está desprovido de clichés, nem de previsibilidades. Já
toda a gente viu 500 filmes de espiões onde “não podes confiar em ninguém”, e
onde há traidores dentro das organizações dos bonzinhos, e onde no final do
filme há a reviravolta que já não causa surpresa a ninguém. Não obstante, é
feito de forma moderadamente convincente.
Um filme destes nunca sobreviveria sem “o toque Michael Bay”, e como tal,
a cada 20 minutos há pelo menos 50 coisas a explodir em simultâneo. Mas, ao
menos, o equilíbrio entre argumento e acção está conseguido, e até acabamos por
apreciar boa parte dos exageros.
Ao nível das interpretações não há muito a dizer. Chris Evans, apesar de
não ter o carisma que se impunha ao Capitão, desempenha convincentemente a
função. A divina Scarlett Johansson é quem mais salta à vista (vá-se lá saber
porquê…), estando como peixe na água no papel da Viúva Negra. Só aqueles
olhinhos são metade do filme… Pelo meio temos Samuel L. Jackson a fazer de
Samuel L. Jackson no papel de Samuel L. Jackson. Há uns anos gostava muito
dele, mas confesso que hoje-em-dia já não tenho grande paciência para o ver
sempre a fazer o mesmo papel, o mesmo ar de “badass nigga”, os mesmos tiques, a
mesma colocação de voz… Felizmente foram buscar o veteraníssimo Robert Redford,
que dá um ar de solidez ao projecto. De resto, há um punhado de meninas bonitas
e meninos musculados a preencher o resto do cenário.
A banda sonora não é boa nem é má. É perfeitamente adequada ao filme, e
portanto “thumbs up”. É electrónica moderna pura, cheia de percussão, com
alguma inspiração nas fanfarras militares. Não é coisa que se ouça fora do
filme, mas assenta como uma luva no ritmo do mesmo. Há actualmente uma data de
compositores novos a marcar uma tendência musical no cinema. Para
experimentarmos algo mais original e inspirador talvez tenhamos de esperar para
ver o que John Williams fará em 2015 no novo “Star Wars”.
Resumindo, temos uma obra com muita categoria, “realizada a duas mãos”
pelos irmãos Anthony e Joe Russo, o que é surpreendente (e mais uma vez
comprova a inteligência dos estúdios da Marvel) tendo em conta o tipo de trabalho
que consta no currículo de ambos (essencialmente séries, e projectos de
comédia). É uma resposta de peso e qualidade a quem pensava que o Capitão
América não era “material cinematográfico”, e que demonstra com tremenda
aptidão por que razão faz todo o sentido nos dias de hoje ter uma personagem
com os seus ideais.
This isn’t freedom. This is fear.
O geek com duas décadas dentro de mim respira de inspiração e satisfação.
O maior super-herói de todos os tempos está vivo, e recomenda-se!
Pelo Melhor
O filme. É difícil fazer bons filmes nos dias que correm para “o
mercado”. É preciso escrever coisas muito simples, para gente muito estúpida.
Não se pode complicar em demasia. É preferível apostar em maus actores com um
palminho de cara, e colocá-los no meio de explosões e catástrofes, do que
apostar em temas que exijam exercitar os neurónios. Neste filme, os estúdios da
Marvel (que ocupam neste momento, em termos de cinema, um lugar que a LucasArts
ocupava há 20 anos) demonstraram como era possível fazer algo de qualidade, que
ao mesmo tempo fosse um espectáculo de cinema-acção agradável, olhando de forma
crítica para a globalização que impera, e a lei do mais forte que comanda a
Humanidade, deixando no ar a forte mensagem de que existem coisas pelas quais
temos de pagar um preço elevado, mas que justificam que o paguemos. Nada mau
para quem sempre foi olhada como a editora dos bonequinhos que vestem pijamas
coloridos.
Pelo Pior
Mas por que C#@R&%LH@ é que o Capitão América usa batom
cor-de-rosa!!??!!??? Pelo capacete de Galactus (que por acaso também é
cor-de-rosa), nunca hei-de perceber esta estupidez de pintarem os lábios dos
actores (ou dos pivots de televisão)! Mas que merda de moda é esta? Que coisa
mais estúpida e cretina! Não basta o botox digital, ainda é preciso pôr batom
para realçar os lábios das personagens masculinas? “Oh, sim, olhem para mim, o
grande herói que vai salvar a Humanidade dos nazis! Oops, esperem, não o posso
fazer sem pintar os lábios de cor-de-rosa! Já agora um pouco de rimmel…”
Epá, vão comer cocó fúcsia em 3D!!!!!!!!!!!!! >:|
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