segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O Hobbit: Uma Viagem Inesperada



Peter Jackson colocou o cinema num novo patamar quando realizou a maravilhosa trilogia “O Senhor dos Anéis”. Até Hollywood se rendeu, ao atribuir 11 Oscars ao 3º filme, e fazendo dele o maior vencedor de sempre, em ex aequo com “Ben-Hur” e “Titanic”. Uma década mais tarde, e com muitos avanços e recuos na produção, o realizador lança uma nova trilogia dedicada ao prelúdio da obra maior de Tolkien.
Jackson deu todas as provas que necessitava dar com a trilogia anterior, mas confesso que me causou bastante estranheza tantas alterações anunciadas durante a fase de produção. Primeiro não ia ser um filme, iam ser dois. Depois, já a meio deste ano, afinal não vão ser dois, vão ser três. Bom, tento em conta que o livro “O Hobbit” tem metade da extensão de qualquer um dos três volumes do Senhor dos Anéis, isto é no mínimo estranho. Mas veremos. Tal como disse, o homem já deu todas as provas que tinha a dar.
Li O Hobbit pela primeira vez há já uns quantos anos, no início da faculdade, e voltei a lê-lo no ano passado, precisamente por o querer fazer antes de chegar ao cinema. É um livro para crianças, onde os anões são descritos como tipos joviais que vestem calças amarelas, botas azuis, e gorros verdes. Portanto, bastante distante do Senhor dos Anéis, e ainda mais distante da abordagem de Jackson no cinema. Se Jackson tivesse seguido por este caminho corria o risco de ser arrasado pelos fãs, à semelhança do que aconteceu com George Lucas quando lançou a segunda trilogia de A Guerra das Estrelas. Mas nada disso. Jackson mantém o mesmo estilo, e faz uma coisa interessante: acrescenta história. Não é muito fácil analisar este primeiro filme do Hobbit, pois para o fazer é necessário perceber qual foi a opção do realizador. Em vez de pegar no livro e adaptá-lo, a equipa liderada por Peter Jackson fez um trabalho hercúleo de enaltecer todo universo Tolkienesco. À história original foram adicionadas inúmeras cenas que provêm dos muitos apêndices que Tolkien deixou na sua obra, e onde explica muito do mythos de Middle Earth. Estes filmes são um trabalho de devoção. Muito mais do que uma obra cinematográfica épica, trata-se de dar vida à enorme obra de Tolkien em imagem real. A dedicação é considerável, e só por isso o realizador merece uma vénia. Este é um trabalho demorado, porventura penoso, e que pode ser lido como a forma de Jackson venerar uma das maiores criações literárias de sempre. Mas este é, também, a meu ver, um dos pontos menos bons do filme, pois leva à existência de cenas que se arrastam por demasiado tempo, quebras constantes no ritmo do filme, e chega a dar a sensação de ter faltado ali uma segunda “triagem” para melhorar o produto final.
Dito isto, tomara 99% do cinema que se faz mundialmente estar ao nível deste primeiro Hobbit. Os cenários absolutamente de sonho voltam a deixar-nos embevecidos. Ninguém consegue criar cenários mais deslumbrantes do que estes tipos. Ponto final. Toda a sequência inicial que mostra a queda de Erebor é divina. A atenção ao pormenor, e o cariz épico de cada imagem, não tem paralelo.
Inevitavelmente, O Hobbit é inferior ao Senhor dos Anéis. Já o era em livro, e continua a sê-lo em filme. Em parte isso deve-se à mudança de protagonistas. Se na trilogia inicial tínhamos um conjunto fabuloso de actores, e um Elijah Wood que – sendo um actor com muito low-profile – conseguiu criar um Frodo que nos cativou com a sua inocência, neste Hobbit há uma quebra visível. Martin Freeman não me convenceu minimamente como Bilbo. Não cria qualquer empatia com o espectador. Sendo a personagem principal da história, acaba por ser quem mais passa despercebido nela. Não aquece, nem arrefece. É totalmente insípido, chegando ao ponto de nem se perceber muito bem o que anda ali a fazer. Felizmente, Richard Armitage faz um Thorin Oakenshield muito bom, e tem a sorte de se fazer acompanhar por actores poucos conhecidos, mas que criam uma companhia de anões extraordinária, com destaque para Ken Stott (Balin) e Graham McTavish (Dwalin), que ficam muito próximos do insuperável John Rhys-Davies, na pele de Gimli na trilogia inicial. Ian McKellen é Ian McKellen, e mais não é preciso dizer.
Howard Shore tinha composto as melhores bandas sonoras de todos os tempos para a trilogia inicial. São obras musicais que ultrapassam tudo e todos e que não podem ser sequer comparadas ao resto dos comuns mortais. Nem John Williams ou Hans Zimmer, por mais geniais que sejam, chegam sequer ao nível daqueles três álbuns. Mas, para O Hobbit, fiquei com a sensação que Shore seguiu o caminho da preguiça, limitando-se a usar os temas icónicos do Senhor dos Anéis. Pouca coisa nova consegui identificar no filme, destacando obviamente a canção dos anões, que é inclusive um dos momentos mais bonitos e marcantes do filme. Dá-me a sensação que podia ter ousado algo mais. Mas não quero ser injusto, e enquanto não ouvir o álbum “com olhos de ver”, dou o benefício da dúvida.
E de resto há “bonecada digital”, que se nos filmes anteriores surpreendiam pelo avanço tecnológico, actualmente já me fazem olhar para eles com alguma indiferença. O excesso de digital e abuso de coloração em algumas coisas tornam-nas demasiado exageradas. E quando a isso se junta o excesso de cenas com goblins e wargs, que parecem estar ali apenas para agitar um bocadinho as cenas mais serenas… acho que aqui faltava a tal triagem que referi anteriormente.
Quem ler esta crítica é capaz de ficar com a sensação de eu estar a dizer mal do filme. Nada disso. O Hobbit é um filme de excelência, fruto de um trabalho extraordinário de dedicação ao culto de Tokien. Nem tudo no filme é perfeito, e mantenho que o acho inferior a qualquer um da trilogia anterior, pelas razões enunciadas. Mas tomara eu que todos os filmes que eu pago para ver no cinema chegassem aos calcanhares deste.
Posto isto, fico com o bichinho para ver o que nos espera nos dois próximos filmes, até porque cerca de 70% da história já foi “despachada” neste primeiro filme, o que faz antever que Jackson vai dar ainda mais ênfase aos elementos externos à história original.

Pelo Melhor:
A caracterização dos anões. A dedicação apaixonante de Peter Jackson a dar vida ao universo Tokienesco. A oportunidade de ter fantasia de elevadíssima qualidade em cinema. A música “Misty Mountains” cantada pelos anões.

Pelo Pior:
Martin Freeman que pouco mais aparenta ser do que um pãozinho sem sal, e que relega o protagonista da história para um mero apontamento de rodapé. E pelas mesmas razões, os dois anões mais novos que mais parecem adolescentes americanos numa fila para a Loja Apple à espera do novo i-phone, e que têm tanto de anões como eu tenho de elfo. E toda a gente sabe que odeio elfos.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O Nobel da União Europeia



Se me perguntassem há 10 anos, responderia sem hesitações que era um europeísta convicto. Desde muito novo guardo memórias do deslumbramento que sentia com o facto de pertencermos à CEE, que posteriormente evoluiu (não necessariamente de forma positiva) para a União Europeia (UE). Os valores que esta União defendia eram tudo aquilo em que eu acreditava enquanto cidadão. Um conjunto de países diferentes, todos com uma rica e extraordinária História, unidos para partilhar conhecimento e responsabilidades comuns. Cooperarem a nível científico, em termos de cidadania, na defesa do território Comunitário. A Europa era o espaço de excelência do mundo. Éramos a vanguarda de tudo o que era “bom”.
Igualmente, sentia um interesse particular pela atribuição dos Prémios Nobel. Toda a gente olhava com respeito e expectativa para, pelo menos, dois deles. Aqueles que, provavelmente, mais diziam do ponto de vista social: o Nobel da Paz e o Nobel da Literatura. As outras categorias, mais científicas, sempre foram um pouco mais alienígenas ao conhecimento geral.
Se por um lado o Nobel da Literatura é sempre mais ou menos pacífico – gostos pessoais à parte, pois felizmente o que não falta no mundo são escritores cheios de talento – já o Nobel da Paz, de quando em vez, reserva-nos alguns narizes torcidos. Cada Prémio Nobel é atribuído por uma entidade diferente. Já ficaram a saber uma coisa nova só por lerem este artigo, gente sortuda! No caso do Nobel da Paz, a responsabilidade cai num comité eleito pelo Parlamento Norueguês. Há que reconhecer (e congratular) que este comité está sempre bastante atento aos temas da actualidade mundial, o que leva muitas vezes ao risco de gerar grandes controvérsias aquando da atribuição do prémio.
Recordo-me quando, há uns anos, a distinção foi atribuída a Al Gore e, genericamente, aos cientistas que trabalhavam o tema das Alterações Climáticas. Muita gente achou a ideia absurda, mas poucos têm a noção das razões – mais do que lógicas e sérias – por trás desta atitude. Esta era uma forma de o Prémio Nobel se associar a um tema da maior importância, que infelizmente tem sido alvo de muita incúria e demagogia reles. Já associar o nome de Al Gore à questão, confesso que me causou alguma comichão. Ele foi de facto um motor importante para a mediatização do tema, mas também houve uma banalização provocada por isso. Lembro-me de quando ele andou em périplos por vários países do mundo, nas suas célebres conferências, onde certamente era bem pago para dizer coisas sobre as quais qualquer professor universitário sabia muito mais do que ele. Cá em Lisboa também houve uma dessas célebres conferências, no Museu da Electricidade, para onde correu toda a fantocharia política. Não houve um “intelectual” do nosso Parlamento que não tivesse ido a correr para se associar ao evento, e aparecer na televisão. Uma histeria idiota, para mais num país que tem pessoas da área da ciência que são referências em termos do estudo das alterações climáticas, nomeadamente da FCT. Nem de propósito, no jornal Público vem um artigo do Professor Filipe Duarte Santos (link).
Seguiu-se o “estranho caso” de Barack Obama, que ainda nem tinha aquecido o assento da cadeira presidencial e já era galardoado com o prémio. Percebeu-se a “mensagem política”, mas pergunto eu: um prémio não é algo que se atribuiu a alguém pelo mérito de um trabalho feito? Atribuir o Prémio Nobel da Paz ao presidente de um país que estava envolvido em várias guerras por esse mundo fora, e cujo orçamento anual gasto na indústria militar daria para sustentar dezenas de países… só como gesto de sarcasmo. E são este tipo de atitudes que minam por completo a credibilidade de algo tão importante como um Prémio Nobel da Paz. Não pode ser encarado como uma espécie de “Recomendação da Assembleia da República”, onde os deputados aconselham o governo a legislar sobre um assunto, ou a tomar atenção a uma matéria. Um prémio é o reconhecimento por algum feito alcançado. Banalizá-lo é coloca-lo ao nível de uma cerimónia estilo “Miss Praia da Nazaré 2012”.
Chegamos por fim ao Nobel atribuído este ano à União Europeia. A meu ver, a UE é um dos maiores feitos da Humanidade. Em teoria, pelo menos, já que prática há demasiadas questões para que uma afirmação destas seja feita de ânimo leve. Aqui se fez a Paz, derrubaram-se barreiras, partilharam-se culturas, misturaram-se populações, desfizeram-se fobias, trabalhou-se no sentido de garantir prosperidade, dignidade, e saber, a mais de 500 milhões de seres humanos. Aqui se decidiu adoptar o “Hino à Alegria”, versão instrumental, como hino comunitário. E, portanto, atribuir este prémio na altura em que boa parte de tudo isto se está a destruir é, novamente, caricato.
Em pouco mais de um ano, boa parte dos líderes europeus foram varridos pelos seus povos. Os países mais fortes mostram um total desprezo pelos mais fracos, dando-se ao luxo de mandar bocas na comunicação social. Ver ministros das finanças de uns países a insultar o povo do país vizinho não é propriamente normal na Europa. Ou ver o Presidente do Parlamento Europeu, que foi um dos “três estarolas” que recebeu o prémio nas mãos, a atacar Portugal por ter negócios com Angola. Testemunhámos, inclusive, aquela bonita atitude “nós não somos a Grécia”, seguido de “nós não somos Portugal”, “nós não somos a Irlanda”, “não somos a Espanha”… A xenofobia corre livre. Na Grécia, os neonazis ocupam 20 lugares no parlamento, enquanto a BBC revela notícias de “raides” nocturnos que os mesmos fazem, em conivência com a polícia, para atacar imigrantes, e em alguns casos torturá-los violentamente.
É esta a Europa do Prémio Nobel da Paz? Onde milhares de pessoas passam fome? Onde centenas de pessoas cometeram suicídio por perderem as suas casas, perante a passividade das autoridades? Onde os cidadãos são alvo de violentas cargas policiais por manifestarem o seu descontentamento pela destruição de parte daquilo por que lutaram os seus pais e avós? Onde meia-dúzia de “senadores” se acham no direito de humilhar os povos dos países vizinhos, tratando-os como se fossem gente pestilenta e sem quaisquer direitos? Onde se queimam bandeiras da Alemanha, e da própria UE, em manifestações de rua?
E, como cereja no topo do bolo, temos Barroso, Rompuy e Schulz a receberem o prémio em nome dos 27. Faz sentido, são o espelho perfeito da inépcia total e absoluta a que estão entregues os destinos da Europa presentemente, onde se fazem duas dezenas de cimeiras para, em cada uma delas, se anular tudo o que foi decidido na anterior, e alvitrar novas directrizes, que geralmente duram 48 horas até caírem por terra.
Novamente, percebe-se a mensagem por detrás da atribuição do prémio neste momento, mas como “proposta de reflexão” termino questionando: estamos a colocar estas pessoas na mesma lista de Nelson Mandela?

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Cloud Atlas



Em 1999 os irmãos Wachowski revolucionaram a História do cinema com o deslumbrante Matrix. Goste-se ou não do género, certo é que Matrix foi um daqueles filmes que empurraram o cinema para uma nova fase, nem que fosse somente pelos inovadores e irreverentes efeitos especiais, aliados ao estilo e visual do ambiente que foi posteriormente copiado até à exaustão.
Nos 10 anos que se seguiram, os Wachowski desapareceram praticamente de cena. Em 2012 regressam com “Cloud Atlas”. Em boa hora o fizeram. É uma das maiores obras-primas, a todos os níveis, desde que outros irmãos (franceses) inventaram a Sétima Arte.
Cloud Atlas não é um filme. É um prodígio do cinema.
Há muito poucos filmes que partilham o panteão em que Cloud Atlas se inclui (é o caso de “2001, Uma Odisseia no Espaço”).
São seis filmes dentro de um. Seis histórias, todas elas magníficas: uma viagem a bordo de um navio no século XIX; um jovem compositor que luta para compor uma sinfonia entre as duas Guerras Mundiais; um thriller em redor de uma investigação nos anos 70 em torno de uma central nuclear; um velho editor que em 2012 se vê aprisionado num lar para idosos; uma luta pelos direitos humanos no século XXII; e um cenário pós-apocalíptico onde duas sociedades humanas distintas encontram uma inesperada simbiose. E depois, o “toque”: todas as histórias estão interligadas, e as personagens de cada uma dessas histórias são interpretadas pelo mesmo conjunto de nove actores. Cada história é uma ode à tolerância, à coragem, à resiliência, à quebra do preconceito.
Comecemos pelos actores. Nunca uma direcção de actores foi tão longe. Tom Hanks, Hugh Grant, Halle Berry, Hugo Weaving, Jim Broadbent, Jim Sturgess, Doona Bae, James D’Arcy e Ben Whishaw. Todos eles magistrais. A plasticidade de Tom Hanks é, como já nos habituámos, tremenda. Hugo Weaving arrisca um pouco mais neste filme do que é habitual, em particular com a personagem “Old Georgie”. Weaving é particularmente reconhecido pela sua voz fabulosa, associada a uma dicção notável. Mas aqui demonstra – para quem ainda tinha dúvidas – que quando é necessário brilhar na interpretação, ele está à altura. Não vou falar de todos os actores, mas quero focar-me em Jim Broadbent. É porventura o menos conhecido do elenco, e é surpreendente ao ponto de me pôr a desejar que lhe atribuam um Oscar (algo a que ligo muito pouco). Broadbent cria as personagens mais marcantes do filme: o velho compositor rezingão e mesquinho, e o apaixonante e aluado editor que se vê encarcerado num lar para idosos. Extraordinário. Ambos comoventes na reflexão sobre a condição humana.
Cloud Atlas é um filme de emoções. Há já muito tempo que não me ria tanto num filme. Há momentos de comicidade de génio absoluto. Em igual quantidade há momentos de drama, que nos deixam com o olhar tenso. E há momentos épicos, inspiradores, que nos põem literalmente nas nuvens. Alguns dos diálogos são fortíssimos.
Depois temos os cenários, a caracterização, a fotografia… Tudo perfeito. Não há uma cena em três horas de filme que não seja magnífica. A caracterização ultrapassa qualquer coisa até hoje vista. Alguns dos vários papéis que os diversos actores interpretam só são reconhecidos no genérico final, quando nos é revelado quem faz de quem ao longo do filme. E nesse momento é ver a audiência a fazer “aaah!”, uns atrás dos outros.
Do que me falta falar? Da música. Igualmente divina, e dos aspectos a que geralmente tomo mais atenção nos filmes. Não vem das mãos de nenhum dos “pesos pesados” de Hollywoood, mas é curioso verificar que um dos temas mais tocados ao longo do filme é visivelmente inspirado no “Dark Knight” de Hans Zimmer (que se tornou uma das bandas sonoras mais influentes do cinema contemporâneo). A obra, como um todo, é deslumbrante. Basta pesquisar “Cloud Atlas Sextet” no Youtube. A dimensão da música assenta que nem uma luva no ambiente do filme. E quando chegamos ao “All Boundaries Are Conventions”, o mundo desmorona ao nosso redor.
Em suma, estamos perante a perfeição cinematográfica. Um daqueles raros filmes que muita gente vai criticar por nem sequer ter a capacidade intelectual para perceber o que tem perante si. A realização dos Wachowski e de Tom Tykwer é excelente, a adaptação do argumento não tem falhas, em momento algum o espectador se sente perdido em qualquer uma das seis histórias que se desenrolam simultaneamente. O conjunto de actores, e os diversos desempenhos que alcançaram, é ímpar. A música é intimista, bonita, simples, profundamente adequada. Cloud Atlas é, como disse, um prodígio do cinema, mas acima disso, um hino ao Ser Humano.
Enternecedor. Épico. Memorável. Profundo. Complexo. Inesquecível. Três horas absolutamente imperdíveis que conto repetir ainda antes de o filme sair das salas de cinema.

Pelo Melhor:
O argumento. A realização. As interpretações. A música. A caracterização. O guarda-roupa. A fotografia. A montagem. Os efeitos especiais. A direcção artística. O som.

Pelo Pior:
A decisão imperdoável de terem feito um filme de três horas, em vez de um filme de seis ou sete…


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Uma aventura do Psy no Banco Alimentar

Não, tenham calma, não se trata de mais um livro da popular série juvenil co-escrita pela antiga Ministra da Educação. Trata-se, isso sim, de um breve relato na primeira pessoa de um dia como voluntário no Banco Alimentar Contra a Fome.
Ora, tudo começou quando uma criatura astróloga me convidou para participar na campanha de recolha de alimentos. Sendo eu uma pessoa cuja generosidade (e humildade) extravasa por todo o lado, aceitei o convite.
Não vou utilizar este espaço para descrever todo o processo, pois acho que já toda a gente sabe mais ou menos como funciona. Vou antes aproveitar para partilhar alguns “momentos de ouro”, daqueles que vale a pena testemunhar e que são fortes candidatos ao Prémio Nobel da Estupidez Humana.
Toda a gente sabe qual o trabalho que os milhares de voluntários (só nesta campanha foram mais de 38.000) que colaboram com o BA fazem, e para o que serve. Igualmente, todos sabem que a gentinha mesquinha que nada faz, nunca fez, e jamais fará, arranja sempre maneira de criticar e deitar abaixo o trabalho dos outros. É impressionante ver a natureza Humana a funcionar em termos de consciência social e ajuda ao próximo. Se por um lado há aquelas pessoas pobres e humildes, que vivem com os tostões contados, mas que mesmo assim colocam uma lata de atum dentro do saco, e ainda pedem desculpa por não poderem dar mais, por outro lado temos aquelas pessoazinhas de coração grande que desafiam a própria criatividade ao evitar a todo o custo, ao bom estilo esperteza saloia, contribuir com o que quer que seja. Posto isto, tive o distinto prazer de testemunhar algumas das “pérolas”…
“Já dei ontem, já dei ontem!”
Portanto, presumo que haja uma larga quantidade de pessoas que tem como passatempo ir ao hipermercado dois dias seguidos. Compreendo a excitação! Eu também fico deslumbrado cada vez que conduzo o carrinho do supermercado pelos vários corredores! Todas aquelas luzes, aquelas cores, aquelas… coisas! Assim que saio dou por mim a pensar “tenho que cá voltar, e já amanhã! Ou ainda hoje mesmo!!!”
“Ah, eu vou só buscar uma coisa!”
Aqui eu compreendo. É importante não perturbar o raciocínio mono-sináptico destas pessoas. Devem ter passado a semana toda a concentrar-se. “No domingo vou ao hipermercado comprar… UM ANANÁS! Mas só posso pensar no ananás! Não posso olhar sequer para o lado! É melhor fazer uma lista onde escrevo dez vezes «trazer O ananás»! Só um! Apenas um! Se forem dois já fico todo baralhado! E isso não pode acontecer!”
E como tal, compreende-se que a pessoa não possa trazer um pacote de arroz para colocar no carrinho da recolha. Quer dizer, sejamos compreensivos… a pessoa agarrava no ananás com uma mão, agarrava no pacote de arroz com a outra… e depois como é que pagava? Precisaria de um terceiro braço!
“Grrrrrrrrr!!”
Hum… aqui não tenho nada a dizer. Dado que não fala canídeo. Algumas pessoas rosnam! É interessante.
- Bom dia, pode colaborar com a campanha de recolha de alimentos?
- Grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr!
- É só colocar o que puder dar. Arroz, massa, leite…
- GRRRRRRRRRRRRRRRRRR!!!!!
- Mas… desculpe, desculpe… era só… Hum…. Desculpe?
- GRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR RRRRR RRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR RRRRRRR #&@#@@###!!!
Nestes casos os veterinários municipais aconselham a não insistir e/ou perturbar as espécies endémicas transeuntes.
“Para quê? Para ficar a apodrecer num armazém? Isso é que era bom!”
Nem mais. Estas pessoas são visionárias. Mereciam um lugar de destaque como comentadores televisivos. Daqueles que nos bafejam com a sua sapiência diariamente nos canais de televisão. Porque obviamente, toda esta campanha do BA é apenas um gigantesco jogo de paródia! A malta passa meses a preparar uma gigantesca operação de recolha de alimentos, mobilizando trinta e tal mil pessoas que não têm nada melhor que fazer a um fim-de-semana do que acartar sacos, para depois colocar as três toneladas de comida num armazém daqueles muito grandes… e pronto! É só isso! O verdadeiro objectivo disto tudo é apenas encher um barracão com latas de feijão para as formigas irem degustando ao longo da estação seguinte. De onde é que vocês pensam que vem a fábula da cigarra e da formiga? Nem mais!
Abençoadas pessoas visionárias!

E posto isto, chegamos ao “Prémio IgNobel” do ano. A concorrência não teve qualquer hipótese. Até mesmo os cordatos senhores do “GRRRRRRRRRRRRRRRRRRR!!!” ficaram a anos-luz de distância. Eu guardo a vencedora deste prémio num lugarzinho especial do meu coração… chuif, chuif… desculpem este meu momento de fraqueza, pois até fico emocionado a relembrar o episódio. Foi logo à chegada, para começar bem o dia. Mal estacionamos a carrinha vem uma das voluntárias falar connosco. Conversa puxa conversa e questionamos como está a correr. “Epá, está a correr muito bem. Já temos ali uns carrinhos cheios de sacos. Elas há bocado até estavam a falar que estavam com medo por causa daquela entrevista da Isabel Jonet… eu não vi, mas dizem que ela deu um tiro no pé!” E neste momento passa junto a nós uma senhora toda finória, assim com estilo Cinha Jardim, que comenta para o ar: “Um tiro, e de que maneira… Da minha parte não leva nem um tostão!”. Ficamos assim um pouco constrangidos, mas optamos por não responder. Mas o melhor estava ainda para vir. Esta muy distinta cidadã entra no seu BMW Série 3 Coupé, cuja matrícula indicava ter menos seis meses, e arranca…
Latinha de atum… BMW Série 3 Coupé…
Trinta cêntimos versus trinta mil euros…
Esta senhora inspirou-me. De tal maneira que não resisto a fazer-lhe uma dedicatória. Assim estilo “carta aberta”, ou algo que o valha.

Prezado Estupor,
Venho pela presente apresentar-lhe os meus mais sinceros votos de que um bandalho qualquer lhe rasgue os quatro pneus do carro em simultâneo. E que nesse dia não tenha bateria no(s) seu(s) telemóvel(eis). E ainda que esteja a chover a potes. Por último, espero que quando esse dia chegar coincida com uma ida de Vexa. a um restaurante indiano, onde o cozinheiro tenha usado e abusado da condimentação, de modo a dar-lhe a caganeira da sua vida. Daquelas em que se desfaça em cocó liquefeito.
O meu amigo “astrólogo” diz que eu sou uma péssima pessoa, mau como as cobras, vingativo e isso tudo. Defeitos de ser escorpião. Mas eu acredito que tenho um coração generoso, e por isso, para juntar aos votos prévios, espero que no dia D (sendo D de diarreia) esteja a usar as suas botas Prada de cano alto, daquelas em que dá para entalar os jeans. Assim a caganeira ficará devidamente acondicionada, não lhe causando transtorno adicional.

P.S. Bardamerda para si e para a gentalha como Vexa. que devia ser proibida de respirar o mesmo ar do que eu. Mas sabe que mais? Felizmente este mundo é maioritariamente composto por pessoas melhores que Vexa., sendo isso inclusive visível no facto de algumas pessoas colocarem nos sacos com as ofertas de comida, outros artigos como fraldas de bebé, e produtos de higiene pessoal, demonstrando que entre nós há quem tenha consciência social, e perceba que mais importante do que o mediatismo de sarjeta que a nossa imprestável comunicação social tanto promove, é o objectivo final de todo este trabalho, onde se procura algo tão «irrelevante» como dar comida a quem não a tem. Num dos sacos houve inclusive quem tenha colocado uma caixa de bombons. Estes gestos são bonitos, e é desta massa que é feita a maioria dos cidadãos Lusos.
Para terminar, enquanto Vexa. andava a passear a sua cloaca nos seus estofos finórios, isto foi o que nós fizemos:


FELIZ NATAL!

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

"A Feast For Crows", de George R R Martin



“A Feast For Crows” é o quarto livro das Crónicas de Gelo e Fogo. Sendo a terceira vez aqui no blogue que falo das mesmas dará para perceber que sou um dos fãs da saga. No entanto, não sou um fã acrítico, e quando algo está mal não coloco um sorrisinho amarelo e repito “extraordinário, extraordinário, extraordinário” até à exaustão, só para fazer parte do grupo dos miúdos cool.
“A Feast For Crows” é um livro manifestamente fraco. A todos os níveis, tanto individual, como parte da saga. A nível individual é simplesmente uma coisa aborrecida, sem grandes episódios que arrebatem o leitor, e onde ao longo de 700 e tantas páginas pouco ou nada acontece. Aliás, nesse aspecto o livro é exactamente o oposto do seu antecessor. Onde “A Storm of Swords” foi um filme de acção ao estilo anos 90, “A Feast For Crows” foi uma longa telenovela mexicana sem sal, pimenta ou paprika. Desconfio que se podia saltar por cima deste livro e não perder absolutamente nada da história.
A nível da saga, Martin tomou uma série de decisões que a meu ver degradaram a fluência narrativa da mesma. Apesar de haver muitos episódios controversos nos três livros anteriores, e muitas mortes idiotas, o que é certo é que a dimensão da história se encontrava sempre presente. Aqui, não. Para começar, Martin decide dividir as personagens principais entre dois livros, este e o próximo. Mas parece ter feito a divisão de modo a juntar neste livro as personagens que menos interesse têm, e atirar para o livro seguinte Tyrion, Daenerys, Jon e aqueles em redor dos quais se desenrolam os pontos mais apelativos. Outra novidade neste livro é a inclusão de uma série de novas personagens, e onde algumas até têm interesse, e inicialmente parecem refrescar a história, muitas das outras têm a capacidade apelativa de uma batata cozida com casca e sem sal. Além disto, os capítulos com os nomes das personagens passam a coexistir com capítulos com títulos das novas personagens. Isto não se pode dizer que seja uma desgraça, mas confesso que soa um pouco a “vamos mudar alguma coisa só porque sim”, que acaba por diluir um pouco uma das marcas dos livros.
Felizmente eu não fui dos desgraçados que tiveram que esperar anos a fio para que Martin acabasse o quarto livro, pois se estivesse entre essa malta e o resultado fosse isto, creio que para mim a saga estaria encerrada. Além de a história ser aborrecida de morte, o autor decide usar aqueles excessos um pouco idiotas, onde não escapam algumas cenas de “gore”, e até mesmo cenas lésbicas. Sim, isso mesmo. Já estávamos habituados às cenas porno nos livros anteriores, mas desta vez o nosso amigo decidiu “subir a parada” e introduzir cenas lésbicas.
Ok, daqui para a frente vou entrar numa análise mais aprofundada do conteúdo da história, pelo que alerto para os “spoilers”. Quem ainda não leu o livro e está a pensar fazê-lo, deve parar por aqui (e preparar já agora umas pastilhas para o estômago para quando começar a ler o livro).
Comecemos pela personagem de Brienne. Quando surgiu a primeira vez foi uma daquelas personagens que imediatamente arrebata qualquer leitor. Foge à maioria dos estereótipos, é muito densa, bem desenvolvida, e cria rapidamente empatia com quem lê a história. O problema é que a partir do momento em que a donzela de Tarth entrega Jaime a Cercei, Martin ficou sem saber o que fazer com a personagem. E portanto, faz aquilo em que é especialista: põe a personagem feita idiota a passear pelo mapa, sem rumo nem Norte, para encher páginas, e mais páginas, e mais páginas, até estragar a personagem. Chega a ser agonizante ler os capítulos da Brienne. Uma pessoa chega até a revirar os olhos quando surge mais um capítulo com o seu nome. A personagem perde o interesse, perde a sua aura, e vai definhando à medida que passeia acompanhada de personagens tão apelativas “como uma batata cozida com casca e sem sal”. E digamos que os monólogos em redor da sua paixoneta com o regicida também nada ajudam a evitar a queda da personagem.
Depois temos os gémeos. Um livro inteiro dedicado aos gémeos. Setecentas páginas que orbitam entre as birras de Cercei e Jaime. O “casal perfeito” de um momento para o outro zanga-se, e começa a telenovela. “Oh meu amor, eu amo-te, eu amo-te, és tudo para mim! Ai, que seria de mim sem ti! Mas sai daqui, odeio-te, odeio-te, vai para longe, nem te quero ver à frente”. Socorro, tirem-me deste MAU filme lamechas… A personagem de Cercei ao menos tem a “coerência” de ir enlouquecendo ao longo do livro, ficando cada vez mais histérica. Por outro lado, Jaime safa-se um pouco melhor porque é a personagem da saga que sofre a maior transformação, e torna-se bastante mais interessante. Infelizmente, tal não chega para justificar as ditas setecentas páginas.
Sam é outra batata cozida. Nem é o cobarde, nem o chico-esperto. É uma batata sem sal que serve o propósito útil de transportar à história um ligeiro passo para a frente (embora quem verdadeiramente o faça seja Meistre Aemon enquanto fenece).
“Sansa” e Littlefinger são mais dois bocejos. No caso de Sansa isso até nem é novidade, pois em quatro livros ainda não houve uma única linha em que a moça não fosse a personagem mais chata da história das personagens chatas, uma espécie de Nobel da “boredom”. No caso de Petyr Baelish, o caso é bastante mais desolador. Surge no início da saga como uma das personagens mais emocionantes, e à medida que o tempo passa vai-se eclipsando. Longe vão os tempos do político hábil que desafiava Cercei e companhia.
Ora, deixa cá ver quem é a batata que se segue… Bom, pode ser toda a maltinha de Dorne. Caem na história de pára-quedas, na sequência da morte do Príncipe, e… ficam-se por aí. Batatinhas sem interesse nas cálidas areias do deserto.
E temos Arya, que é uma carta completamente fora do baralho, e que parece mover-se à margem da história toda. E que é uma personagem tão previsível que acaba por cansar. A fórmula é sempre a mesma. Anda para um lado, anda para o outro, conhece algum “mestre super sábio de alguma coisa”, faz um treino intensivo, et voilá! Achievement unlocked! Lamento a linguagem ao estilo jogo de computador, mas a Arya é basicamente isso desde que a saga começou.
Bom, como não podia deixar de ser, guardei o melhor para o fim. As “Iron Islands”. A morte de Balon Greyjoy traz o pessoal das Iron Islands para “o mapa”. Surgem os seus irmãos, e são eles os responsáveis pelos capítulos mais interessantes do livro. Logo no início temos toda a soberba carga “mítica” dos seguidores do “drowned god”, e os discursos estupendos de Aeron Greyjoy, o sacerdote, que é de longe a personagem mais interessante dos novos figurantes. Todas as ligações familiares e todas as tradições das Iron Islands são feitas ao melhor nível de Martin. Ao nível do que fez nos anteriores livros. O ambiente em redor do “kingsmoot” é muito bem conseguido, e a filosofia dos homens das ilhas é “uma dádiva dos Sete” para quebrar a monotonia. Espero que no próximo livro (ou livros) tenham direito a um pouco mais de protagonismo relevante, e que não sejam mais do mesmo, ou seja: o figurão aparece, faz ABC, e morre de forma estúpida e pouco relevante.
O livro que se segue, “A Dance With Dragons”, centra-se nas personagens em falta, e é cronologicamente paralelo. Espero que seja tudo o que este livro não foi, e que explique um bocadinho melhor algumas coisas (matar o Hound fora de cena e fazer o seu elmo, sem mais nem menos, aparecer na posse de um doidinho qualquer… muito mau!).
Em suma, este livro serviu para “baralhar e dar de novo”. Empatar toda a história que até aqui se desenvolveu e fazer render o peixe. Enquanto leitor da saga, até me sinto ultrajado pela fórmula de Martin de matar personagens importantes a pontapé, para pouco depois introduzir mais umas dúzias de personagens que falta nenhuma faziam à história. Espero que acabe a saga rapidamente, e que tenha o talento de reverter algum do mal que foi feito, caso contrário creio que muitos dos leitores nem se vão dar ao trabalho de acompanhar os livros até ao fim. 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Filhos da Madrugada Cantam Zeca Afonso



Portugal tem no século XX um património musical inestimável. Muitos foram os intérpretes e compositores que para tal contribuíram, desde a música tradicional ao rock, sendo Zeca Afonso porventura aquele que mais se destacou.
Toda a gente conhece o legado musical de Zeca Afonso, sejam as canções de intervenção, sejam as músicas populares. As suas letras marcaram, e continuam a marcar, a cultura nacional. Quem não conhece, pelo menos, o refrão d’Os Vampiros? Não existe música portuguesa sem Amália e Zeca Afonso.
Eu sou de uma geração posterior a Zeca Afonso, portanto já só o conheci “em segunda mão”. O que conheci em primeira mão foram as muitas bandas absolutamente geniais que Portugal viu nascer e/ou crescer nos anos 80 e 90 (quando o Q.I. global da Humanidade ainda não tinha atingido valores negativos). Madredeus, Resistência, Sitiados, Xutos & Pontapés, são apenas alguns dos nomes que fizeram parte da minha infância. E são também os nomes que vim a encontrar, por acaso, todos reunidos num CD de tributo a Zeca Afonso… que data de 1994!
Não fazia ideia que existia este “Filhos da Madrugada Cantam Zeca Afonso”, e quando o vi no “templo do consumo” do costume fiquei ainda alguns minutos de nariz torcido a pensar “hmmm, isto às tantas é capaz de ser uma grande banhada”. Mas os nomes que constavam no CD falavam por si próprios, e por seis euros…
E de repente, numa expressão popularmente portuguesa, caí de cu. O duplo-CD reuniu em 1994 (não é difícil perceber o porquê da data, basta fazer as contas e não ser completamente ignorante) alguns dos principais nomes da música nacional da altura. Para além dos que já mencionei lá em cima é ainda possível encontra GNR, Ritual Tejo, Sétima Legião, UHF, Delfins, etc. O resultado é assombroso! Épico, em alguns casos. São as canções geniais do Zeca reinterpretadas por uma nova geração de autores. Bem sei que esta onda das reinterpretações na grande maioria dos casos corre muito mal. Aqui, felizmente, não podia estar mais longe da estatística.
Desde logo, a abrir o primeiro CD, “Maio maduro Maio” no estilo brilhante dos Madredeus, ao que se seguem outras interpretações fabulosas como “A formiga no carreiro”, pelos saudosos Sitiados, e onde destaco “Canto Moço”, pelos Ritual Tejo.

O segundo CD é bastante mais fraco, embora tenha alguns temas interessantes. Na sua maioria parece que a decisão de quem organizou a colectânea foi “deixar os restos para o fim”.
Ouvir Zeca Afonso é sempre uma delícia, e ouvi-lo pelas vozes de uma geração de músicos talentosos é um prazer imenso. Estas jóias da nossa História e da nossa cultura não podem cair no esquecimento.
Resta-me falar da minha canção preferida de Zeca Afonso: “Canção de Embalar”. É uma das criações monumentais do nosso património artístico, daquelas que disputam o pódio com “A Canção do Mar” (onde, heresia, prefiro a versão da Dulce Pontes), ou “O Pastor” (sempre, sempre, sempre Madredeus). A letra d’A Canção de Embalar é um colosso. A música não lhe fica atrás. E a forma como o Zeca a cantou… é daquelas coisas que deixam uma sala em silêncio. Tendo isto em conta, era obviamente a canção que mais me “preocupava” no álbum. A interpretação era dos “Diva” (confesso o meu pecado, não os conhecia). Estaria à altura? Já tinha ouvido várias versões desta obra-prima, e a maioria justificava um processo em tribunal por crime de atentado contra o património... Caí de joelhos. Não era possível! Pegaram num tema genial e tornaram-no divino. Não há palavras depois disto. É apenas fechar os olhos.

Magistral. Conseguir descobrir uma coisa destas “perdida nos confins da História de Portugal” é um sonho. Que saudades destes tempos em que Portugal tinha bandas de uma qualidade grandiosa, por oposição aos cretinos que nos dias que correm pegam numa guitarra acústica, dizem umas banalidades com voz engonhada, e acham que são artistas.
Há que não deixar cair no esquecimento este nosso vasto património musical. Até porque – e apesar de eu ter prometido a mim próprio nunca falar de política neste blogue – as palavras de Zeca Afonso fazem cada vez mais sentido hoje em dia…

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O Cavaleiro das Trevas Renasce


 Sentar-me para escrever uma crítica a “O Cavaleiro das Trevas Renasce” é um exercício penoso para mim. Mas é um demónio que necessita ser esconjurado…
Sou um apaixonado por cinema desde muito novo, e os anos recentes têm-me deixado com “azia no estômago” pois o cinema está cada vez mais como a música: 99% é esterco. Christopher Nolan é um prodígio do cinema nos dias que correm. Um génio, indiscutível. O homem que fez “Memento”, “The Prestige”, “Batman Begins”, “The Dark Knight” e “Inception” é alguém que está num campeonato à parte do resto do mundo. Todos estes filmes têm lugar em qualquer lista dos 100 melhores filmes de sempre. Alguns deles até têm lugar na lista dos 10 melhores filmes da história do cinema. O toque de Nolan era ouro. E é precisamente aqui que chegamos a “O Cavaleiro das Trevas Renasce”.
Recuemos precisamente quatro anos no tempo. Quando em 2008 saí do cinema ao ver “The Dark Knight”, vinha a tremer. Não acreditava no que acabara de ver. O filme era demasiado intenso, o argumento demasiado brilhante, a realização demasiado perfeita, a banda sonora para lá de perfeita, e o desempenho de Heath Ledger como Joker marcou um novo patamar no campo da interpretação. Onde muitos viam apenas um bom filme de acção, eu via uma obra que redefinia o cinema.
“O Cavaleiro das Trevas Renasce” é o filme que vem encerrar esta trilogia, que começou com o muito bom “Batman: O Ínicio”, continuou com “O Cavaleiro das Trevas”, e agora procurava o seu final épico. Vamos então à exorcização do demónio: “O Cavaleiro das Trevas Renasce” é provavelmente a maior desilusão da história do cinema.
Nem acredito que estou mesmo a escrever isto, mas faça-o de plena consciência, e de cabeça fria, dois dias depois de ter saído do cinema. Era expectável que o filme não chegasse ao nível do antecessor, a fasquia era impossivelmente alta, mas nunca me passaria pela cabeça que eu saísse do cinema a compará-lo com os filmes do Michael Bay ou do Roland Emmerich.
Os pontos mais fortes do 2º filme eram o argumento e os diálogos. São precisamente os pontos mais fracos deste 3º filme. O argumento não parece ter sido escrito pelos irmãos Nolan, mas sim por um iniciado a quem deram 24 horas para escrever um guião. É pobre, cheio de erros (não são buracos, são crateras), do mais previsível e idiótico possível, e chega a ser constrangedor. Quase tudo neste filme falha. A história não tem ponta por onde se lhe pegue, as personagens passam duas horas e meia sem saber o que estão a fazer no ecrã (isso nota-se nos actores), e a sensação que dá é que aquilo é uma amálgama de algo que alguém se esforçou demasiado para tornar épico, mas acabou por arranjar tantos “twists” disparatados que criou um holocausto cinematográfico.
Analisar este filme vai ser uma das coisas mais controversas nos dias que correm. Boa parte das pessoas não vai ter coragem de lhe apontar as falhas, porque pouca gente nos dias que correm ousa ir contra a corrente, e muita gente vai achá-lo genial, da mesma forma que acha que a música que se faz hoje em dia é genial, e que o “Twilight” é uma obra ímpar. Sim, já estamos no ponto em que falo do “Twilight” numa análise crítica ao novo Batman.
Há duas coisas que safam este descarrilamento do alfa-pendular: Hans Zimmer, que tem o defeito de ser o maior génio musical do mundo (e que se tivesse nascido há 200 anos chamar-se-ia Beethoven), e a surpresa que é Anne Hathaway como Catwoman. Fui dos que torceram o nariz quando o nome dela foi anunciado, e sou dos que lhe tiram o chapéu pela surpresa que foi.
SPOILER ALERT
Daqui para a frente vou fazer referência a muitas das coisas que se passam no filme, e portanto quem ainda não o viu, deve pura e simplesmente baixar as expectativas e parar de ler por aqui.
A história é uma aberração. Ao ponto de ser exactamente o inverso do filme anterior. No Dark Knight o Joker passava o tempo todo a tentar provar que as pessoas eram egoístas, e que conseguia despoletar a anarquia, e no final o Batman prova-lhe que afinal existe o Bem no coração das pessoas, e que o Joker está errado. O que é que acontece neste filme? O Bane explode meia-dúzia de bombas e a anarquia irrompe por todo o lado. Chegamos ao ponto de ver os bagageiros dos hotéis de luxo a escorraçar os clientes ao pontapé… aí uns cinco minutos depois do ataque do Bane. Ataque esse que, diga-se, também é de génio. Corta todas as saídas da cidade (repetindo o que fez no filme anterior), ameaça matar quem tentar sair da cidade (repetindo o que fez no filme anterior), e lê uma carta aos jornalistas a dizer que o Comissário da polícia mentiu. Portanto, já chegámos ao nível intelectual em termos de cinema onde se acha razoável que um louco faça explodir meia-dúzia de bombas, apareça na televisão a ler um papel que ele diz ser da autoria do Comissário, e imediatamente toda a gente acredita nele e desata a lançar a anarquia pelas ruas. Hum… para começo de conversa estamos no bom caminho.
Depois temos as gralhas (“plot holes”) que se sucedem. Bane diz que dá cinco meses até que a bomba expluda, e nada se passa nesse tempo, voltando à cena apenas a meia-dúzia de horas do fim. Só há uma maneira de desactivar a bomba, e os vilões – em cinco meses – não destroem a forma de o fazer (que basicamente passa por destruir o mecanismo de acoplamento da mesma). O Bruce Wayne quando sai do carro tem um “gadget” que provoca um pulso electromagnético que desliga todos os aparelhos eléctricos, tem uma coisa que faz o mesmo na mota, mas em cinco meses ninguém é capaz de atirar com um mecanismo desses contra o camião que anda a passear a bomba. O arsenal do Batman é super secreto, só o Fox tem conhecimento da sua existência, mas no final dois técnicos da empresa informam-no que fizeram um upgrade no software da nave “há seis meses”. Um miúdo órfão diz-lhe: “Eu vi-te uma vez quando tinha cinco anos, mas olhei para os teus olhos e sabia que eras o Batman”. ??? !!! ??? A sério, isto foi escrito pelas mesmas duas pessoas que escreveram o argumento do “Inception”? Este pormenor então é de se lhe tirar o chapéu, pois toda a gente no filme sabe a identidade secreta do Batman, exceptuando quem? O Jim Gordon, precisamente o Comissário da polícia que trabalha com ele há pontapés de anos. Há também a cena de génio onde ele entra em ruptura com o Alfred. Portanto, tu és a pessoa mais próxima que eu tenho na vida, conheces-me desde que nasci, fizeste tudo por mim… mas agora acho que me estás a mentir e não quero mais ser teu amigo, por isso vai-te embora. Permitam-me novamente: ??? !!! ??? Até tenho dúvidas que o Michael Bay conseguisse algo tão estúpido (e não é por falta de tentar).
E depois temos os clichés, que são tantos, tão óbvios, e tão mal construídos, que causam dor. O que é que a Catwoman faz? Basicamente tem jeito para assaltar cofres e roubar colares de pérolas, mas o Batman necessita inequivocamente dela para enfrentar o exército do Bane. Os gajos que são mandados para o exílio têm que caminhar sobre o gelo, que parte-se de imediato e os engole, mas de repente temos 10 polícias a andar em cima do gelo, que já de si não se parte, e de repente encontram o Batman em cima do gelo (que com o fato e todo o arsenal só deve pesar uns 200 quilos)… E terminamos com o “momento em que o vilão tenta consumar a sua vingança enquanto morre”, quando temos aquela cena divina da Talia (que em si mesma é um cliché) que está a morrer no camião, falta um minuto para a bomba explodir, e de repente lembra-se de contar aos heróis como está satisfeita por cumprir o sonho do paizinho, e temos o Batman, a Catwoman, e o Gordon, os três parados, de cabeça levemente inclinada, a ouvir placidamente a historinha toda.
Penso que é melhor parar por aqui, mas em verdade devo dizer que teria muito – mas, infelizmente, mesmo MUITO – para continuar a enunciar a estupidez incessante que apenas 2h30 de filme conseguem demonstrar.
Em suma, estou triste por ver este desfecho verdadeiramente vergonhoso, onde até Gotham subitamente se transforma numa cidade luminosa, e com um solzinho caloroso, e onde mesmo estando preparado para que o filme não correspondesse às expectativas, nunca me passou pela cabeça que fosse tamanho descalabro. Não chega a entreter, porque é enfadonho, não chega a desenvolver as personagens, porque há demasiada coisa sem sentido a ser martelada, e é tão insípido que leva uma pessoa a fechar os olhos a meio do filme e a pensar “isto é alguma brincadeira de carnaval?”. Fosse este filme feito por outro realizador, e noutro contexto, e provavelmente a minha crítica não seria tão arrasadora. Mas há que ter noção das coisas. Uma coisa é o Benfica perder 5-0 com o Barcelona, outra coisa é perder 5-0 com os Pescadores da Costa da Caparica. Nolan é um génio, continuará a sê-lo, continuarei a idolatrar o homem, e este filme ficará como a única nódoa na sua carreira. Não é algo que me preocupe em demasia, até porque daqui por 10 anos ainda se falará do “The Dark Knight”, mas daqui por 10 meses já ninguém falará deste “The Dark Kight Rises”.


Pelo Pior:
O argumento próprio para mentecaptos, que faz Nolan descer ao campeonato do “cinemazinho blockbuster”. A voz de Bane, que onde se pretendia um vilão que instigasse medo, acaba por soar a uma interpretação do Sean Connery num dia de alergia com o nariz entupido.

Pelo Melhor:
Hans Zimmer. SEMPRE. Nunca me cansarei de o dizer. Não há prémios na Humanidade para louvar este homem. O coro que fez para tema do Bane é extraordinário (pesquisem no Google a história por trás da sua concepção), bem como todo o resto da banda sonora. Michael Caine, que mantém a sobriedade e a classe. E Anne Hathaway, que pelo esforço merecia algo melhor.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

“História de Portugal” (Expresso)



A História é o tema mais fascinante que existe. E a História de Portugal é um tema mais do que fascinante. Sou apaixonado por História desde miúdo pequeno, embora me confesse um gigantesco leigo na matéria. Boa parte da culpa deve-se ao meu livro da 4ª classe sobre a História de Portugal, já não me lembro da editora, mas recordo que tinha as páginas decoradas a cor-de-laranja e na capa uma fotografia da estátua de Dom Afonso Henriques que se encontra junto ao Castelo de Guimarães. Foi esse o livro que me deu a conhecer a História de Portugal, e dos reis que atravessarem as suas três dinastias mais uma.
Já li muitos livros de História, com particular enfoque no Império Romano, o meu fétiche, mas como tenho uma memória digna de uma batata, ou de um peixinho-dourado, metade do que leio esvanece-se-me da memória...
Ora, justifica-se este pseudo-artigo a propósito da iniciativa do jornal Expresso de editar uma espécie de colecção de bolso com o livro “História de Portugal”, escrito por Rui Ramos, Nuno Gonçalo Monteiro e Bernardo Vasconcelos e Sousa (Esfera dos Livros, 2009). Decidi adquirir os livros um pouco com aquele espírito de “talvez um dia destes venha a ter vontade de os ler”. Interesse nunca falta, obviamente, mas convenhamos que nem sempre é fácil ler livros de História, os quais são por vezes escritos numa linguagem pouco direccionada para o comum dos mortais. Decidir ler um livro de História é um investimento considerável. Requer disposição, tempo, e na maioria dos casos disponibilidade para procurar outras fontes/elementos (seja imagens específicas, mapas, ou referências diversas).
Peguei então no primeiro volume “apenas para dar uma vista de olhos e tentar tomar o pulso ao estilo”… e ainda não o consegui largar. Há já muito tempo que não me caía nas mãos uma coisa tão bem escrita. É deslumbrante. A facilidade na escrita é desarmante, acompanhada por um ritmo estimulante, e que à medida que vai desenvolvendo “os episódios” faz alusões a outros temas cronologicamente posteriores, e que aos poucos acabam por se ir entrelaçando.
Que surpresa tão agradável.
Além de ser um tremendo estímulo à leitura, conjuga uma diversidade magnífica de áreas, aliando muitas vezes a geografia ao enquadramento religioso, e até a ciência pura e dura, ou a própria etimologia. É difícil ser mais completo. E sempre claro, objectivo, directo, e direccionando para novas fontes que têm surgido do trabalho de investigação que se tem feito no país, mas também lá fora. Um primor.
Por exemplo, ficamos a saber que “Na Península Ibérica, em média, os homens apresentam 69,6% de ascendência ibérica («nativa»), 19,8% sefardita e 10,6% berbere”. Portanto, eu tenho 1/10 de sangue berbere dentro de mim. Pensem duas vezes antes de me chamar nomes…
Nem de propósito, sendo hoje dia 25 de Julho (Batalha de Ourique), transcrevo um excerto do extraordinário texto que desvenda aquela que é a figura maior da História da nação.
“No seguimento da batalha e do triunfo nela alcançado, Afonso Henriques passou a intitular-se rei dos portugueses (portugalensium rex). Este título, que surge nos diplomas então elaborados na corte de Afonso Henriques, remete para uma soberania sobre os indivíduos que se identificavam como sendo portugueses (ou que o autoproclamado rei identificava como tal) e não tanto sobre um território perfeitamente delimitado ou já estabilizado. Antes de ser «rei de Portugal» Afonso Henriques era rei dos portugueses (…)”
Antes de ser rei de Portugal era rei dos portugueses. Uma frase destas tem peso.
Pouco mais me resta acrescentar a esta obra, excepto talvez referir o bom gosto de usar os painéis de São Vicente de Fora para capa da mesma. Trata-se, sem margem para discussão, da mais importante obra da História da pintura portuguesa.
É uma triste partida da ironia que esta colecção surja precisamente na semana em que morreu José Hermano Saraiva, um dos homens a quem este país mais deve o descobrir e partilhar da sua História.
Dito isto, para terem ideia do quão facilmente se devora este(s) livro(s) posso dizer que até na praia o tenho lido. Termino, em tom de manifesto agrado, com uma frase que quando a li me fez chorar a rir, e que transcrita aqui, fora do contexto, ainda mais piada tem.
“É provável que Portugal tenha sido um dos últimos refúgios dos neandertais”.
Yup… quanto a isso estamos de acordo!