Pouca gente sabe do calvário por que passou Peter Jackson nos finais dos
anos 90 para conseguir fazer a trilogia O
Senhor dos Anéis. Depois de muitas voltas e reviravoltas, associadas a
direito de autor, dificuldades de financiamento, e perante a perspectiva de ter
de cortar metade da história para condensar tudo num único filme, Jackson
reuniu-se já quase em desespero com Robert Shaye, um dos administradores da New
Line Cinema que lhe deu a inesperada resposta “se são três livros, não deveriam
ser três filmes?”. Quinze anos passados, Jackson já vai no quinto filme da
saga, havendo pelo menos um sexto a caminho.
Este segundo filme tem melhorias consideráveis em relação ao primeiro. Na
altura, escrevi que O Hobbit: Uma Viagem
Inesperada apesar de ser um filme extraordinário padecia do que me parecia
ser alguma falta de edição, contendo demasiadas cenas alongadas que tornavam o
filme algo monótono. Neste segundo capítulo, boa parte desse problema
desaparece. O filme tem um ritmo muito bom, raramente tornando-se maçador. Os
anões seguem a sua caminhada em direcção à montanha onde o dragão Smaug se
encontra adormecido, acompanhados pelo assaltante Bilbo Baggins. Gandalf
separa-se do grupo e vai investigar “as trevas” que sente estarem a despertar.
E esta é uma das partes altas do filme, pois Jackson consegue fazer um trabalho
fenomenal de antecipação dos eventos que ocorrem n’O Senhor dos Anéis. Esta mudança de tom também é benéfica para o
filme, pois Bilbo passa para segundo plano, e a história centra-se muito mais
nos anões. Se bem se lembram, eu não fiquei grande fã da prestação de Martin
Freeman no primeiro filme. Devo dizer que o acho bem melhor desta vez, mas
penso que isso se deve a duas coisas: por um lado precisamente pelo facto de
assumir menos protagonismo, por outro lado pelo facto de este filme ter seguido
um tom muito mais ligeiro e próximo da comédia.
Este segundo capítulo superou as minhas expectativas em praticamente
todos os elementos. É um grandioso filme de aventuras. Ao contrário d’O Senhor dos Anéis, onde o tema é a luta
épica do Bem contra o Mal, n’O Hobbit
temos somente a extraordinária aventura de um grupo de anões que quer recuperar
o seu lar ancestral. Ah, e já agora, o colossal tesouro que nele se encontra!
Julgo que estamos perante um dos melhores filmes de aventura de que há memória.
Nas alterações que fizeram à história original (o guião foi escrito por quatro
pessoas – as três responsáveis pela primeira saga, às quais se juntou Guillermo
del Toro), foram introduzidas as personagens de Legolas (para alimentar a
nostalgia dos primeiros filmes) e de Tauriel (uma elfa ruiva toda giraça, mas
que nem sequer existe em qualquer livro). As cenas passadas no lar dos elfos
são o ponto alto do filme. Novamente, a equipa de Jackson demonstra que ninguém
está ao seu nível em termos de criação de cenários deslumbrantes. O exotismo
que marca a “sala” do trono de Thranduil é magnífico. Nada transparece melhor o
sentimento de santuário natural do que aquilo. A quase ausência de luz dá-lhe
um ar sobrenatural que arrepia. É muito, muito bom. Ao contrário do que eu
esperava, a dupla de elfos até acrescenta bastante ao filme. São duas personagens
que mudam por completo o tom da história, alternando muito bem com os anões. E
depois há que sublinhar o papel de Lee Pace, que interpreta Thranduil. A
maneira dele se mover, e a forma como olha para o “rei” anão são fabulosas.
Muito melhor do que Hugo Weaving, que – apesar de ser um actor que eu venero –
nunca me pareceu ter muito de élfico. Pelo contrário, Lee Pace assimilou na
perfeição o que é um elfo Tolkienesco.
Outro dos pontos altos do filme é a passagem pela Cidade do Lago, onde
finalmente temos direito a ter algum quality
time numa cidade humana no meio desta aventura onde parece haver uma
overdose de bicharada do folclore tradicional. E que ambiente excepcional! A
fusão entre realismo medieval e fantasia é perfeita, e o cenário de neve e gelo
confere-lhe um toque de poesia triste que é esplendoroso. Não sei se repararam,
mas aos poucos estou a relatar tudo o que acontece no filme. Não me dei ao
trabalho de colocar um “alerta de spoilers” porque… meus amigos, os livros têm
décadas, se não os leram não foi certamente por falta de tempo.
Uma vez que não vou falar da banda sonora de Howard Shore, dado que
repito o que escrevi há um ano: é um trabalho de preguiça, resta-me falar de
Smaug, o simpático dragão que dá o título ao filme. Durante mais de um ano, a
equipa de produção e os publicitários dos estúdios mantiveram grande segredo em
redor de Smaug. Não o iam revelar, iam guardar surpresa, etc. Nunca percebi
muito bem qual era a lógica, e agora que vi o filme… continuo sem perceber. É
suposto ter alguma coisa de especial? É um dragão digital, à semelhança de
todos os outros dragões digitais. Não é mais bonito nem mais feio, é igual.
Tanto suspense para quê? Estava
curioso quanto à voz de Smaug, uma vez que esta foi feita pelo deslumbrástico
Bennedict Cumberbatch, mas, tal como aconteceu com Star Trek Into Darkness, o talento do homem foi subaproveitado. A
voz está tão distorcida digitalmente que acaba por soar igual a tudo o resto
(nem se nota grande diferença em relação a um Megatron, por exemplo). É pena,
pois Cumberbatch já demonstrou que além de ser um génio da representação, sabe
igualmente colocar a voz com um timbre que provoca calafrios, como aconteceu
com Khan, em Star Trek. Imaginar a voz de Smaug igual à de Khan… Mãezinha!
E bom, está tudo dito. O filme é soberbo, ultrapassando o primeiro em
todos os aspectos, ficando ao nível de qualquer um dos filmes da primeira
trilogia, adensando o trabalho épico de mostrar toda a dimensão da cultura da
Terra Média, e servindo como entretenimento de excelência. Como se tudo isto
não bastasse, Ian McKellan entra, obviamente, no filme. Mas dele nem vale a
pena falar, não é assim?
Pelo Melhor:
Saber fazer as coisas. É tão simples quanto isto. Todos os meses chegam
ao cinema filmes de trampa, com orçamentos milionários, que não valem uma lata
de sardinhas. Peter Jackson, até ver, tem mostrado o discernimento necessário
para honrar uma obra de culto, adaptando-a à sua visão, à sua interpretação,
mas mantendo o nível exigido por nós, geeks
que veneram Tolkien.
Pelo Pior:
Novamente, a estupidez do botox digital. Por favor, parem de o usar!
Querer retocar digitalmente as rugas e a pele dos actores só dá merda! Usem
maquilhagem, ou então estejam quietos! Há alturas em que o Orlando Bloom
(Legolas) parece um boneco da Disney. Já no primeiro filme isto tinha sido mau,
e neste é ainda pior. Acho que a malta prefere a idiossincrasia de ter pessoas
mais velhas numa altura cronológica onde deveriam estar mais novas, do que ter
bonecos de plasticina saídos dos cinematics
dos jogos de computador! Morte ao botox digital! Salvem as baleias! Morra o
Dantas, morra, pim!