sexta-feira, 24 de junho de 2016

“Imperium XXI”

Há precisamente um ano coloquei aqui no Gnosei Seauton o seu último artigo. Quando iniciei esta aventura “bloguística”, em 2011, não contava que fosse coisa para durar. Afinal já lá vão mais de 5 anos. No entanto, o facto de não haver um tema unificador sempre fez deste blogue um caldeirão de coisas díspares, sem qualquer fio condutor. Entendi por isso abandoná-lo, e entretanto criei um blogue novo, dedicado aos temas com que mais me identifico, ou sobre os quais sinto que faz mais sentido escrever: História, Arte, e Literatura. Uma aposta numa cultura mais nobre.
A todos os que por aqui passaram, obrigado pela atenção dispensada a estas deambulações. Caso haja alguém interessado em continuar a ler as esporádicas publicações alusivas aos temas mencionados, fica feito o convite: https://imperiumxxi.blogspot.pt/

Ave!


quarta-feira, 24 de junho de 2015

James Horner


Ele há coisas do diabo… Ando a aguardar por Dezembro de 2015, por alturas do lançamento do “Episódio VII”, para finalmente escrever sobre John Williams, o meu compositor de eleição. Quis as voltas que este mundo dá que eu acabasse, inesperadamente, a escrever sobre James Horner. E é com tristeza que o faço, postumamente.
Não posso dizer que James Horner estivesse entre os meus compositores preferidos. Tive sempre a sensação que alternava entre o muito bom e o muito mau, e meti na cabeça que o fabuloso “The Planets”, de Gustav Holst (uma das obras mais influentes, e menos conhecidas do século XX), lhe tinha servido repetidas vezes de inspiração. “Conheci-o” pelos finais dos anos 90, graças às bandas sonoras de Titanic e Braveheart. O tempo deu-me a oportunidade de explorar muita da sua música, nomeadamente as peças mais originais como o fabuloso, inspirador, comovente, brilhante “Elora Danan”, da banda sonora de Willow. E, acreditem, quando digo “muita da sua música” é apenas uma gota no oceano. Vale a pena dar um salto ao IMDB ou à Wikipedia para ter noção da dimensão da obra de Horner.
Apesar de o único Oscar da sua carreira ter sido ganho em Titanic (com um trabalho fabuloso), não há como não colocar Braveheart no topo de qualquer escala. É uma das melhoras bandas sonoras de todos os tempos, e a prova do talento de James Horner. A variedade de temas, a inspiração escocesa, o respeito pela cultura e pela linguagem “daquilo que estava a representar” fazem daquela obra um marco cultural único. Do sublime tema principal, ao estrondoso “Mornay’s Dream”, ao arrepiante “Freedom”, ao sussurrante “For the Love of a Princess”, ao épico-que-faz-tremer-a-terra “The Battle of Stirling” é difícil encontrar um tema entre os dezoito da banda sonora que seja menos do que perfeito.
Das incontáveis horas que passei a sonhar na minha “pós-infância” agarrado aos phones, muitas devo-as a James Horner. Tenho para com ele uma incobrável dívida de gratidão, comovida, enquanto apaixonado por música instrumental-sinfónica-clássica. Não tenho dúvidas que perdemos um dos grandes músicos do nosso tempo, um dos artistas a que nos referimos com “a” maiúsculo. Resta-nos fazer perdurar o seu legado, imortalizando-o, para que a sua voz não se perca.

The Battle of Stirling (Braveheart OST, 1995)

Elora Danan (Willow OST, 1988)



P.S. Façam um favor a vocês mesmos, e não se fiquem pelo “The Battle of Stirling”. Ouçam a banda sonora completa, e depois tentem imaginar a cena do grito sem aquela música.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

"Este é o tempo"

Este é o tempo
Este é o tempo
Da selva mais obscura

Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura

Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura

Este é o tempo em que os homens renunciam.


Sophia de Mello Breyner (1958)



(Parque dos Poetas – Oeiras)

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Mad Max – Estrada da Fúria




Em 1979 o Mastermind George Miller inaugurava uma das séries mais desconcertantes da História do Cinema. Mad Max foi um hino aterrador a uma sociedade pós-apocalíptica imersa numa violência nunca antes vista no grande ecrã. Gasolina, sangue, e uma ausência absoluta de moral deram uma nova dimensão à expressão “a ferro e fogo”. Trinta anos mais tarde, será que a fórmula ainda resulta?
Jazus! Resulta, e de que maneira…
 Quando vi o trailer deste 4º filme da saga, o meu coração engrenou a 5ª e acelerou a fundo. Mad Max é uma das minhas “coisas sagradas” desde que vi os filmes originais pela primeira vez, devia ter uns 12 ou 13 anos. Fiquei fascinado. É estranho um miúdo ver algo tão fora do normal e não se tornar um psicopata. Aquilo era a negação de tudo o que o mundo normal possuía. Não havia heróis, não havia regras, não havia sociedade. O ambiente bárbaro e selvagem de Mad Max só tinha paralelo na banda desenhada de Savage Sword of Conan – outra das minhas “coisas sagradas”. Portanto, escusado será dizer que as minhas expectativas para este filme ultrapassavam largamente os limites do razoável. Creio que é a primeira vez que coloco a fasquia tão alta e não me desiludo.
Sempre que falo de cinema digo que é preciso analisar cada filme consoante o objectivo a que este se propõe. Quem entra numa sala de cinema para ver Mad Max vai à espera de ver um ensaio visual carregado de supercarros, homens loucos e violentos, e uma distopia absoluta em relação ao mundo em que queremos viver. Este filme não desilude num único grão de areia. Mad Max – Estrada da Fúria é um dos 10 melhores filmes de acção de todos os tempos.
Aqui não queremos história, não queremos grandes diálogos, dispensamos melodramas. Não queremos filosofias, conjecturas, ideologias. Queremos pólvora, sangue, adrenalina, e todas as coisas tóxicas e não recomendadas a cardíacos. Almejamos aquela beleza decadente de um apocalipse. E a parte mastermind de George Miller é que nos consegue dar tudo isso, e ainda fazer um filme com mais sociologia, filosofia e visão do que todos os outros que carregam essa pretensão.
A realização é de sonho. É quase impossível dissociar realização, montagem e fotografia neste filme. Tudo faz parte do mesmo motor bem oleado. Cada frame do filme é uma lição de bom cinema. A isto junta-se uma direcção artística que cria imagens inesquecíveis, de personagens vestidas e maquilhadas no estilo único da saga, com uma linguagem própria, e com carros que transcendem o conceito de criatividade. São 120 minutos das coisas mais belas que o Cinema consegue pensar. Se no Avatar de James Cameron temos a beleza da fauna, da flora, e da esperança no futuro, aqui temos a antítese. Isto é areia, com óleo, granadas, trapos velhos, sucata, mas filmado e produzido com uma sedução inexplicável. É difícil fazer um filme de duas horas onde a única coisa que se passa é uma perseguição ao ritmo da nitroglicerina, e que nunca aborrece.
E para tornar o que já é excelente em perfeito, junte-se a isto uma banda sonora magistral criada por Tom Holkenborg aka Junkie XL. Não sei o que dá a fusão de Verdi com rock, mas certamente passei duas horas a ouvi-lo. É preciso muito arrojo para querer colocar quase duas horas de música num filme tão intenso, mas, tal como diz no cartaz: MASTERMIND George Miller. A música rock-operática-frenética é o clímax orgástico que transporta o filme para a transcendência. Carros a explodir, loucos a voar, violência absoluta, tudo ao som de Heavy Metal fusionado com Rock electro-sinfónico… Caramba, já nem sei o que estou a escrever! Este Mad Max é mesmo assim. Tem um efeito alucinogénio em qualquer pessoa.
Vale a pena falar dos actores só para enaltecer o trabalho fabuloso de Nicholas Hoult, o war boy que é a surpresa do filme. Interpreta uma personagem que encarna toda a loucura inexplicável da história. E é de longe a personagem de todo o filme com quem sentimos maior empatia. Os veteranos Charlize Theron e Tom Hardy cumprem bem os seus papéis, com Charlize a dar vida a uma intensa Imperator Furiosa, que carrega aos ombros toda a dinâmica da história (e faz-me perguntar se o filme em vez de se chamar Mad Max não deveria chamar-se Mad Furiosa, tal é a dimensão da personagem no filme), e Tom Hardy a reinterpretar o anti-herói que surge agora com mais de “Mad” do que de “Max”. Julgo, no entanto, ser justo dizer que, apesar de Hardy estar muito bem no papel, fica a anos-luz de Mel Gibson. Até tenho pena que não tenham agarrado na história de modo a que Hardy fosse um “Max Júnior”, contracenando com o “Max Sénior”. Mas Hardy está livre de culpas, dado que o filme não está escrito para a sua personagem, e ele apenas carregou o nome do protagonista. Mais do que em qualquer um dos outros filmes da saga, aqui vemos o Max solitário, que não cria raízes, e que se mantém sempre em movimento. Sem laços, sem ambições, sem remorsos.
Passaram-se trinta anos, e o fenómeno aí está novamente na ribalta. A ligação com os filmes anteriores é subtil, e muito bem feita (os relances das criancinhas que Max – aparentemente – não conseguiu salvar, o V8, a caixa de música). E este é outro dos pontos fortíssimos do filme: não há cá perdas de tempo a explicar o que se passa, ou o que se passou. É assim, e ponto final. Não há cá cenas mortas a contar a história toda da carochinha, tudo muito mastigado, para que todos os idiotas percebam. Tudo é introduzido na história sem qualquer explicação, ou justificação. É assim, e interpretem como quiserem. Isto é Arte, meus amigos. Tanta gente em Hollywood que tem tanto a aprender com este filme.
Por fim, o toque de génio ao conseguir satirizar/criticar o mundo actual, de uma forma tão velada que muita gente acaba a ser ridicularizada no filme sem sequer se aperceber de que o está a ser. É o caso dos momentos “observa-me”, dirigidos aos asnos que cultivam a sua própria imagem nas redes sociais e restante mundo digital. É o caso dos imbecis que, incapazes de pensar, praticam o culto do líder, que se aproveita da falta de inteligência e cultura dos que o rodeiam para ascender ao lugar de “querido líder”. E devo dizer, com uma gargalhada de profundo e rotundo desprezo, que acho divino o facto de haver tanta gente a dizer mal do filme por ser “demasiado feminista”. Por favor, parem! Já não aguento de tanto rir. Um dos males da Democracia é dar espaço para que tanta gente estúpida expresse a sua opinião.
Mad Max – Estrada da Fúria é um dos maiores colossos cinematográficos da década. A quantidade de mensagens que o filme bombardeia aos espectadores é impensável para um filme de acção. Nem os filmes de Neil Blomkamp conseguem ter tanto sumo. E tudo isto no meio de uma tempestade de explosões, aço retorcido, e cabeças a voar. Como é que é possível ocultar tanta consciência num filme que, contas feitas, é “apenas” uma corrida de carros a explodir no meio do deserto.
O miúdo de 12 ou 13 anos só consegue sorrir, cheio de adrenalina, e gritar emocionado: Oh, what a day! What a lovely day!

Pelo Melhor
A criatividade aliada ao saber fazer. Há ideias muito boas, mas que na prática não são bem executadas, e há gente com talento que não tem o toque da criatividade. Mad Max junta o Bom ao Excelente. É um produto único, sem qualquer coisa que se lhe assemelhe, e executado com toda a perfeição. Realização, Música, Fotografia, Montagem, Efeitos Especiais, Direcção Artística, Guarda-Roupa, Maquilhagem, Interpretação, Argumento. Tudo em absoluta harmonia. É um carro de alta competição afinado até à perfeição.


Pelo Pior
LOL. Vá lá, depois de tudo o que acabaram de ler acham mesmo que há alguma coisa a escrever neste espaço? Bom, como eu também sou um MASTERMIND, até consigo arranjar algo, não “Pelo Pior”, mas “Pelo Menos Excelente”.
SPOILER ALERT: Olhando com atenção para o filme, este termina exactamente onde começa: na Cidadela. Ao longo do filme vemos que a Imperator Furiosa é uma mulher inteligente, grande guerreira, e cheia de recursos. Ora, se no final ela é aclamada por ter o cadáver de Immortan Joe aos pés (com isso despertando a rebelião) … não teria sido mais simples matá-lo e assumir desde logo o controlo da Cidadela?
Pois, mas assim não haveria razão para as duas horas de perseguição cheias de adrenalina. ;)

E porque sou mesmo boa pessoa… tomem lá um bónus:


segunda-feira, 11 de maio de 2015

Capitão Falcão




Saudações patrióticas! Esta é a segunda vez em dois anos que falo de cinema Português. Tendo em conta que nas anteriores três décadas nunca havia visto (no cinema, pelo menos) qualquer filme na mais nobre língua da Humanidade, sinto-me a transbordar de patriotismo. Mas, importa perguntar: terei eu gostado tanto de "Capitão Falcão" como gostei de "A Gaiola Dourada"?
Há já uns dois anos que ando a "ouvir coisas" deste projecto. É o que dá viver em Portugal, esta imensa aldeia onde há sempre alguém que é amigo do amigo de um amigo do realizador do filme. Inicialmente até nem estava muito atento à coisa, mas quando há cerca de um ano vi o primeiro trailer... Opá, é difícil resistir a um super-herói Português, com bigode (obviamente), a desancar em comunistas vestidos de fato-macaco armados com foices e martelos!
Pois bem, Capitão Falcão é uma delícia! Um daqueles "prazeres culpados" (este é um texto patriótico, portanto nada de utilizar estrangeirismos) que nos fazem bem à alma. Para quem foi raptado por comuninjas, e tem passado os últimos meses aprisionado numa cave escura, há que dizer que Capitão Falcão é um filme de super-heróis passado no Portugal da década de sessenta, onde o intrépido Capitão Falcão e o seu leal companheiro, Puto Perdiz, defendem Portugal e o Senhor Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, das ameaças do Comunismo e da Democracia. Sim, é uma comédia. Convém explicar isso desde já, não vá dar-se o caso de algum Espanhol estar a ler isto. Mais: é uma comédia politicamente incorrecta, e com doses de nonsense (ooops, estrangeirismo) muito ao estilo da comédia Britânica.
Há dois tipos de reacção possível ao filme: há quem delire com algo tão estapafúrdio, que tem a inteligência de não querer passar por "pseudo-humor pseudo-intelectual", e que soltará sonoras gargalhadas a cada "bolo de arroz" (não vou explicar), e há quem ache isto "uma coisa totalmente estúpida, ridícula, e sem qualquer nexo". As pessoas que se enquadram no segundo tipo são, por definição, Espanhóis.
O humor em Capitão Falcão é disparatado, absurdo, delirante, e é uma sátira hilariante que conjuga um Portugal bafiento com um "Batman Pop Anos 60". E é de chorar a rir. Há frases tão bem colocadas que ficarão na memória ao jeito de um "Why so serious?". O texto é deliciosamente inoportuno, e isso faz-me dar saltos de alegria na cadeira. Estou mais do que farto desta sociedade amorfa e borrega onde ninguém pode usar expressões que possam eventualmente ferir a susceptibilidade de qualquer indivíduo coitadinho que fique com traumas psicológicos para o resto da vida porque ouviu uma expressão feia que não se pode reproduzir. Religião? Raça? Género? Nada escapa ao mordaz argumento do filme. É, repito, um "prazer culpado".
É curioso ver que muitos dos envolvidos no filme estão de alguma forma ligados ao extraordinário "Odisseia", da RTP, de que falei na altura (link), e que foi das coisas mais brilhantes de produção nacional nos últimos anos (que infelizmente passou meio despercebido no meio da tanta bosta com que as nossas simpáticas televisões nos brindam). Pelo meio, há um sem-fim de referências a outros filmes e séries. A principal, como não poderia deixar de ser, é a série do Batman dos anos 60 (as cenas na mota com sidecar são primorosas), mas também há Guerra das EstrelasMonty Python e o Cálice Sagrado, Power Rangers, os filmes de artes marciais do Jacky Chan e companhia.
A parte menos boa do filme será porventura a direcção de actores. Não será um problema específico do filme, mas mais uma questão com o "estilo Português". Fico sempre com a sensação que os nossos actores estão a declamar, ou então assumem uma postura mais adequada ao teatro de revista. Gonçalo Waddington (mas que raio de estrangeirismo anti-patriótico!!!) já demonstrou ser um bom actor (relembro: Odisseia), e aqui assume uma onda muito over-the-top a beber um pouco dos trejeitos de Herman José nos seus saudosos sketches. Curiosamente, o actor que me pareceu melhor em todo o filme é precisamente um dos que nem abre a boca: Luís Vicente, que faz de Lenine, o mestre do transformismo (Bolo de Arroz?). Tenho pena que Nuno Lopes tenha "passado de raspão" pelo filme (é o mítico comuninja), pois é muito provavelmente o melhor actor Português da actualidade. Haja esperança por algo mais para um Capitão Falcão 2  (há cena após os créditos que para isso aponta!).
Não se pode falar de Capitão Falcão sem falar da banda sonora. Não sei se terá sido João Leitão (o realizador) a convidar Pedro Marques para tratar da música do filme, mas ao autor da ideia só consigo dizer: MUITO OBRIGADO! Que trabalho GE-NI-AL. A inspiração "pop-Batman-60's" a imprimir um cariz vibrante e cheio de energia ao filme é um deleite. A qualidade da música é verdadeiramente fabulosa e carrega o filme às costas. Já tentei procurar por mais informações sobre Pedro Marques, mas o Google não me ajudou muito. Mas quero estar atento ao trabalho deste senhor. Tal como Spielberg disse que metade do sucesso dos seus filmes se devia à música de John Williams, também João Leitão o pode dizer em relação a Pedro Marques. Aqui, temos Duo Dinâmico!
Julgo ter dito o que havia a dizer sobre Capitão Falcão. Haverá certamente muita gente cinzenta, que se leva demasiado a sério, e que não saberá apreciar uma sátira ligeira, sem compromisso, que faz um elogio ao absurdo, e joga com um sem-fim de influências divertidas. E, mais do que tudo isto, demonstra que FAZER HUMOR não é meramente dizer dez vezes merda e mais umas quantas caralhadas, e de seguida rir de forma boçal.
Resta-me terminar este artigo brindando todos os patrióticos leitores deste blogue com um sonoro:
ÉS PORTUGUÊS OU ÉS ESPANHOL?!?!?!
ÉS PORTUGUÊS OU ÉS ESPANHOL?!?!?!


Pelo Melhor
Além da já referida extraordinária música, o genuíno talento Português de rir de nós próprios. Ser inconveniente, arriscar, procurar fazer algo fora do habitual. Vai sendo raro nos dias que correm. Fazer rir num país cada vez mais triste é obra! Obrigado.

Pelo Pior
Lembrar que os pais de D. Afonso Henriques eram Espanhóis! HERESIA! Isto é mais ofensivo do que insinuar que eram... COMUNISTAS!!!

E como neste blogue também há cenas extra após os créditos, tomem lá que vale a pena:

segunda-feira, 2 de março de 2015

O Legado da Civilização Assíria


O mundo civilizado assistiu repugnado, na semana passada, às imagens difundidas por um determinado grupo onde era visível a destruição de monumentos e obras de arte com vários séculos. Este artigo podia ser um longo texto a destilar ódio perante o sucedido. Felizmente, sou Português, e Europeu, o que muito me honra e orgulha, mesmo com todas as coisas erradas que possam existir na nossa sociedade. Como tal, responderei da forma que mais se coaduna nesta minha condição: fazendo o esforço possível para enaltecer e fazer perdurar a memória que o referido grupo procura apagar.
Muitas das estátuas destruídas no Museu de Mosul (Iraque) provêm da civilização Assíria, tendo entre 2500 a 3000 anos. Falar do Império Assírio num único artigo de blogue seria uma tarefa inconcebível, dada a sua extensão, a sua importância, e o que significou para a História da Humanidade. Não tenho a pretensão de dar lições de História a ninguém, mas tentarei fazer um enquadramento, enquanto leigo, daquilo a que estou a aludir.
Tal como todos os grandes impérios, atravessou inúmeros séculos, teve períodos de grande domínio, e entrou, eventualmente, em declínio. Para termos uma rápida noção da importância da civilização Assíria, esta é uma das que incorpora aquilo que é geralmente conhecido como o “berço da civilização”, localizado no Crescente Fértil da Mesopotâmia (toda a região desde o sudeste da Turquia até ao Golfo Pérsico). Ainda Roma mal acabara de nascer (753 AC) quando o Império Assírio via os seus últimos dias, marcados por séculos de luta contra o Egipto, a Babilónia, e restantes vizinhos.
No seu apogeu, a civilização Assíria foi um marco do Conhecimento, com amplas bibliotecas, e um portento cultural em termos arquitectónicos e artísticos. Muitos de nós reconhecerão facilmente os baixos-relevos, em alabastro, com guerreiros de barba encaracolada montados em carros de combate puxados por cavalos, geralmente representando cenas de guerra com arqueiros, e caçadas a leões. Igualmente, reconhecemos facilmente os touros alados com cabeça de homem, criaturas míticas que eram colocadas a proteger os magníficos portões, e muralhas, das cidades. Estes touros alados são conhecidos como lamassus – porventura os aficionados de jogos de computador já se terão cruzado com referências a estas criaturas em alguns jogos como o Diablo, e outros do mesmo género. Um destes touros alados encontrava-se nos portões de Nergal, nas muralhas da cidade de Nineveh, umas das mais gloriosas cidades Assírias.
Se reconhecemos facilmente estas obras é graças ao Museu Britânico, que alberga uma impressionante colecção de artefactos Assírios. Tive o distinto prazer de as visitar há pouco mais de seis meses. E o que me levou a escrever este artigo foi precisamente a vontade de combater esta intenção de apagar a memória que nos liga aos nossos antepassados. Hoje, somos o que somos graças à nossa História, à evolução constante das nossas civilizações, às lições que fomos aprendendo, aos erros que fomos cometendo, aos fracassos e sucessos que alcançámos. O pouco que posso fazer é partilhar, enquanto grande apaixonado por História e Arte, as fotografias que tirei no Museu Britânico dos artefactos Assírios. Porque esta é a única resposta que os homens dignos e civilizados podem dar. Espero que possam apreciar estas imagens, e se um dia forem a Londres, por favor reservem uma manhã para ir ao Museu Britânico visitá-las.
(Nota: clicando nas imagens é possível aumentá-las)

 Museu Britânico - Galeria Assíria

 Museu Britânico - Galeria Assíria

Colossal statue of a winged lion from the North-West Palace of Ashurnasirpal II, 883-859 BC

Legenda retirada do site do Museu Britânico: link

 Panel of Ashurnasirpal II, 883-859 BC
Legenda retirada do site do Museu Britânico: link

 Panel of Ashurnasirpal II, 883-859 BC
Legenda retirada do site do Museu Britânico: link

Museu Britânico - Galeria Assíria


Caso não tenham possibilidade de visitar o Museu Britânico, então um salto ao Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa, permite ter um breve relance daquilo a que me refiro: link
Para quem, tal como eu, se interessa por História, e quer aprender um pouco mais sobre esta civilização, sugiro um passeio pelo deslumbrante “Ancient History Encyclopedia”: http://www.ancient.eu/assyria/

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

“Fala-lhes de Batalhas, de Reis e de Elefantes”, de Mathias Énard




A noite não comunica com o dia. Arde nele. Levam-na para a fogueira ao alvorecer. E, juntamente com ela, a sua gente, os beberrões, os poetas, os amantes. Nós somos um povo de degenerados, de condenados à morte. A ti não te conheço. Conheço o teu amigo turco; é um dos nossos. A pouco e pouco desaparece do mundo, engolido pela sombra e pelas suas miragens; somos irmãos. Não sei que dor ou que prazer o empurrou para nós, para o pó de estrela, talvez o ópio, talvez o vinho, talvez o amor; talvez alguma obscura ferida da alma, bem escolhida nos recessos da memória.

Ninguém começa um livro desta forma. É daquelas aberturas ao nível de "Um Conto de Duas Cidades", onde a velocidade das palavras se sobrepõe a qualquer espécie de "situação de abertura" para enquadrar o leitor na acção. O livro começa assim, e nunca mais abranda.
"Fala-lhes de Batalhas, de Reis e de Elefantes" é uma daquelas obras inesperadas que nos caem nas mãos com uma violência inusitada. Isto não é um livro. Antes, é um devaneio estridente de um fôlego único que atropela as palavras antes sequer destas surgirem na mente. E é brilhante.
Mathias Énard tenta fazer-nos entrar na mente de um dos maiores génios da Humanidade (o maior?): Michelangelo Buonarrotti. E agora a pergunta para um milhão de Euros: como é a mente de um génio criativo da magnitude de Michelangelo? Exacto, um turbilhão alucinante de ideias, cores, poesia, música, arquitectura, raiva, frustração, cheiros - respirar fundo! - pessoas, aves, movimento, desejo, emoção, línguas, ferramentas. E o livro é-nos servido desta forma, numa sequência de mini-capítulos que acompanham uma fictícia viagem do Mestre a Constantinopla, em segredo, como forma de se vingar do Papa Júlio II, e oferecer os seus dotes de artista ao Sultão.
Michelangelo tem uma ponte para projectar, mas isso é um mero pormenor na história. Os cinco sentidos do génio devoram tudo o que o rodeia.
Há capítulos que arrancam em alta velocidade onde apenas figuram listas enormes de ingredientes, aqueles que Michelangelo encontra nos mercadores azafamados por onde passa. Não existe verdadeiramente uma história contida neste livro. O que há são os estímulos sensoriais que a personagem assimila neste dia-a-dia alienígena.
Esta talvez seja a altura indicada para referir a tradução. Das primeiras coisas que me saltou à vista quando olhei para a capa foi a referência “Tradução de Pedro Tamen” em letras de tamanho consideravelmente generoso. Ora, exceptuando aqueles casos em que temos “As Minas de Salomão, com tradução de Eça de Queirós”, não é propriamente habitual ver o nome do tradutor merecer tamanho destaque na capa. Neste caso é perfeitamente justificado. A beleza do texto na imortal Língua de Camões é marcante. O exotismo de conciliar vocábulos como “dragomano”, “caravançarai”, ou “janízaros”, com a restante prosa, fazendo-o com o alto nível que o texto merece, é verdadeiramente razão q.b. para ter destaque na capa.
Mas voltemos à história, para referir a ampla dimensão de uma obra tão curta, que se esvai em meia-dúzia de saborosas páginas, para mencionar o apetitoso que é ver as rivalidades entre Michelangelo e Rafael, ou Bramante. Ver o humor de chamar “Júlio” ao macaco de estimação que lhe faz companhia. E perceber que tudo isto se pode enquadrar tão bem com uma personalidade voraz como a do génio Florentino. Muitas recriações históricas acabam por estragar as personagens em que se baseiam por mera idiotice dos autores, que preferem inventar escândalos sexuais, ou outras parvoíces que tais, e que pouco ou nada têm a ver com a personalidade da personagem. Mas aqui é precisamente o contrário. Todos os pensamentos mundanos parecem assentar que nem uma luva nesta fascinante personagem.
Não tenho talento para conseguir explicar por meras palavras a satisfação que é ler, e poder ter livros destes nas mãos. A tristeza com que fico quando penso que há tanta gente neste mundo que infelizmente não pode provar desta Ambrosia. E a cólera que me assoma às amígdalas quando penso que há gente que perde dinheiro – e acima de tudo tempo – a ler aqueles belos pedaços de esterco que geralmente figuram entre as listas de bestsellers. Eu tenho a sorte de ter amigos fenomenais, com bom gosto, estimulantes, e que me colocam livros destes nas mãos. Dizer mil vezes obrigado não chega para mostrar a excitaçãozinha histérica com que fico quando devoro páginas deste calibre. Ler livros desta qualidade é comer gelados da Carte d’Or com a caçarola da sopa.
Mathias Énard é um daqueles escritores a quem o mundo tem a obrigação de estar atento. Demonstrar tamanho talento para a escrita, aliado à sublevação imperial das palavras que usa, é a garantia de muitas páginas futuras de elevada qualidade.
Et voilà, ficam assim a saber, como tinha prometido, qual foi o melhor livro que li em 2014.
E, porque não resisto, mesmo que corra o risco de transcrever metade do livro para aqui, calo-me muito caladinho, com mais uns quantos pulinhos de excitaçãozinha histérica, com apenas mais um, ou dois parágrafos. Ou três. Ou quatro…

A algumas centenas de metros para trás deles, a montante, ergue-se a forma escura do andaime do botaréu da ponte que Miguel Ângelo não chegará a ver.
Abraça longamente Manuel, como se fosse outro que ali estivesse em seu lugar, e depois sobe para bordo. Sente uma dor surda no peito, e atribui-a ao seu ferimento; sobem-lhe lágrimas aos olhos.
O único objecto que trouxe consigo é o seu caderno, onde anota algumas últimas palavras, enquanto o navio passa a ponta do Serralho.
Aparecer, manifestar-se, brilhar.
Constelar, cintilar, extinguir-se.