quarta-feira, 17 de outubro de 2012

"A Feast For Crows", de George R R Martin



“A Feast For Crows” é o quarto livro das Crónicas de Gelo e Fogo. Sendo a terceira vez aqui no blogue que falo das mesmas dará para perceber que sou um dos fãs da saga. No entanto, não sou um fã acrítico, e quando algo está mal não coloco um sorrisinho amarelo e repito “extraordinário, extraordinário, extraordinário” até à exaustão, só para fazer parte do grupo dos miúdos cool.
“A Feast For Crows” é um livro manifestamente fraco. A todos os níveis, tanto individual, como parte da saga. A nível individual é simplesmente uma coisa aborrecida, sem grandes episódios que arrebatem o leitor, e onde ao longo de 700 e tantas páginas pouco ou nada acontece. Aliás, nesse aspecto o livro é exactamente o oposto do seu antecessor. Onde “A Storm of Swords” foi um filme de acção ao estilo anos 90, “A Feast For Crows” foi uma longa telenovela mexicana sem sal, pimenta ou paprika. Desconfio que se podia saltar por cima deste livro e não perder absolutamente nada da história.
A nível da saga, Martin tomou uma série de decisões que a meu ver degradaram a fluência narrativa da mesma. Apesar de haver muitos episódios controversos nos três livros anteriores, e muitas mortes idiotas, o que é certo é que a dimensão da história se encontrava sempre presente. Aqui, não. Para começar, Martin decide dividir as personagens principais entre dois livros, este e o próximo. Mas parece ter feito a divisão de modo a juntar neste livro as personagens que menos interesse têm, e atirar para o livro seguinte Tyrion, Daenerys, Jon e aqueles em redor dos quais se desenrolam os pontos mais apelativos. Outra novidade neste livro é a inclusão de uma série de novas personagens, e onde algumas até têm interesse, e inicialmente parecem refrescar a história, muitas das outras têm a capacidade apelativa de uma batata cozida com casca e sem sal. Além disto, os capítulos com os nomes das personagens passam a coexistir com capítulos com títulos das novas personagens. Isto não se pode dizer que seja uma desgraça, mas confesso que soa um pouco a “vamos mudar alguma coisa só porque sim”, que acaba por diluir um pouco uma das marcas dos livros.
Felizmente eu não fui dos desgraçados que tiveram que esperar anos a fio para que Martin acabasse o quarto livro, pois se estivesse entre essa malta e o resultado fosse isto, creio que para mim a saga estaria encerrada. Além de a história ser aborrecida de morte, o autor decide usar aqueles excessos um pouco idiotas, onde não escapam algumas cenas de “gore”, e até mesmo cenas lésbicas. Sim, isso mesmo. Já estávamos habituados às cenas porno nos livros anteriores, mas desta vez o nosso amigo decidiu “subir a parada” e introduzir cenas lésbicas.
Ok, daqui para a frente vou entrar numa análise mais aprofundada do conteúdo da história, pelo que alerto para os “spoilers”. Quem ainda não leu o livro e está a pensar fazê-lo, deve parar por aqui (e preparar já agora umas pastilhas para o estômago para quando começar a ler o livro).
Comecemos pela personagem de Brienne. Quando surgiu a primeira vez foi uma daquelas personagens que imediatamente arrebata qualquer leitor. Foge à maioria dos estereótipos, é muito densa, bem desenvolvida, e cria rapidamente empatia com quem lê a história. O problema é que a partir do momento em que a donzela de Tarth entrega Jaime a Cercei, Martin ficou sem saber o que fazer com a personagem. E portanto, faz aquilo em que é especialista: põe a personagem feita idiota a passear pelo mapa, sem rumo nem Norte, para encher páginas, e mais páginas, e mais páginas, até estragar a personagem. Chega a ser agonizante ler os capítulos da Brienne. Uma pessoa chega até a revirar os olhos quando surge mais um capítulo com o seu nome. A personagem perde o interesse, perde a sua aura, e vai definhando à medida que passeia acompanhada de personagens tão apelativas “como uma batata cozida com casca e sem sal”. E digamos que os monólogos em redor da sua paixoneta com o regicida também nada ajudam a evitar a queda da personagem.
Depois temos os gémeos. Um livro inteiro dedicado aos gémeos. Setecentas páginas que orbitam entre as birras de Cercei e Jaime. O “casal perfeito” de um momento para o outro zanga-se, e começa a telenovela. “Oh meu amor, eu amo-te, eu amo-te, és tudo para mim! Ai, que seria de mim sem ti! Mas sai daqui, odeio-te, odeio-te, vai para longe, nem te quero ver à frente”. Socorro, tirem-me deste MAU filme lamechas… A personagem de Cercei ao menos tem a “coerência” de ir enlouquecendo ao longo do livro, ficando cada vez mais histérica. Por outro lado, Jaime safa-se um pouco melhor porque é a personagem da saga que sofre a maior transformação, e torna-se bastante mais interessante. Infelizmente, tal não chega para justificar as ditas setecentas páginas.
Sam é outra batata cozida. Nem é o cobarde, nem o chico-esperto. É uma batata sem sal que serve o propósito útil de transportar à história um ligeiro passo para a frente (embora quem verdadeiramente o faça seja Meistre Aemon enquanto fenece).
“Sansa” e Littlefinger são mais dois bocejos. No caso de Sansa isso até nem é novidade, pois em quatro livros ainda não houve uma única linha em que a moça não fosse a personagem mais chata da história das personagens chatas, uma espécie de Nobel da “boredom”. No caso de Petyr Baelish, o caso é bastante mais desolador. Surge no início da saga como uma das personagens mais emocionantes, e à medida que o tempo passa vai-se eclipsando. Longe vão os tempos do político hábil que desafiava Cercei e companhia.
Ora, deixa cá ver quem é a batata que se segue… Bom, pode ser toda a maltinha de Dorne. Caem na história de pára-quedas, na sequência da morte do Príncipe, e… ficam-se por aí. Batatinhas sem interesse nas cálidas areias do deserto.
E temos Arya, que é uma carta completamente fora do baralho, e que parece mover-se à margem da história toda. E que é uma personagem tão previsível que acaba por cansar. A fórmula é sempre a mesma. Anda para um lado, anda para o outro, conhece algum “mestre super sábio de alguma coisa”, faz um treino intensivo, et voilá! Achievement unlocked! Lamento a linguagem ao estilo jogo de computador, mas a Arya é basicamente isso desde que a saga começou.
Bom, como não podia deixar de ser, guardei o melhor para o fim. As “Iron Islands”. A morte de Balon Greyjoy traz o pessoal das Iron Islands para “o mapa”. Surgem os seus irmãos, e são eles os responsáveis pelos capítulos mais interessantes do livro. Logo no início temos toda a soberba carga “mítica” dos seguidores do “drowned god”, e os discursos estupendos de Aeron Greyjoy, o sacerdote, que é de longe a personagem mais interessante dos novos figurantes. Todas as ligações familiares e todas as tradições das Iron Islands são feitas ao melhor nível de Martin. Ao nível do que fez nos anteriores livros. O ambiente em redor do “kingsmoot” é muito bem conseguido, e a filosofia dos homens das ilhas é “uma dádiva dos Sete” para quebrar a monotonia. Espero que no próximo livro (ou livros) tenham direito a um pouco mais de protagonismo relevante, e que não sejam mais do mesmo, ou seja: o figurão aparece, faz ABC, e morre de forma estúpida e pouco relevante.
O livro que se segue, “A Dance With Dragons”, centra-se nas personagens em falta, e é cronologicamente paralelo. Espero que seja tudo o que este livro não foi, e que explique um bocadinho melhor algumas coisas (matar o Hound fora de cena e fazer o seu elmo, sem mais nem menos, aparecer na posse de um doidinho qualquer… muito mau!).
Em suma, este livro serviu para “baralhar e dar de novo”. Empatar toda a história que até aqui se desenvolveu e fazer render o peixe. Enquanto leitor da saga, até me sinto ultrajado pela fórmula de Martin de matar personagens importantes a pontapé, para pouco depois introduzir mais umas dúzias de personagens que falta nenhuma faziam à história. Espero que acabe a saga rapidamente, e que tenha o talento de reverter algum do mal que foi feito, caso contrário creio que muitos dos leitores nem se vão dar ao trabalho de acompanhar os livros até ao fim.