terça-feira, 26 de novembro de 2013

Esta raiva que trago contida…


Evito falar de política neste blogue. Sempre olhei para esta aventura bloguística como puro entretenimento. Um espaço onde escrevo algumas parolices sobre filmes, livros, e assuntos diversos, para partilhar com meia-dúzia de amigos que têm paciência para ler estas baboseiras.
Mas há momentos que nos transportam para outro estado de espírito e nos fazem reflectir sobre questões mais sérias. E estes últimos dias têm sido propícios a reflexões dessa natureza.
A faísca – chamemos-lhe assim – que despoletou este texto foi “mais uma” destas notícias que vão saindo diariamente, e que me levam a ter vergonha do meu país e de ser Português. E quem me conhece, e está habituado ao meu fanatismo patriótico, sabe bem que não escrevo isto de ânimo leve. Saiu há uns dias no Diário de Notícias um pequeno artigo a dar conta de o Estado ter assumido uma dívida de 17 milhões de Euros, ligado ao Luís Filipe Vieira e ao BPN. Esta notícia passou completamente em silêncio. Só dei por ela, dias mais tarde, graças a um programa de comédia (veja-se a ironia) na rádio, da autoria do Nilton. Artigo no DN: link.
A esta junta-se “mais uma”, que também há dias passou meio em silêncio, a dar conta da contratação do Secretário de Estado da (falta de) Cultura relativa a um assessor, com 24 anos, e cujo impressionante currículo continha a participação em três workshops “de qualquer coisa”. Não sei quanto aufere um assessor de Secretário de Estado, mas estou certo que muito mais do que o que ganham os Engenheiros com 10 anos de experiência em Portugal. Artigo no Expresso: link.
Querem mais notícias? Ontem mesmo anunciaram que o Estado penhora diariamente 125 000 Euros a pensionistas que têm dívidas por pagar. Atenção à palavra: diariamente. É nisto que muito pouca gente pensa. As pessoas que têm agora 65-70 anos estão a estoirar as parcas poupanças que juntaram ao longo da vida para conseguirem valer aos filhos, que aos 40 viram-se sem emprego, sem dinheiro para pagar a casa, sem dinheiro para sustentar os filhos. Quando estas pessoas de 65-70 chegarem aos 80 já terão gasto todas as suas poupanças. Os filhos não terão dinheiro, e nessa altura quem vai garantir que estas pessoas têm onde morar, o que comer, e acesso aos medicamentos de que necessitam? Nisso não importa pensar.
Como dizia, sabiamente, o Nilton: indignem-se com a Pepsi e com o Ronaldo, porque isso é que é importante.
Podia passar aqui vários parágrafos a reflectir sobre muitas mais notícias, mas ninguém está verdadeiramente interessado em notícias. Pouca gente lê jornais, ou quer saber do que se passa para lá do tapete da entrada.
Falaria, apenas, de um tema deveras sinistro que tem estado a merecer algum mediatismo por parte da comunicação social. Falo do exame que os professores têm que fazer por estes dias para se poderem candidatar futuramente a leccionar nas escolas Portuguesas. Quando ouvi falar disto pela primeira vez, assumi que fosse um exame para os novos candidatos a professores, malta recém-licenciada que pretendesse dar aulas. Ainda pensei “isto até faz algum sentido”. Qual não foi o meu espanto, quando vi uma reportagem onde entrevistavam uma professora contratada, a dar aulas há 14 anos, com Mestrado e Doutoramento, e a fazer todas aquelas formações obrigatórias anuais, e fiquei a saber que é maioritariamente a estas pessoas que este exame se destina. Professores contratados, alguns a dar aulas há mais de duas décadas. Isto é aberrante… Gostaria de saber que exame é que o Ministro da Educação fez para estar habilitado a assumir as funções que desempenha. Ou qualquer um dos membros do Governo. Já tivemos o exemplo do brilhante currículo do Senhor Relvas, e tanto quanto sei o currículo do Primeiro Ministro também não é exactamente por aí além.
E é por isto que trago esta raiva contida cá dentro. Raiva por ver um país sem-vergonha, onde há dinheiro para gente medíocre, e para os bolsos dos “grandes e poderosos”, enquanto se humilham professores, e se faz os velhos andar na penúria. Entenda-se: não é só contra esta gente sem carácter que sinto uma imensa raiva. Gente desta há em todo o lado. Esta raiva é mesmo para com os Portugueses em geral, sempre dispostos a mandar vir, mas que continuam a votar nesta gente, entregando-lhes perpetuamente o poder. Ainda nas recentes autárquicas se viu. Não é possível entender um povo tão acéfalo, tão intelectualmente débil, tão idiota, cujo grande desígnio nacional é “irmos todos ao Brasil”! Sim, vamos a isso! Vamos todos ao Brasil! E façamos vídeos no YouTube contra a Pepsi, e contra o Blatter, e contra toda a gente que disser mal do Ronaldo. Que se lixem todos estes Velhos do Restelo, sempre a queixarem-se de tudo.
Penso muitas vezes na vontade que tenho de correr esta corja à bofetada! E meter as coisas na ordem. E assusto-me por pensar nisto. Quantos déspotas ascenderam ao longo da História precisamente por estarem revoltados com “o sistema” e quererem mudar as coisas?
Declaração de intenções: eu não tenho partido político. Não sou de Esquerda, nem de Direita. Simplesmente, não subscrevo a teoria de não ir votar.
Mas já que falo de notícias, aproveito para referir que está novamente a decorrer a campanha online do Banco Alimentar: link. É possível que também esta notícia passe apenas no rodapé dos telejornais. Precisamos de todo o tempo disponível para dar tempo de antena às coisas importantes. Sabem que a TAP está a pensar deixar de servir Pepsi a bordo dos aviões? Espectáculo! Orgulho nacional! Portugal Forever!
Enfim… Resta-me pedir desculpa à tal meia-dúzia de amigos incautos que aqui vem à procura de uma qualquer patetice para animar, e hoje viu-se confrontada com conteúdo de teor político. Ou será social?
Termino, nesta estúpida angústia, neste render-me às evidências, com a típica e imbecil melancolia Portuguesa, citando aquele que foi o Homem Maior da minha língua.

Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.

Senhor, falta cumprir-se Portugal!

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