sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O Nobel da União Europeia



Se me perguntassem há 10 anos, responderia sem hesitações que era um europeísta convicto. Desde muito novo guardo memórias do deslumbramento que sentia com o facto de pertencermos à CEE, que posteriormente evoluiu (não necessariamente de forma positiva) para a União Europeia (UE). Os valores que esta União defendia eram tudo aquilo em que eu acreditava enquanto cidadão. Um conjunto de países diferentes, todos com uma rica e extraordinária História, unidos para partilhar conhecimento e responsabilidades comuns. Cooperarem a nível científico, em termos de cidadania, na defesa do território Comunitário. A Europa era o espaço de excelência do mundo. Éramos a vanguarda de tudo o que era “bom”.
Igualmente, sentia um interesse particular pela atribuição dos Prémios Nobel. Toda a gente olhava com respeito e expectativa para, pelo menos, dois deles. Aqueles que, provavelmente, mais diziam do ponto de vista social: o Nobel da Paz e o Nobel da Literatura. As outras categorias, mais científicas, sempre foram um pouco mais alienígenas ao conhecimento geral.
Se por um lado o Nobel da Literatura é sempre mais ou menos pacífico – gostos pessoais à parte, pois felizmente o que não falta no mundo são escritores cheios de talento – já o Nobel da Paz, de quando em vez, reserva-nos alguns narizes torcidos. Cada Prémio Nobel é atribuído por uma entidade diferente. Já ficaram a saber uma coisa nova só por lerem este artigo, gente sortuda! No caso do Nobel da Paz, a responsabilidade cai num comité eleito pelo Parlamento Norueguês. Há que reconhecer (e congratular) que este comité está sempre bastante atento aos temas da actualidade mundial, o que leva muitas vezes ao risco de gerar grandes controvérsias aquando da atribuição do prémio.
Recordo-me quando, há uns anos, a distinção foi atribuída a Al Gore e, genericamente, aos cientistas que trabalhavam o tema das Alterações Climáticas. Muita gente achou a ideia absurda, mas poucos têm a noção das razões – mais do que lógicas e sérias – por trás desta atitude. Esta era uma forma de o Prémio Nobel se associar a um tema da maior importância, que infelizmente tem sido alvo de muita incúria e demagogia reles. Já associar o nome de Al Gore à questão, confesso que me causou alguma comichão. Ele foi de facto um motor importante para a mediatização do tema, mas também houve uma banalização provocada por isso. Lembro-me de quando ele andou em périplos por vários países do mundo, nas suas célebres conferências, onde certamente era bem pago para dizer coisas sobre as quais qualquer professor universitário sabia muito mais do que ele. Cá em Lisboa também houve uma dessas célebres conferências, no Museu da Electricidade, para onde correu toda a fantocharia política. Não houve um “intelectual” do nosso Parlamento que não tivesse ido a correr para se associar ao evento, e aparecer na televisão. Uma histeria idiota, para mais num país que tem pessoas da área da ciência que são referências em termos do estudo das alterações climáticas, nomeadamente da FCT. Nem de propósito, no jornal Público vem um artigo do Professor Filipe Duarte Santos (link).
Seguiu-se o “estranho caso” de Barack Obama, que ainda nem tinha aquecido o assento da cadeira presidencial e já era galardoado com o prémio. Percebeu-se a “mensagem política”, mas pergunto eu: um prémio não é algo que se atribuiu a alguém pelo mérito de um trabalho feito? Atribuir o Prémio Nobel da Paz ao presidente de um país que estava envolvido em várias guerras por esse mundo fora, e cujo orçamento anual gasto na indústria militar daria para sustentar dezenas de países… só como gesto de sarcasmo. E são este tipo de atitudes que minam por completo a credibilidade de algo tão importante como um Prémio Nobel da Paz. Não pode ser encarado como uma espécie de “Recomendação da Assembleia da República”, onde os deputados aconselham o governo a legislar sobre um assunto, ou a tomar atenção a uma matéria. Um prémio é o reconhecimento por algum feito alcançado. Banalizá-lo é coloca-lo ao nível de uma cerimónia estilo “Miss Praia da Nazaré 2012”.
Chegamos por fim ao Nobel atribuído este ano à União Europeia. A meu ver, a UE é um dos maiores feitos da Humanidade. Em teoria, pelo menos, já que prática há demasiadas questões para que uma afirmação destas seja feita de ânimo leve. Aqui se fez a Paz, derrubaram-se barreiras, partilharam-se culturas, misturaram-se populações, desfizeram-se fobias, trabalhou-se no sentido de garantir prosperidade, dignidade, e saber, a mais de 500 milhões de seres humanos. Aqui se decidiu adoptar o “Hino à Alegria”, versão instrumental, como hino comunitário. E, portanto, atribuir este prémio na altura em que boa parte de tudo isto se está a destruir é, novamente, caricato.
Em pouco mais de um ano, boa parte dos líderes europeus foram varridos pelos seus povos. Os países mais fortes mostram um total desprezo pelos mais fracos, dando-se ao luxo de mandar bocas na comunicação social. Ver ministros das finanças de uns países a insultar o povo do país vizinho não é propriamente normal na Europa. Ou ver o Presidente do Parlamento Europeu, que foi um dos “três estarolas” que recebeu o prémio nas mãos, a atacar Portugal por ter negócios com Angola. Testemunhámos, inclusive, aquela bonita atitude “nós não somos a Grécia”, seguido de “nós não somos Portugal”, “nós não somos a Irlanda”, “não somos a Espanha”… A xenofobia corre livre. Na Grécia, os neonazis ocupam 20 lugares no parlamento, enquanto a BBC revela notícias de “raides” nocturnos que os mesmos fazem, em conivência com a polícia, para atacar imigrantes, e em alguns casos torturá-los violentamente.
É esta a Europa do Prémio Nobel da Paz? Onde milhares de pessoas passam fome? Onde centenas de pessoas cometeram suicídio por perderem as suas casas, perante a passividade das autoridades? Onde os cidadãos são alvo de violentas cargas policiais por manifestarem o seu descontentamento pela destruição de parte daquilo por que lutaram os seus pais e avós? Onde meia-dúzia de “senadores” se acham no direito de humilhar os povos dos países vizinhos, tratando-os como se fossem gente pestilenta e sem quaisquer direitos? Onde se queimam bandeiras da Alemanha, e da própria UE, em manifestações de rua?
E, como cereja no topo do bolo, temos Barroso, Rompuy e Schulz a receberem o prémio em nome dos 27. Faz sentido, são o espelho perfeito da inépcia total e absoluta a que estão entregues os destinos da Europa presentemente, onde se fazem duas dezenas de cimeiras para, em cada uma delas, se anular tudo o que foi decidido na anterior, e alvitrar novas directrizes, que geralmente duram 48 horas até caírem por terra.
Novamente, percebe-se a mensagem por detrás da atribuição do prémio neste momento, mas como “proposta de reflexão” termino questionando: estamos a colocar estas pessoas na mesma lista de Nelson Mandela?

Sem comentários:

Enviar um comentário