quinta-feira, 30 de maio de 2013

Sherlock


Quando eu era pequenino – não, não me vou pôr a cantar Quinta do Bill – li as aventuras do inimitável detective criado por Sir Arthur Conan Doyle. Recomendo vivamente (bem como Agatha Christie, já agora).
Ao longo dos anos, Sherlock Holmes tem sido presença habitual no cinema e na televisão, com dezenas de séries e filmes baseados na mítica personagem, que aliás volta a estar na moda graças aos filmes com Robert Downey Jr. No entanto, o que nos traz aqui é a mini-série “Sherlock”, produzida com a habitual qualidade inquestionável da BBC. Já leva duas temporadas, num total de seis episódios, cada um com a duração de uma hora e meia (portanto, cada episódio é um filme em si).
E por que razão é esta nova mini-série digna de registo? Para começar, como referido, por ter o selo da BBC, mas acima de tudo por ser uma adaptação das histórias originais aos dias de hoje. Ora, eu geralmente torço o nariz a estas “reinterpretações”. Na grande maioria dos casos são uma tremenda banhada que serve somente para envergonhar a qualidade do trabalho original. Pois, mas aqui estamos a falar da BBC. A série transporta Sherlock e o Dr. Watson para a Londres quotidiana, onde o detective amador usa o seu método invulgar para resolver os crimes que não estão ao alcance das mentes comuns.
Logo para começar há que colocar os holofotes em Benedict Cumberbatch (um gajo com um nome destes devia ser obrigado a usar um nome artístico). O actor que interpreta Sherlock é tão genial como a própria personagem. Nunca tinha ouvido falar da criatura antes de ver esta série, e fiquei boquiaberto com este Sherlock. Esqueçam o detective convencional, de cachimbo na boca, capote sobre os ombros e chapéu de caçar veados. Este é o Sherlock do século XXI, que usa smartphones, e tem uma personalidade a roçar o transcendental. Cumberbatch é verdadeiramente inspirador. O trabalho de re-imaginação de Sherlock é algo de fazer voar o chapéu de caçar veados das nossas cabeças.
Ao lado de Cumberbatch está Martin Freeman, do qual eu não me mostrei grande fã n’O Hobbit, mas que aqui faz um Dr. Watson extraordinário, e num contraste absoluto com Sherlock. Todo o ambiente que rodeia o apartamento partilhado pelos dois, constantemente “invadido” pela senhoria, é digno de registo. Os diálogos estão muito bem conseguidos, e a interpretação esquizofrénica de Sherlock mantém um registo intenso em cada episódio. Ligando isto ao “método de observação” de Holmes, torna cada episódio numa delícia.
Até agora, o melhor episódio é o primeiro da segunda série, “A Scandal in Belgravia”. O próprio título demonstra como esta reinterpretação não é apenas um “pegar nas histórias que se passam no século XIX, e adicionar automóveis novos e internet”.
Há, contudo, uma nota negativa na série. Não é a realização (que é fabulosa), não é a música (que é estupenda), mas sim a “reconstrução” da personagem do Professor Moriarty, o nemesis de Sherlock. É abominável. O mastermind do crime surge aqui como um maluquinho exótico, com tiradas histéricas, e que mais parece um Joker de segunda categoria retirado do Batman dos anos 70. O problema não está no actor, que claramente mostra que tem categoria, mas sim na personagem perfeitamente estúpida, que destrói por completo qualquer tentativa de mostrar Moriarty como um par de Holmes. Enfim, no melhor pano cai a nódoa…

«ALERTA DE SPOILERS»
Existe ainda uma nota digna de registo, e que comprova novamente a capacidade que a BBC tem de ir buscar gente de qualidade. Na realidade, Conan Doyle matou Sherlock Holmes na sua última história, sendo que este e Moriarty morrem ao mesmo tempo, num derradeiro confronto. No entanto, à altura (1893), a personagem tinha atingido uma popularidade tão elevada que os fãs protestaram veementemente com o autor. Esta ideia, por si só, é fascinante. Estamos a falar do final do século XIX. Não havia televisão, não havia internet, não havia redes sociais com hordas de mentecaptos aos berros. Havia, isso sim, legiões de fãs da obra. A pressão foi tanta, que Conan Doyle viu-se (anos mais tarde) forçado a mudar os contornos da história, e a mostrar que afinal Sherlock estava vivo. Ora, no último episódio da segunda série acontece precisamente o mesmo. Sherlock morre no confronto final com Moriarty, mas na última cena vemos o detective escondido entre as árvores a olhar para o seu amigo Watson a chorar em frente ao seu túmulo. São estes pequeninos detalhes que fazem as delícias dos fãs!
«FIM DE SPOILERS»

Tendo tudo dito, resta-me dizer que largarem tudo o que estão a fazer, e irem a correr ver a série é… elementar, meu caro Watson.

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