segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Gravidade


Respiremos fundo! Ainda há esperança para o cinema. Podem cancelar o atentado terrorista contra Hollywood. Mas só desta vez! E graças a um Mexicano.
Que interesse pode ter um filme sobre astronautas à deriva no espaço? Muito pouco, a menos que esteja nas mãos de um grande realizador. É o caso.
Gravidade pôs-me as orelhas em pé assim que vi o primeiro trailer. Parecia intenso. Mas deixava uma pergunta no ar: cinco minutos de catástrofe espacial conseguem ser projectados de forma interessante para um filme de 90 minutos? Depois houve outra coisa a chamar-me a atenção. Um nome: Alfonso Cuáron. O realizador do fabuloso “Os Filhos do Homem”. E depois houve, não um, mas dois nomes a fazer-me torcer o nariz: George Clooney e Sandra Bullock.
O cavalheiro é um bom actor, mas é daqueles que em 90% dos filmes se limita a fazer… dele próprio. Há muitos bons actores que infelizmente decidem enveredar por este caminho. George Clooney é muito bom a fazer de George Clooney. Mesmo no espaço, durante o Apocalipse, against impossible odds, ele mantém o ar cool, a voz pausada, e o ar imperturbável de Bond, James Bond. E, como esperado, é isso que se limita a fazer no filme. Não é mau. É simplesmente mais do mesmo.
Já no caso da dama, não me lembro de qualquer filme em que a tenha visto e que fosse algo mais do que meramente “meh”. Em boa verdade, devo dizer que não vi The Blind Side, filme onde Bullock ganhou um Oscar. Em suma, associo-a sempre a uma espécie de “adolescente tardia que passa metade do tempo em comédias rasca aos gritinhos”. Nada disso se passa em Gravidade, onde ela tem uma prestação excelente, embora eu não alinhe pelo coro de deslumbrados que já anda por aí a pulular na Net a berrar para lhe darem o segundo Oscar.
Mas esqueçamos os actores, já que o verdadeiro protagonista do filme é o realizador. Cuáron desarma-nos com uma obra excepcional do ponto de vista cinematográfico. Este filme é um manual de como fazer cinema, associado à constatação do quão avançada está a tecnologia ao serviço da Sétima Arte nos dias que correm. Tudo em Gravidade é o sonho de qualquer cinéfilo. O suspense no filme é sufocante, e é todo conseguido graças à montagem perfeita de cenas realizadas com uma serenidade desconcertante. 99,9% dos realizadores faria uma série de sequências caóticas, com tudo a inundar o ecrã de flashes, e gente aos gritos, e explosões à Michael Bay. Cuáron limita-se a fazer planos de 20 minutos ininterruptos em que a câmara acompanha discretamente a acção, aproximando-se e afastando-se com uma placidez memorável. Isto é um ensaio de cinema. Querem aprender a realizar na perfeição? Vejam este filme. A própria realização transporta o peso do título do filme. É magnífico. Há cenas de uma beleza difícil de expressar por palavras. Já todos sabemos que nada existe no Universo mais belo do que a Terra vista do Espaço. Cuáron limita-se a recordar-nos disso. Há longos planos onde apenas se filma o planeta, acompanhado de um silêncio prolongado. E é isto que continua a justificar a ida às salas de cinema. Uma aurora boreal vista do Espaço, em tamanho gigante, é de suster a respiração.
Querem que vá já à música, ou deixo-a para o fim? Ok, de acordo, guardemos o melhor para o fim, e centremos a atenção então na história. O filme não precise de história. Quase não tem argumento. Dispensa-o. Tem Cuáron, é tudo o que é preciso. Mesmo assim, nos poucos relances em que somos recordados de que existe uma história a decorrer, há ainda tempo para algumas (breves) reflexões sobre o espírito Humano e a sua força anímica. São toques leves. Meras pinceladas. Não queremos estragar a obra-prima com demasiado melodrama ou lamechice. Tomem lá um cheirinho, e voltemos ao orgasmo visual.
Destaco, em particular, as cenas filmadas a partir do interior do capacete da astronauta. São maravilhosas, de um realismo que quase nos dá vontade de esticar o braço para vermos a nossa mão através da viseira do capacete.
O filme, como é óbvio, não é isento dos exageros típicos de Hollywood, mas que se pode fazer? São as regras do jogo. Um filme destes sofre pelo facto de existir num tempo onde os imbecis gostam é de ver “Twilights” e “Transformers”.
E já agora, para os inúmeros senhores e senhoras que andam ocupados a criticar o filme pela quantidade de “erros científicos” que tem, permitam que cordialmente vos mande à merda. Atentamente, THE PSY.
Ora, vamos à música que se faz tarde. Steven Price. Quem é este tipo? Não faço ideia. Este ano tem sido uma maravilha para mim. A quantidade de compositores desconhecidos que estão a dar cartas, e de qualidade, era algo que eu não antevia. É certo que se está a desenvolver um “estilo próprio” no cinema americano, onde todas as músicas parecem vir do mesmo sítio (defeitos da massificação do electro), mas há casos em que tal merece uma atenção especial. A banda sonora de Price é o complemento perfeito à realização de Cuáron. Enaltece inebriantemente aquelas cenas de suspense que nos deixam a tremer de antecipação. Com uma beleza rara, uma diversidade assinalável, e sem nunca, nunca, nunca, cair na tentação de avançar para uma peça cheia de exageros para “fazer muito barulho porque aimeudeusvamostodosmorrer”. Nunca cede ao histrionismo básico que tão popular se tornou no cinema contemporâneo. Esta é uma das bandas sonoras que maior identificação projecta sobre o filme. Aqui, mais do que em qualquer outra obra, o filme é indissociável da música. Intimista, boa parte dos temas só podem ser entendidos vendo o filme, ou ouvindo-os de olhos bem fechados.
Chegados aqui, resta-me sublinhar a inspiração que este filme é. Geralmente necessitamos de um grande argumento, um grande realizador, e grandes actores para termos um grande filme. Alfonso Cuáron altera as regras do jogo. Mostra que é possível ter uma história muito insípida, sem grandes diálogos, e sem grandes desempenhos, e mesmo assim sentir a magia do cinema. Meus amigos, se há pessoa que costuma mandar vir pela falta de bons argumentos no cinema sou eu. No entanto, se querem ter a história como vector principal, então sugiro que peguem num livro e saciem a vossa sede. É reconfortante ver que ainda há realizadores capazes de arriscar algo novo. Visual e tecnicamente, Gravidade é um dos filmes mais perfeito de todos os tempos. O resto… são detritos espaciais.
Corram a uma sala de cinema. Vejam o filme. Ouçam a música. Esqueçam tudo o resto.

Pelo Melhor
A sinergia entre realizador e compositor, que resulta numa das obras audiovisuais mais intensas desde que a palavra foi inventada. Se têm dúvidas, fica este trailer que é na realidade um excerto de um minuto do filme.

 Pelo Pior

Os símios mentecaptos e privados de oxigénio que me obrigaram a ver o filme em 3D. Existe um lugar especial no Inferno para gente desta. Gente que gosta de cinema 3D está na mesma escala evolutiva do que gente que escreve com o acordo ortográfico: merecem levar com um satélite Russo nos cornos! E sim, eu sei que vocês estão a ler isto, e portanto caganeira de babuíno para vocês! >:(

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