segunda-feira, 28 de outubro de 2013

“Três Sombras”, de Cyril Pedrosa

Não é muito hábito falar por aqui de banda desenhada, apesar de ser algo de que gosto muito desde novo. Essencialmente a escola franco-belga e os comics americanos. Não deixa de ser curioso que a única BD que nunca me apelou verdadeiramente é precisamente a japonesa, e os seus manga que tanto sucesso fazem, e que de certa maneira acabaram por “infectar” todo o estilo de BD a nível mundial nas décadas mais recentes.
Este artigo esteve quase para o não ser. Explico: quando acabei o álbum, pensei: gostei disto, podia escrever sobre ele lá no blogue. Mas, pouco depois: hum, não sei se alguém se interessa pelo tema. Até que por fim, quem me emprestou o livro – o poderoso Sr. Fusão (que também responde pelo nome de código “Muafa”) – me disse: epá, eu até curto ler as tuas cenas, portanto fala lá sobre o livro no blogue!
Ok, vamos a isso!

“Três Sombras” é um livro grande, em particular para quem está habituado ao formato convencional das 30-40 páginas dos álbuns europeus. Mas tem razão para o ser, pois o autor quis contar – sem pressas – a extraordinário odisseia de um pai e de um filho. Comecemos, então, como todas estas nossas histórias começam: Era uma vez um casal que vivia numa casa de campo com Joaquim, o pequeno filho de ambos que costumava acompanhar o pai no dia-a-dia, vivendo uma genuína felicidade nas mil e uma aventuras com que se deparava na floresta. Certo dia, surgem três cavaleiros à distância, deixando a família em alerta. Quem serão? Nunca se aproximam da casa, e as suas longas sombras projectam-se a partir do horizonte. O pai de Joaquim tenta correr na direcção dos cavaleiros, mas rapidamente percebe que nunca os consegue alcançar. É então que começam a perceber que “algo estranho se passa”, e que o pequeno Joaquim pode correr perigo… A Mãe decide então ir até à cidade, falar com uma velha bruxa (?) para tentar proteger o filho destas estranhas criaturas. Com a certeza de que as sombras estão atrás de Joaquim, o pai não vê outra alternativa a não ser pegar no filho e tentar fugir para longe. É essa fuga que os vai levar numa extraordinária odisseia, que começa a bordo de um navio cheio de personagens magníficas, que muitas vezes comunicam apenas com um olhar, e que nos compelem a devorar cada traço em cada vinheta.

Não vou contar o resto da história, pois é aqui (ao embarcarem no navio) que ela verdadeiramente começa, e não quero estragar a surpresa a quem vai ler o livro. Bastará dizer que vale a pena. Centremos, então a atenção no traço (ou, usando uma linguagem mais técnica, na bonecada). Eu sou, sempre fui, e sempre serei grande fã de banda desenhada a preto-e-branco. Para mim, a “Savage Sword of Conan” desenhada por John Buscema nos anos 70 continua a ser a obra-prima da história da BD. Não é muito fácil definir o estilo de Cyril Pedrosa. Creio que uma descrição adequada será classificá-lo como uma espécie de esboço a lápis, que num primeiro olhar parece ser uma coisa muito simplista e demasiado “cartoonesca”, mas que aos poucos vai revelando uma complexidade na riqueza dos pormenores que compõem cada imagem. O trabalho é muito gráfico, composto por perspectivas forçadas e muito movimento, como é o caso do fumo que parece feito de argolas de algodão ondulantes, e enriquecido pelas sombras (duh!, não se esperaria outra coisa dado o título do livro) que ganham particular dimensão num maravilhoso preto-e-branco que alterna entre pranchas quase brancas, com meros elementos para dar continuidade à história, e imagens negras, carregadas de expressividade ameaçadora e que sabem reclamar na perfeição a atenção dos nossos olhos. São, certamente, necessários muitos anos de trabalho para chegar a um traço tão simples, tão despojado de acessórios supérfluos.
Quem ler isto até fica convencido que eu percebo alguma coisa do que estou a dizer, hehehe…

Veredicto: um trabalho muito bom, quer ao nível da história, quer ao nível visual, tratado de uma forma que explora os sentimentos familiares num misto de magia e realismo, bastante original e que nos transporta para uma aventura cativante, numa perspectiva diferente, e muito apelativa.

Sem comentários:

Enviar um comentário