quarta-feira, 6 de novembro de 2013

“Emperor – The Gates of Rome”, de Conn Iggulden


“You all know me,” Marius bellowed. His voice carried far in the silence. “I am Marius, general, consul, citizen. Here, before the Senate, I claim my right to hold a Triumph, recognizing the new lands my legion has conquered in Africa.” (…) Gaius noticed that the other senators looked to Sulla to respond. As the only other consul, it was his word that carried the authority of the city.

O jovem Gaius tem 10 anos e passa o tempo a percorrer a extensa propriedade do seu pai, Julius, senador de Roma. Tem por companhia o jovem Marcus, órfão, protegido de Julius, e Tubruk, o tutor dos rapazes. Julius entende ser chegada a altura dos jovens aprenderem as artes da luta, e contrata um velho gladiador para os treinar. Um dia Gaius herdará tudo o que pertence ao seu pai. Um dia tornar-se-á o homem mais importante da História de Roma, talvez mesmo o homem mais importante da História do mundo Ocidental.
A Ficção Histórica é um dos meus géneros literários preferidos. Se associarmos a isso o período de Roma clássica, tanto melhor. E então se tiver a personagem de Júlio César no centro da acção, é como perguntar ao macaco se quer mais um cacho de bananas.
Mas este livro esperou por mim durante sete anos. Xiça, o tempo passa mesmo depressa…
E pensar que “ainda ontem” saí da livraria com ele debaixo do braço e a pensar “este vai ser um dos próximos”.
Mas será que valeu a pena esta espera?
Iggulden é um criador de personagens magnífico, ao estilo de George R R Martin. A força toda deste livro reside nas personagens apaixonantes, se bem que noto um pormenor curioso. Todas as personagens são mais interessantes do que César, a personagem principal. Dá a sensação que é uma forma de o autor dizer “eu sou tão bom a criar personagens, que aquelas que são da minha autoria põem a um canto alguém tão poderoso como Júlio César”.
Não paremos nas fascinantes personagens que o livro tem. Olhemos também para o ambiente em que o escritor tão eloquentemente as coloca. Há episódios escritos com uma mestria genuína, como a altura em que os dois rapazes capturam um corvo, e o tutor tem com eles uma longa conversa onde lhes explica que em cativeiro o espírito do animal quebrar-se-á, acabando por levar à sua morte. Ou um episódio onde um dos professores lhes demonstra as movimentações militares dos grandes generais romanos e gregos, recorrendo a figuras azuis e vermelhas para o exemplificar. A descrição é de tal forma vívida que sentimos que somos nós que estamos a mover as figuras coloridas.
E não é somente isso que sentimos enquanto lemos o livro. O que dizer de uma passagem inteira onde é detalhadamente descrita a amputação de um braço? Mas, entenda-se, com o conhecimento e ferramentas apropriados para a altura. Não há cá anestesias, nem coisa que lhe valha! A cena é de tal forma gráfica que eu só desmaiei umas três vezes até conseguir chegar ao fim do capítulo.
Este é um dos grandes livros de ficção histórica que me passaram pelas mãos. Porventura a personagem de César surge menos interessante neste volume, porque existem mais quatro a seguir a este. Não bastaram as 600 páginas deste The Gates of Rome, o nosso amigo entendeu que eram necessários mais quatro livros para contar a história da única pessoa cuja importância para o Universo pode apenas ser comparada com a do autor deste blogue. E é precisamente aqui, depois de toda esta vénia que lhe acabo de fazer, que entro na parte de apontar o dedo ao que de mal o livro tem.
Para se escrever boa ficção histórica é preciso um extenso estudo do período onde a acção se desenrola. É preciso conhecer as personagens-chave que resistiram estoicamente à voragem do Mestre Tempo. Não me passa sequer pela cabeça que alguém com a qualidade deste autor cometa erros grosseiros. Aliás, no fim do livro ele dá-se ao trabalho de publicar uma nota a explicar as suas opções. E estas opções passam em grande medida por alterar a cronologia e as relações entre personagens históricas como bem lhe apeteceu. Se isto fosse feito em relação a uma figura pouco conhecida, ou num período pouco documentado, a coisa ainda passava. Mas estamos a falar de uma das pessoas mais marcantes dos últimos 2500 anos, e situada no local onde o Conhecimento e os historiadores imperavam. Até acredito que boa parte das coisas passem despercebidas à maioria dos leitores, mas tal como eu disse, a personagem de César fascina-me desde que me lembro. Bastará, por exemplo, referir que o momento de maior espanto surge precisamente no final do livro quando é revelado que – SPOILER – o jovem Marcus é na realidade Brutus. Ora, tendo em conta a importância crucial da relação histórica entre estas duas personagens, não é concebível que um autor decida “alterar os factos só porque assim o entende fazer”. Para perceberem o que estou a dizer, Marcus surge como o rapazinho ligeiramente mais velho do que Gaius. Historicamente, há estudiosos que defendem a tese de que Brutus pode ter sido filho de Júlio César, resultando de uma relação na sua adolescência. Quando Brutus nasceu, César tinha 15 anos…
Uma coisa é um autor dar liberdade à sua imaginação, pois somente isso é capaz de criar um livro de ficção, outra coisa é retirar personagens do contexto histórico, e adulterar a narrativa a seu bel-prazer.
Este é apenas o facto mais chocante no livro, mas há muitos outros. E quanto mais uma pessoa lê sobre este período, mais incongruências descobre. Por isso, fico com este gosto agridoce. Por um lado é um livro fabuloso, com uma narração viciante, cheia de cor e vida, plena de personagens ricas e muito marcantes, por outro lado é o mesmo que estar a ler um livro sobre a fundação de Portugal, que decorre no ano 1750, em pleno Século das Luzes, e cujo primeiro rei tem por nome Asdrúbal Anatólio.
Veredicto: estou cheio de vontade de pegar nos restantes livros e continuar a ler esta ficção de altíssimo nível, mas ao mesmo tempo sei que ao fazê-lo vou estar sempre de pé atrás, e com a bílis a subir-me pelo esófago acima.

Bom, como diria certa pessoa… alea jacta est!

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