quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Exodus – Deuses e Reis




Ridley Scott é um daqueles génios que têm lugar de destaque no meu panteão de artistas. Afinal, estamos a falar do homem que realizou o melhor filme de todos os tempos. Quando surgiu o primeiro trailer de Exodus fiquei a tremer. Estaria Scott de regresso aos grandes épicos históricos? Estaria um novo Gladiador a caminho?
Fui vê-lo já depois de estar há algum tempo nas salas de cinema, e tendo lido muitas críticas negativas. Mas, quando Scott fez Robin Hood (2010) também houve uma chuva de críticas nada abonatórias, e o filme até é razoavelmente decente. Além disso, o fanboy dentro de mim queria a todo o custo contrariar as opiniões gerais, e chegar aqui a rir desbragadamente e a gritar “vivas” ao filme. Teria que ultrapassar o meu ódio de estimação pelo Christian Batman enquanto protagonista, mas tudo o resto seria, com toda a certeza, no mínimo satisfatório. Bom, Exodus tem uma proeza… Bale consegue não ser a pior coisa no filme!
Exodus – Deuses e Reis é uma tragédia de proporções épicas que penosamente se arrasta ao longo de duas horas. Aqui o fanboy quer desculpar o seu ídolo, afinal a culpa principal é do argumento grotesco, que nem sequer tem a mão de Scott. Na parte em que Ridley Scott é chamado – a realização – responde sempre de forma imperial. Veja-se a magnífica carga de cavalaria dos egípcios contra os hititas logo na abertura do filme! É seguramente uma das mais deslumbrantes jamais filmadas. Mas, meu caro fanboy, o realizador é sempre o responsável máximo pelo filme. É ele quem o assina, quem lhe dá identidade. O guião de Exodus é tão mau, que faz o do Dark Knight Rises parecer aceitável (que não é!).
Até nem era preciso um grande génio para contar a história de Moisés e do Êxodo. É mais do que conhecida, teve inclusive direito a grandes adaptações no cinema. Mas, aparentemente, foram necessários quatro babuínos para escrever um pedaço de esterco tão grande, que a única coisa que mereciam era levar com as Tábuas dos Dez Mandamentos nos cornos. Quatro asnos para escrever algo tão mau, que um miúdo de seis anos certamente faria melhor.
Há dois momentos centrais no filme, e que conseguem ser de um ridículo tão majestático, que uma pessoa apenas consegue colocar as mãos à frente da cara e abanar a cabeça. Ramsés e Moisés são quase como irmãos. São criados juntos, lutam juntos, Moisés salva a vida de Ramsés no campo de batalha, o faraó (pai de Ramsés) até lhes dá espadas para simbolizar a união de ambos. Até ao dia em que um inimigo político de Moisés aparece e diz que um soldado qualquer ouviu um escravo qualquer a insinuar que Moisés era de descendência hebraica. Em menos de dois minutos Ramsés entende que isto é absolutamente verdade, e que Moisés tem que ser imediatamente expulso e assassinado. Muito coerente. E o mais engraçado, é que isto não é o pior da história! Moisés é apresentado como alguém que não acredita em qualquer religião, e inclusive desdenha todas as superstições e rituais religiosos. Já no exílio, conhece uma bela moçoila, crente em Deus, com quem se casa e tem filhos. Torna-se pastor, e quando o filho já é crescido diz à esposa que não concorda que ele seja iniciado na fé, e faz um discurso bonito (na voz ciciante do Bruce Wayne…) dizendo que o filho deve crescer a acreditar nele próprio, e não num qualquer deus. Até que no dia a seguir vai atrás de uma ovelha para o cimo do monte, no meio de um temporal, escorrega na lama, leva com uma pedra nos cornos, e subitamente vê Deus! Que é uma criancinha irritante que só ele vê. No dia a seguir, cheio de febre e a delirar, decide abandonar a família e “ir fazer o que Deus lhe mandou”. E isto passa-se aí em dois minutos de filme. Uma conversão ainda mais rápida e ridícula do que a do Anakin Skywalker no inominável Rise of the Sith.
Até mesmo para quem não tenha crenças religiosas isto parece insultuoso. Já não bastava, algumas cenas antes, terem sido enviados dois assassinos para… ASSASSINAR Moisés, que se dão ao trabalho de ficar parados a olhar para ele enquanto dorme, esperam que ele acorde, e – espanto! – levam na tromba. Portanto, o que fazem os assassinos? ASSASSINAM pessoas! Vêem o seu alvo a dormir, completamente desprotegido, e… aproveitam para se aproximar silenciosamente e cortar-lhe a garganta, como qualquer… ASSASSINO? Não! Ficam a olhar para ele a fazer ó-ó, como se fosse um bebezão crescido e rechonchudo, e esperam que ele – um general, combatente altamente experiente e letal – acorde, para depois – aí sim – o tentarem matar… A sério, um miúdo de seis anos conseguia escrever algo menos obtuso do que isto.
Não pretendo dar-me ao trabalho de escrever sobre todas as asneiras no argumento do filme (pois oito páginas não bastariam para tal), e portanto deixo para mais tarde as reflexões sobre a conveniente estrada que contorna as montanhas, suficientemente larga para haver uma corrida de bigas (carros puxados por uma parelha de cavalos), e que liga lugar nenhum a lugar algum, pois chegam ao mar e nem sequer uma cabana lá existe, por isso questiono quem utilizaria aquela estrada; bem como o facto interessante de um milhão de refugiados decidir entrar pelo mar adentro, cheios de água até ao peito, sem ninguém perceber qual é o plano; e por último o momento de génio em que o faraó mauzão vai a atravessar o mar, leva com uma onda de cinquenta metros em cima, que deve ter uma Força equivalente a 500 mil quilotoneladas, e em vez de ficar transformado numa passa para consumir na passagem de ano, aparece na cena seguinte a passear pela praia fora… ainda com a maquilhagem egípcia perfeitamente estampada na sua carinha laroca. Tudo muito bom.
Mas já que falo do faraó mauzão, talvez seja oportuno mencionar os actores geniais com que o filme conta. Não sei quem se lembrou de ir buscar Joel Edgerton para fazer de Ramsés, mas poderiam ter explicado ao senhor que um faraó em 1300 AC não é propriamente um mafioso italiano com ar de pintas. É preciso muito talento para estar num filme ao lado do Christian Bale, e conseguir ser pior do que ele! Mais, é prodigioso haver ainda quem consiga ser pior! Como é o caso do faraó velho (Seti), magnificamente DESinterpretado por um idiota chamado John Turturro, que é o histérico ignóbil dos filmes dos Transformers (com a mania da conspiração). Se nos filmes dos Transformers ele já parece mau, imaginem-no a fazer de faraó… Lamentavelmente, temos dois monstros do cinema, Sigourney Weaver e Bin Kniglsey, cujos talentos são faraonicamente desaproveitados, pois dizem duas falas e desparecem de cena. No caso de Bem Kingsley a coisa assume proporções de estupidez bíblica, pois trata-se da personagem que revela a Moisés quem ele é na realidade… e depois disso parece não voltar a abrir a boca durante o resto do filme.
Exodus é de longe o pior filme da magistral carreira de Ridley Scott, e só não é o pior filme do ano porque felizmente existe Michael Bay. O único ponto positivo do filme é a fenomenal banda sonora de Alberto Iglesias, que está estupenda, digna de um faraó, e repleta de coros na boa tradição de Verdi. É penoso ouvir algo tão bom, tão bonito e meticuloso, desperdiçado num fracasso cinematográfico tão grandioso como a própria travessia do Mar Vermelho. Só o Interstellar de Hans Zimmer deve impedir que esta obra seja a melhor assinatura musical cinematográfica do ano. Ouçam-na, quem gosta, pois vale a pena. No que à música diz respeito, Scott não costuma cometer erros. Foi ele que foi buscar James Horner para compor a música de Alien, Vangelis para Blade Runner, Hans Zimmer para o inesquecível Gladiador, e agora Alberto Iglesias para mais esta pérola.
Não me apetece escrever mais sobre o filme, pois tudo o que disser daqui para a frente é para pior. Toda a sequência das pragas é fastidiosa e incoerente; os próprios cenários e efeitos especiais são um falhanço (um milhão de pessoas a correr pela praia, e nenhuma deixa pegadas); passam dias a fio sem os guardas do faraó conseguirem encontrar Moisés, e no entanto este entra e sai do palácio do faraó quando lhe apetece; um faraó que utiliza expressões em latim no ano 1300 AC, quando a língua ainda não tinha nascido; Moisés a expressar o seu desejo de os hebreus serem “cidadãos do Egipto”, quando o conceito de direitos de cidadania só deverá ter sido criado séculos mais tarde pelos atenienses ou pelos romanos… Enfim, no meio de tanta barbaridade não vale a pena sequer estar com preciosismos.
É para mim muito constrangedor assistir a algo tão mau, sendo eu um fã confesso do génio de Ridley Scott, o homem que em 1979 criou o fabuloso Alien, e apenas três anos mais tarde fez nascer o melhor filme de todos os tempos. No melhor pano cai a nódoa, e espero fervorosamente que rapidamente o meu ídolo recupere o estatuto que merece.

Pelo Melhor
Sem margem para dúvida, a excelente música de Alberto Iglesias. Além disso… só mesmo o facto de o a história não ter uma sequela. Espera, deixa-me estar calado não vá os mesmos gajos lembrarem-se de refazer o Bem-Hur…

Pelo Pior
Um guião tão medíocre, que nem num filme do Michael Bay seria expectável. O Faraó/Padrinho-da-Máfia. O Faraó/Gajo-idiota-dos-Transformers. Os camelos (não me refiro aos animais, mas sim aos argumentistas). A mediocridade. Tudo, absolutamente tudo após os dez minutos iniciais.

NOTA: eu costumo encerrar as minhas críticas de cinema com o trailer do respectivo filme. Mas neste caso não o vou fazer, não vá alguém cair no erro de decidir ir vê-lo. Acreditem em mim… fiquem em casa e façam um chá de limão, pois é menos aborrecido do que isto.

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