quinta-feira, 22 de agosto de 2013

“Da Corrupção À Crise – Que Fazer?”, de Paulo de Morais


O maior antro deste tráfico de influências é a Assembleia da República. São várias dezenas os deputados que, de forma aparente, potencial ou real, estão em conflito de interesses. (…) Há dezenas de deputados que acumulam a função parlamentar com a de administrador, director ou consultor de empresas que desenvolvem grandes negócios com o Estado.

Nunca, até hoje, tinha lido um livro que me deixasse doente.
Paulo de Morais começou a aparecer nos anos mais recentes em alguns programas de televisão a denunciar a corrupção responsável pela destruição de Portugal. Logo de início percebia-se que este não era mais um daqueles comentadores que “cospem para o ar” e dizem que andam por aí umas bruxas, mas depois não é nada com eles. Paulo de Morais foi vereador na Câmara Municipal do Porto, e teve oportunidade de ter contacto directo com “o polvo”. O livro resume com uma eficácia bárbara TUDO aquilo que, infelizmente, vamos esquecendo no mediatismo. E, meus amigos, esse TUDO é avassalador.
O autor não se limita a lançar umas frases para dizer “há corrupção”. Nada disso. Ele conta os casos, aponta o dedo, e refere os nomes. São 145 páginas que deixam qualquer pessoa séria à beira de um ataque de nervos. Aqui se desmistifica sem complacência a tão falada “Crise”.
Todos os casos são públicos, conhecidos, amplamente falados na comunicação social, mas que o tempo fez esquecer. Tal é o caso da Lusoponte e do ex-ministro das Obras Públicas que quando saiu do governo garantiu que os proveitos da cobrança de portagens das duas pontes (25 de Abril e Vasco da Gama) ficassem sequestrados durante as próximas décadas pela empresa para a qual foi assim que largou o cargo de governação.
Especial cuidado é dado à promiscuidade que existe entre os deputados e os grupos económicos poderosos, bem como alguns escritórios de advogados.
«Há dezenas de deputados que acumulam a função parlamentar com a de administrador, director ou consultor de empresas que desenvolvem negócios com o Estado.» Muitos destes deputados que integram as comissões que atribuem subsídios fazem parte das mesmas empresas que beneficiam deles.
Causa mal-estar ver a forma liminar com que Paulo Morais desmonta a vergonha que é o dito “centrão”, que ao longo de 20 anos tem servido para roubar o que é nosso, e através das PPP (e outros artifícios) distribuí-lo por interesses imobiliários. É revoltante. Como, por exemplo, ficar a saber que as famosas Fundações recorrem a esquemas para não pagarem IRC, IMI, ou as próprias viaturas que lhe estão associadas.
E não é por acaso que boa parte dos deputados, governantes, e ex-governantes que representam PS, PSD e CDS estão ligados às poderosas firmas de advogados. A firma que «produziu o Código da Contratação Pública e, desde que este diploma entrou em vigor, ganhou já quase 10 milhões de euros em pareceres. Apreciações em que explica aquilo que andou a legislar.» As leis são propositadamente dúbias, para garantir que as firmas terão rios de proveitos financeiros em Pareceres, e ao mesmo tempo garantir que há sempre uma excepção para servir os amigos.
Os nomes estão lá todos. Quem os quiser saber, só tem de ler o livro.
E, por fim, o livro tem ainda um toque de consciência social. Não se limita a apontar as negociatas e a dar o nome de quem lhes dá vida. Fala, por exemplo, nos custos que isso tem para a sociedade, como no caso do desinvestimento em transportes públicos que levou ao aumento dos preços, e que deixou os idosos cada vez com menor mobilidade (urbana), e da limitação da oferta cultural a que cada vez mais somos sujeitos, ficando boa parte desta vocacionada para algumas elites (obviamente subsidiadas por quem nós sabemos). O autor finaliza o livro com uma profunda reflexão social sobre o que é o Portugal de hoje, destruído pelos “nomes grandes” deste infame centrão – não nos façamos de ingénuos, todos sabemos quem eles são – chegando inclusive a dissertar sobre os perigos da exposição à publicidade a que as crianças pequenas estão sujeitas, e como isto pode levar à indisciplina e a comportamentos violentos.
Enfim, não pretendo dispersar-me no texto. O livro é esmagador. Aconselho-o vivamente a quem tem decência e é honesto. Demonstra com uma crueza pura como fomos manipulados e enganados por quem elegemos. Há ainda que elogiar a coragem deste homem, pois ele enfrenta os mais poderosos do país, e arrisca-se seriamente ao expor de forma tão directa a podridão que grassa na maldita classe política que destruiu este país.
De uma coisa tenho a certeza: qualquer pessoa que leia este livro dificilmente na sua vida voltará a votar em PS, PSD ou CDS.
Gente como Paulo de Morais merece todo o apoio dos cidadãos de bom nome. Temos a obrigação moral e a responsabilidade social de acarinhar quem ousa insurgir-se contra quem tem garantido que os portugueses se mantêm como os mais pobres da Europa, enquanto um punhado de gente sem escrúpulos continua a dizer “se não têm pão para comer, então comam bolos”.
Este é um livro que eu gostaria de ter escrito.

Da Corrupção À Crise – Que Fazer?, Paulo Morais, Gradiva, 2013

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